Levantamento comparativo feito pelo Sebrae e Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ) mostra os estragos que a cobrança do ICMS via substituição tributária vem fazendo nos micro e pequenos negócios, principalmente os inscritos no Simples Nacional. Dependendo do local e do produto, o aumento entre o imposto pago no Simples Nacional e o que é pago via substituição tributária se aproxima de 700%. O problema afeta mais de 2 milhões de empresas do setor de comércio e serviços que estão entre as cerca de 4,3 milhões de empresas do Simples Nacional.

A substituição tributária (ST) ocorre quando uma empresa, normalmente indústria ou atacadista, recolhe o imposto, no caso o ICMS, devido pelos demais integrantes da cadeia produtiva até o consumidor final. No caso do ICMS, o governo de cada estado determina qual será a empresa substituta tributária e os produtos sujeitos a essa tributação. Já são mais de 400 mil produtos sujeitos à ST, milhares deles produzidos ou vendidos por micro e pequenos negócios de áreas como alimentação, vestuário, materiais de construção e de escritório. O problema se agravou após o Simples Nacional entrar em vigor, em julho de 2007.

O Simples Nacional foi criado pela Lei Geral da Micro e Pequena Empresa (Lei Complementar 123/06) para reduzir burocracia e tributação para os pequenos negócios. Para isso, unifica a cobrança de seis tributos federais (IRPJ, IPI, PIS, Cofins, CSLL e INSS patronal), o ICMS estadual e o ISS municipal. Todos pagos num único boleto e numa unida data. A tributação é reduzida e escalonada, aumentando de acordo com a receita bruta da empresa.

Para as empresas do comércio a alíquota do ICMS começa com 1,25% para aquelas com receita bruta anual de até R$ 120 mil, e vai até 3,95% para as que têm receita bruta anual de até R$ 2,4 milhões. Com a substituição tributária elas deixam de pagar o ICMS reduzido no Simples Nacional e passam a pagar o imposto pela alíquota cheia, normalmente de 18% nos estados mais industrializados, sobre a Margem de Valor Agregado (MVA) – percentual aplicado sobre valor do produto no inicio da cadeia produtiva para estimar o seu preço para o consumidor final. A MVA muda de percentual dependendo do produto e do estado.

Em São Paulo, maior centro industrial do País, por exemplo, o MVA do creme de barbear é de 76% e a alíquota do ICMS, que serve de base de cálculo da substituição tributária, é de 18%. No comparativo entre o ICMS inicial de 1,25% pago pelo produto no Simples Nacional e o valor pago via substituição tributária, o aumento é de 668,80%. No papel higiênico, que tem MVA de 45%, a alta é de 346,40%. Com MVA de 20% o sabonete tem aumento de 196,80%. Mesmo estando entre os produtos da cesta básica, com MVA de 27% e ICMS de 7%, nas massas alimentícias a alta é de 18,4%.

Em Minas Gerais, onde a alíquota do ICMS também é de 18%, o aumento é de 653,6% nas lentes para óculos de grau, que tem MVA de 110%. Para cadernos escolares, com MVA de 65%, a subida é de 467,20%. No Rio Grande do Sul, com ICMS de 17%, o imposto para o caramelo, com MVA de 51%, sobe em 359,20%. Para o molho de tomate, que tem MVA de 50%, a subida é de é 352,80%. Na cuca, o tradicional pão doce, com MVA de 24%, o aumento é de 85,60%.

“Na prática, a substituição tributária anula a redução do ICMS a que essas empresas têm dentro do Simples Nacional e faz com que elas paguem mais imposto”, diz o presidente do Sebrae, Paulo Okamotto. Segundo avaliação da instituição, o aumento sistemático da pauta de produtos sujeitos à substituição tributária acaba com o caráter nacional do sistema de simplificação e de tratamento diferenciado para os pequenos negócios por parte dos estados. “Em relação ao ICMS, o Simples Nacional praticamente não existe mais”, alerta o gerente de Políticas Públicas da instituição, Bruno Quick.

Pagamento antecipado

Outro problema: no Simples Nacional o imposto é pago a partir no dia 20 do mês seguinte ao da venda. Com a substituição tributária o imposto é recolhido normalmente na indústria ou no atacado, antes de o produto chegar ao varejo. A empresa escolhida como substituta tributária recolhe a sua parte do tributo e também o imposto dos demais integrantes da cadeia, incluindo-o no preço do produto na emissão a nota fiscal.

O problema, conforme o Sebrae, é que o prazo para pagamento dado pelo fornecedor da pequena empresa, muitas vezes de 30 a 60 dias, é menor do que o tempo necessário para a revenda e o recebimento do valor do produto no varejo. Geralmente, este valor é financiado ao consumidor em até seis vezes ou mais, no cartão de crédito ou no cheque pré-datado. Se o empresário recorrer ao sistema financeiro para cobrir essa defasagem o problema se agrava, em decorrência dos altos juros cobrados no desconto de títulos e empréstimos para capital de giro. O entendimento é que, assim, os pequenos negócios financiam o Estado, arrebentam seu capital de giro e perdem a competitividade.

“Isso acaba com o caixa e a competitividade da empresa”, confirma Davidson Luiz Cardoso, dono de uma pequena ótica em Belo Horizonte. Em virtude do problema, ele adiou o sonho de abrir uma filial. “Tem produto com prazo de validade, como cola escolar, que se você não vende perde tudo, inclusive o imposto”, reforça o dono de uma pequena papelaria e diretor da Câmara de Dirigentes Lojistas da capital mineira, Marco Antônio Gaspar, que alerta para fechamento de negócios. No caso em que a pequena é substituta tributária, ela tem que recolher o imposto dela e o da empresa para a qual está vendendo o produto, repetindo problemas em relação ao capital de giro e competitividade.

Outro problema é a antecipação do ICMS nas divisas estaduais, praticada principalmente pelos estados compradores. É o mesmo processo da substituição tributária, com o ICMS incidindo sobre um valor estimado para venda ao consumidor final e demais tributações. O imposto é pago na hora, no posto da Secretaria de Fazenda, antes mesmo de o produto chegar ao ponto de venda.

“O mundo derruba fronteiras para se integrar e o Brasil cria barreiras internas, dificultando a competitividade das empresas, na contramão do que ocorre na economia internacional”, afirma o gerente adjunto de Políticas Públicas do Sebrae, André Spínola.

Burocracia

A substituição tributária também tira o caráter desburocratizante do Simples Nacional. As empresas precisam de controles paralelos para produtos que saem do sistema e entram na ST. Muitas vezes, por falta de estrutura administrativa, elas não fazem isso e acabam pagando o imposto duas vezes: via ST e via Simples Nacional. Há também as empresas que, mesmo não revendendo produtos com ST, utilizam insumos tributados dessa forma, como farinha de trigo para fazer produtos alimentícios. Elas pagam o imposto no insumo e não podem abater no preço do produto final.

Solução

O levantamento sobre impactos da substituição tributária junto às micro e pequenas empresas do Simples Nacional foi realizado para subsidiar a Frente Parlamentar Mista da Micro e Pequena Empresa no Congresso Nacional, que propôs o Projeto de Lei Complementar 591/10, em tramitação na Câmara dos Deputados. Ele altera a Lei Geral e resgata a eficácia do Simples Nacional, retirando as micro e pequenas empresas integrantes do sistema da aplicação da ST – exceto para produtos como cigarros, bebidas alcoólicas, combustíveis e energia elétrica. O projeto também define que nas aquisições interestaduais não haverá recolhimento de diferencial de alíquota.

Fonte: TV contábil