A discussão no Congresso Nacional, no âmbito do governo e no Supremo Tribunal Federal sobre a legalidade dos incentivos fiscais concedidos pelos estados para atrair investimentos representa uma oportunidade singular para o país iniciar, enfim, a reforma tributária. Complexo, disfuncional e caro, o sistema brasileiro de cobrança de impostos precisa ser urgentemente modificado, com a adoção de práticas que, em vez de atrapalharem, estimulem a competitividade do setor produtivo. A hora tem que ser agora.
Além do debate sobre o fim da guerra fiscal, outros elementos indicam que o momento é propício para que o país finalmente enfrente a tarefa de modernizar o sistema tributário, desejo que persiste pelo menos desde a revisão constitucional de 1993. Em diversas medidas adotadas recentemente, o governo vem tentando retirar os obstáculos ao crescimento econômico vigoroso e sustentado. São exemplos dessas iniciativas o combate aos juros altos, os planos de investimento em infraestrutura e a proposta de redução dos encargos sobre a energia elétrica e a folha de pagamentos.
Essas medidas são reivindicações antigas das indústrias. De forma lógica, o passo seguinte é atacar uma das maiores causas de ineficiência da economia brasileira: os altos custos tributários. Ademais, a redução da taxa básica de juros (Selic) ao menor nível da história diminui a pressão sobre a dívida pública, abrindo espaço para a redução da carga tributária, subproduto desejado da reforma. Hoje, a depender de quem faz o cálculo, ela é superior a 36% do Produto Interno Bruto (PIB), uma das mais altas do mundo para países de igual nível de desenvolvimento.
É de menor importância se a reforma deve ser feita de maneira fatiada, como muitos defendem, ou de uma vez só. A primeira forma traria a vantagem de ajudar a contornar as crônicas dificuldades de repartição de competência tributária e receitas entre os entes da Federação. Mas o resultado final precisa ser coerente e eficiente, sob risco de termos que começar tudo de novo depois. A segunda opção dá mais previsibilidade jurídica, pois se conheceria, de antemão, todas as fases de transição. Seja qual for a estratégia, o essencial é que se comece o quanto antes, com energia e determinação.
O governo federal deve liderar o processo, trazendo os outros níveis de poder para o debate. O setor produtivo precisa se organizar para mostrar suas necessidades. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) vai apresentar suas ideias, sempre visando à melhoria da competitividade e à retirada dos entraves tributários ao crescimento. A ordem é simplificar procedimentos e diminuir custos, liberando a capacidade de expansão dos negócios e da economia. Com mais recursos em mãos, trabalhadores poderão elevar o consumo, e as empresas, o investimento.
As diretrizes básicas para um sistema de qualidade devem ser: assegurar a completa desoneração de investimentos e de exportações; unificar os diversos tributos sobre circulação de bens e serviços (IPI, PIS/Pasep, Cofins, ICMS, ISS, Cide-combustíveis) em um único imposto cobrado sobre o valor adicionado em cada etapa da cadeia produtiva; garantir a não cumulatividade plena na tributação sobre o valor adicionado, com o uso imediato, como crédito, de tudo o que foi pago nas fases anteriores; unificar o Imposto de Renda e a CSLL e reduzir o recolhimento incidente sobre a folha salarial.
O fim da guerra fiscal precisa ser antecedido pela convalidação dos incentivos concedidos no passado. Do contrário, empresas que cumpriram as exigências para legitimamente gozar dos benefícios seriam prejudicadas por monumental quebra de contratos, pondo em risco a própria existência. Todo o planejamento para seus negócios, o que inclui o pagamento de tributos, iria por água abaixo. A quebra de empresas traria indesejadas demissões e prejuízos sociais. Para viabilizar o fim da guerra fiscal, porém, é necessário reconstruir os mecanismos de incentivo ao desenvolvimento regional, transferindo o ônus à União, visto que essa é sua competência constitucional.
A reforma tributária é tarefa inadiável. Há décadas, o sistema de cobrança de impostos, contribuições e taxas sufoca a capacidade de crescimento da atividade econômica. Sua simplificação e a redução de seu peso sobre o setor produtivo provocariam o maior de todos os impulsos à competitividade da nossa economia. Após tantas tentativas frustradas, o país só tem a ganhar com a superação das dificuldades à sua realização. Todos, juntos, devemos nos dedicar a essa revolução.
Correio Braziliense
Robson Braga de Andrade
Empresário e presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI)