Decisão do STF pode elevar déficit em R$ 2,7 bi
Aposentados que voltaram a trabalhar reivindicam na Justiça o direito de que o novo período de contribuição seja considerado e possam, com a obtenção do recálculo da aposentadoria anterior, receber maiores benefícios previdenciários. A “reaposentadoria”, ou “desaposentação”, como tem sido chamada, pode ser aprovada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em julgamento que começou em 16 de setembro e deverá ser concluído em novembro ou dezembro.
O próximo presidente da República pode assumir o governo com um déficit extra de R$ 2,7 bilhões anuais na Previdência. Esse seria o tamanho do prejuízo aos cofres da União, caso o Supremo Tribunal Federal (STF) decida favoravelmente à tese da “desaposentadoria” (uma espécie de revisão da aposentadoria atual). No ano passado, o déficit da Previdência somou R$ 43,6 bilhões.
A desaposentadoria é uma forma de aumentar o recebimento de benefícios previdenciários. Os trabalhadores que se aposentaram por tempo de serviço ou pelo sistema de benefício proporcional, e que continuam a trabalhar ou voltaram ao mercado de trabalho, pedem para obter outra aposentadoria (abrindo mão da anterior), agora, em condições mais vantajosas, pois têm mais tempo de contribuição.
O caso começou a ser julgado pelo STF em 16 de setembro. A previsão é que uma decisão seja tomada entre novembro e dezembro deste ano. No início do julgamento, o relator do processo, ministro Marco Aurélio Mello, votou a favor da desaposentadoria. Segundo ele, como o trabalhador voltou ao serviço e, portanto, a contribuir com a Previdência, não seria justo que ele não pudesse incorporar o cálculo desse novo período de trabalho para a sua aposentadoria. “Esse é um caso importantíssimo, porque nós temos 500 mil segurados obrigatórios, que retornaram à atividade e contribuem como se fossem trabalhadores que estivessem ingressando pela primeira vez na Previdência Social”, reconheceu Marco Aurélio. Em seguida, houve pedido de vista do ministro José Antonio Dias Toffoli, adiando a conclusão do julgamento.
Para técnicos do governo, se a tese do recálculo da aposentadoria passar no STF, será preciso iniciar nova reforma na Previdência, a partir do ano que vem. Isso porque não apenas 500 mil segurados teriam direito a aumentar os benefícios. Outros milhões de aposentados também poderiam pedir o recálculo de seus ganhos.
“Todo o regime geral de Previdência teria de ser revisto”, afirmou o procurador-geral federal, Marcelo Siqueira, responsável pela defesa da União perante o STF. Ele explicou que, hoje, as pessoas que se aposentam com idade mais avançada recebem benefícios maiores. Essa é a lógica do fator previdenciário – sistema de cálculo utilizado a partir de 1999, que privilegia a idade do trabalhador.
O objetivo do fator previdenciário foi reduzir os ganhos de quem se aposenta apenas por tempo de contribuição, sem atingir a idade mínima – 65 anos para homens e 60 para mulheres. O problema é que, com a desaposentadoria, as pessoas passam a aumentar os benefícios sistematicamente. Como voltam a contribuir, os valores são recalculados sob condições mais favoráveis para os segurados e mais prejudiciais aos cofres públicos, na maioria dos casos.
Para piorar a situação do governo, pouco antes de iniciar o julgamento da desaposentadoria, o STF aumentou o déficit da Previdência em R$ 1,5 bilhão, em uma decisão por ampla maioria de votos que permitiu a revisão do teto para a concessão de aposentadoria.
A decisão foi tomada em 8 de setembro, em recurso do INSS contra um aposentado que recebia, no máximo, R$ 1.081,50. Esse era o teto, em 1995, quando se aposentou por tempo de serviço. O teto, porém, subiu para R$ 1,2 mil em 1998 com a aprovação da Emenda nº 20. Ele pediu a revisão para receber o teto maior, de 98, e ganhou a causa no STF, por oito votos a um.
O único voto contrário às revisões do teto foi dado por Toffoli. “Não podemos dar o mesmo para aquele que se aposentou, em 95, por tempo de serviço, e para aquele que se aposentou, a partir de 98, pela Emenda nº 20, e trabalhou a vida inteira”, argumentou. “A prevalecer o critério do tribunal, aquele que trabalhou menos estará a receber mais”, concluiu Toffoli.
“Dizer que um aposentado receberia mais seria injusto”, respondeu a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, relatora do processo. “Eu não posso concordar, porque o sistema constitucional de aposentadoria faz diferenças o tempo todo”, continuou. “O direito veio, no caso, e fixou: quem quiser pode se aposentar nessas condições. Pode mudar? Claro que pode.”
Todos os ministros seguiram o voto de Cármen Lúcia, com exceção de Toffoli. Foi um mau presságio para o governo? “O caso da desaposentadoria é mais importante e mais complexo do que o anterior, pois envolve o sistema geral da Previdência”, respondeu Siqueira. Segundo ele, o julgamento anterior levou a um déficit de R$ 1,5 bilhão e afetou 700 mil aposentados. Já o caso que vai ser decidido envolve cifras maiores e, se a União perder, vai levar à revisão de todo o regime geral de Previdência. Nessa hipótese, adverte Siqueira, “o futuro presidente terá de rediscutir o fator previdenciário”.
O julgamento deve ser retomado após o fim das eleições, pois os ministros do STF que também atuam no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estão sobrecarregados.
Fonte: Valor Econômico