A partir do dia 1º de abril, empresas de São Paulo que apresentarem irregularidades no Cadesp (Cadastro de Contribuintes do ICMS) não poderão emitir NF-e (Nota Fiscal Eletrônica). O Fisco passará a verificar, além da situação cadastral do emissor do documento fiscal responsável pela venda (o que já ocorre), também a do destinatário da mercadoria e não autorizará a emissão do documento fiscal se identificar irregularidades no cadastro das empresas envolvidas na operação.
Com essa medida, o Estado de São Paulo se habilita a entrar em uma briga judicial que já vem sendo travada entre as empresas e a fazenda municipal, desde que esta impediu que os contribuintes irregulares com o ISS (Imposto Sobre Serviços), emitissem nota fiscal eletrônica.
No caso do estado, a encrenca é ainda maior, pois mesmo que esteja em situação regular com o fisco, o emissor da nota fiscal será impedido de emiti-la se o destinatário dela estiver em débito.
A Justiça tem concedido liminares às empresas, permitindo então a emissão das NFS-e, sob o entendimento de que a prática de atos políticos que obriguem o contribuinte ao recolhimento de tributo é ilegal, já que o Estado já possuiria eficiente instrumento para cobrança tributária que é a execução fiscal, assim como restrições inerentes à emissão de certidões negativas tributárias.
A restrição em âmbito estadual já deveria ter entrado em vigor no dia 1º de março, mas foi postergada para o dia 1º de abril, a pedido de entidades empresariais que solicitaram prazo para que os contribuintes possam se adaptar às novas regras .
A emissão da nota fiscal eletrônica pode ser denegada pela Fazenda com base no Ajuste Sinief 10/2011 do Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária), que alterou o Ajuste Sinief 07/05 e estendeu a verificação da regularidade também ao comprador dos produtos.
A Fazenda estadual publicou no Diário Oficial do Estado, em dezembro de 2011, a Portaria CAT 161/11, com esta determinação. O Fisco publicou também no DOE de 18/2 o Comunicado CAT 05, com esclarecimentos acerca da medida.
De acordo com a Portaria CAT 161/2011 não será mais aceita nenhuma NF-e emitida para destinatários paulistas que constarem no Cadesp como empresas com inscrição estadual cassada, inativas ou inidôneas.
A NF-e da empresa emissora será autorizada somente nos casos em que o destinatário for uma empresa ativa, apresentar outra situação cadastral compatível com a aquisição de mercadorias (caso de alguns prestadores de serviços) ou estiver desobrigado de inscrição no Cadesp, como hospitais e bancos, por exemplo.
O que fazer
O advogado Marcos Paulo Caseiro, sócio do Simões Caseiro Advogados e Mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, explica que a instrução normativa não prevê caso de regularização que não seja o pagamento.
O contribuinte, contudo, pode pedir ao Judiciário, tanto declaração de suspensão da exigibilidade do crédito (com depósito, processo administrativo ou ilegalidade da cobrança) com pedido de ordem para emissão das notas fiscais, ou pedir diretamente ordem contra autoridade municipal para que autorize a expedição de notas fiscais, considerando a ilegalidade da restrição.
– Com restrições a direitos pretende-se a maior eficiência arrecadatória, inviabilizando a discussão, pelo contribuinte, da legalidade da cobrança do tributo. A administração visa, com isso, claro recado ao contribuinte: ou paga tributos sem questionamentos ou o exercício da atividade será prejudicado.
O advogado tributarista Raul Haidar entende que a inconstitucionalidade da restrição à nota fiscal decorre do artigo 5º inciso II da CF: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Inciso XIII: “é livre o exercício de qualquer trabalho… atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. Para ele, esses atos administrativos não são leis e se o fossem seriam inconstitucionais.
Raul Haidar explica que, “na verdade, as autoridades fiscais deste estado e as deste município estão implantando o STT = Sistema Terrorista Tributário. Todos devem pagar tributos. Mas é comum a dificuldade de muitas empresas para fazer tal pagamento, principalmente com as dificuldades hoje existentes, inclusive custos elevados de infraestrutura, transportes caóticos, segurança deficiente (as empresas são obrigadas a pagar segurança privada ou seguros elevados), créditos bancários a juros extorsivos, etc… Exatamente por isso já há empresários se instalando em outros países. Por isso, que o Uruguai vem crescendo a taxas elevadas, por exemplo”.
O advogado Theodoro Vicente Agostinho, que atua na área tributária e coleciona algumas decisões contra o impedimento da emissão da nota fiscal, diz que há pelo menos três súmulas do Supremo Tribunal Federal que vão no sentido da inconstitucionalidade do impedimento do exercício da atividade econômica por causa de dívidas tributárias: A Súmula 70 diz que “é inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo de cobrança de tributo”; Súmula 323, “é inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos”; e Súmula 547, “não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividade profissionais.
Mercadoria como refém
Marcelo Campos , presidente da Academia Brasileira de Direito Tributário, aponta que não é a primeira vez que Estados brasileiros adotam medidas como esta, no qual “se comporta como bandido, tendo a mercadoria como refém”.
Ele vê muita similaridade desta iniciativa com outra conduta já adotada em outros momentos, em que o Estado apreendia e retinha mercadorias até que as empresas pagassem os tributos devidos, medida que foi julgada e considerada ilegal pelo Supremo Tribunal Federal.
Outro ponto destacado por Marcelo Campos é que a execução fiscal, hoje é um meio muito eficiente de cobrar as dívidas. Ele ressalta, inclusive, que via de regra, os embargos não suspendem a sentença, o que mostra a força que o estado tem com relação à cobrança de Tributos.
– Medidas como esta, que impedem a atividade econômica como meio para receber um tributo, distorce a realidade que é a de que um cidadão trabalha e exerce uma atividade econômica para seu sustento e de sua família e, passa a deduzir que um cidadão exerce uma atividade econômica para pagar impostos, o que está errado.
Marcelo Campos ainda contextualiza que esta medida talvez tenha um caráter mais político do que técnico que vise à eficiência da recuperação de receita tributária, já que a tendência é que o Judiciário impeça a restrição à NF-e.
– É como se o Estado dissesse: ‘Estão vendo, eu fiz o necessário para recuperar o crédito, mas o Judiciário que não permitiu’. São as conhecidas soluções heroicas. A ideia pode até ser legítima, mas nitidamente as ações são truculentas.
O tributarista Raul Haidar afirma:
– Não vai ser dessa forma que aumentarão a arrecadação. Deve-se facilitar a vida dos devedores, para que paguem, inclusive com redução de multas e juros.
E conclui:
– O Estado não ganha nada transformando-se em inimigo das empresas. Os burocratas estatais, a maioria dos quais nunca administrou coisa algum e só vive nas teorias acadêmicas, em breve perderá seus empregos públicos se a coisa andar assim.
Fonte: Agência Estado / por R7