Pertinentes as ponderações da melhor doutrina acerca da necessidade de uma minirreforma na legislação concursal brasileira. Isto porque, ultrapassado seu primeiro lustro, o texto normativo evidenciou de forma clara aos agentes econômicos suas fraquezas e potencialidades. Deixe-se de lado neste ensaio os notáveis resultados positivos apresentados pela legislação para que o leitor concentre-se em uma das mais evidentes fraquezas da legislação, quiçá a maior de todas, representada pelos créditos tributários.
Não é repetitivo reforçar que a astronômica carga tributária brasileira constitui o principal obstáculo para o crescimento da indústria nacional, como amplamente demonstrado em recentes pesquisas encomendadas pelas Federações das Indústrias dos Estados brasileiros.
Se a carga tributária representa tamanho óbice à atividade empresarial brasileira, linear o raciocínio que a atrela quer como a origem de crises econômico-financeiras de determinados entes privados, quer como o principal passivo no procedimento concursal falimentar ou recuperacional. Mas ao contrário do que possa imaginar o perspicaz interlocutor, e veja-se aí o descompasso legislativo, os tributos são tangenciados de forma insuficiente pela lei especial.
E a insuficiência da Lei nº 11.101, de 2005, em matéria dos créditos tributários está invariavelmente atrelada à previsão de insubmissão destes ao procedimento de recuperação judicial, bem como ao esquecimento do artigo 68 pelos legisladores federais, estaduais e municipais.
Passados sete anos de vigência da lei, as execuções fiscais em face de empresas em recuperação judicial prosseguem indefinidamente, em um ciclo vicioso que extirpa as possibilidades de soerguimento empresarial e reduz a base econômica, tendo por consequência a malfadada desindustrialização e perda de receita tributária de médio e longo prazo.
A regulamentação do artigo 68 evidencia-se, então, como medida urgente a ser adotada pela União e pelos Estados.
No âmbito federal referidos projetos de lei tramitam lentamente, denotando um desinteresse em debelar este crítico cenário.
De outro vértice, no que atine a tributação estadual destaca-se o recente Convênio ICMS nº 59, publicado pelo Confaz em 27 de junho de 2012 para o fim de autorizar os Estados e o Distrito Federal a conceder “para as empresas em processo de recuperação judicial, parcelamento de débitos, tributários e não tributários, constituídos ou não, inscritos ou não em dívida ativa no limite máximo de 84 meses”. Trata-se, no entanto, apenas de “aparência de um avanço legislativo”.
Não cabe ao Confaz definir limitações a parcelamento tributário estadual
Com efeito, o objetivo do Confaz aloca-se precisamente na vedação à disputa predatória entre Estados e, simultaneamente no respeito à competência tributária dos Estados-membros. Para tanto, sua competência é delineada na redação do artigo 155, XII, alínea g da Constituição Federal de 1988, bem como na Lei Complementar nº 24, de 1975.
Tendo em vista os princípios da máxima efetividade do texto constitucional e da interpretação conforme o texto constitucional, postulados básicos da hermenêutica jurídica constitucional, deve-se interpretar a legislação complementar à luz da Constituição Federal, e não o inverso. Assim, deve-se ter em conta que eventuais dispositivos da lei complementar incompatíveis com a norma fundamental não foram recepcionados pelo ordenamento jurídico atual.
Precisamente por isso pode-se afirmar que não compete ao Confaz deliberar sobre matérias distintas de “isenções, incentivos e benefícios fiscais” do ICMS. Não caberia ao órgão colegiado, por exemplo, definir limitações ao parcelamento tributário estadual, em razão da não recepção do artigo 10 da Lei Complementar nº 24 pelo ordenamento jurídico.
A viger entendimento diverso, estar-se-ia admitindo que toda e qualquer normativa estadual a respeito do ICMS seja previamente deliberada pelo Confaz, o que certamente afrontaria a cláusula pétrea assecuratória da forma federativa de Estado (art. 60, parágrafo 4º, I da Constituição Federal).
Ora, se para a concessão de programas de parcelamento tributário geral de ICMS não se exige a submissão ao conclave dos demais secretários estaduais, não se pode fazer tal exigência para agentes econômicos pelo simples fato de estarem em Recuperação Judicial, o que seria um discrímen desarrazoado e invertido. Mormente porque referidos programas de parcelamento normalmente fixam prazo mínimo de dez anos, ou 120 parcelas mensais.
Tais considerações, aliadas ao fato de que os contribuintes já detinham o parcelamento ordinário (60 meses) como alternativa, sinalizam que o Convênio ICMS nº 59 tem conotações meramente simbólicas e não efetivas de resolução do vácuo legislativo. A aproximação da primeira década de vigência da legislação exige que as soluções adequadas não sejam novamente adiadas, pois o cenário atual urge pela compatibilização da lei concursal à realidade.
Assione Santos e Marcus Vinícius Machado são, respectivamente, advogado especialista em direito empresarial e recuperacional, administrador de empresas, sócio fundador da Assione Santos Advogados Associados; advogado no mesmo escritório e economista com especialização em direito corporativo
Valor Econômico
Fonte: tributario.net