A questão

A Receita Federal, em atos normativos sobre o dever do contribuinte em apresentar, a cada ano, declaração para efeito de controle e cumprimento das obrigações relacionadas com o Imposto Territorial Rural (ITR), vem reiteradamente incidindo em afronta a disposições da lei que rege a matéria.

Essa declaração anual foi instituída pela Lei nº 9.393, de 19 de dezembro de 1996, que dispõe sobre o Imposto Territorial Rural, em seu artigo 8º nominando-a como “Documento de Informação e Apuração do ITR – DIAT”. Até o seu artigo 18, cura do Imposto Territorial Rural, e no artigo 19 trata do ganho de capital na alienação de imóvel rural.

A questão é que, ao expedir as instruções sobre apresentação da declaração anual, a Fazenda distorce o sentido da lei, com prejuízos para os contribuintes.

O contexto em que se situa a questão

O tratamento que a Receita Federal do Brasil vem dando às questões relacionadas com as obrigações acessórias a cargo dos contribuintes do Imposto Territorial Rural, que resultam da vigente lei que rege a matéria, vem produzindo efeitos na obrigação tributária principal, a de pagar tributo, prejudiciais aos interesses dos contribuintes no que se refere ao Imposto de Renda sobre ganho de capital na alienação da terra nua.

Conquanto seja imprescindível a edição desses atos normativos, no caso as suas disposições, e os efeitos que delas emanam, são inconciliáveis com o teor da lei que visam implementar.

Em breve retrospecção sobre a legislação aplicável à cobrança do Imposto Territorial Rural (ITR) no Brasil, lembre-se que até o exercício financeiro de 1993 esse imposto era cobrado com base no estabelecido nos arts. 47 a 50 do Estatuto da Terra (ET), Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964. Foi essa lei editada na vigência da Constituição de 1946, no mesmo mês em que a Emenda Constitucional nº 10, de 9 de novembro de 1964 (DOU 10.11.1964), modificou o artigo 5º da Constituição então vigente para introduzir na competência da União a de legislar sobre direito agrário, assim introduzindo esse novo ramo de direito público no nosso ordenamento jurídico.

A tributação do ITR com base no Estatuto da Terra foi revogada pela Medida Provisória nº 399, de 29 de dezembro de 1993, convertida na Lei nº 8.847, de 28 de janeiro de 1994, que vigorou até 31 de dezembro de 1996. Depois, passou esse imposto a ser declarado anualmente pelos contribuintes, e pago na modalidade de lançamento por homologação, na forma estabelecida pela vigente Lei nº 9.393/1996, que começou a produzir efeitos a partir de 1º de janeiro de 1997, como previsto em seu artigo 23.

A edição dessa vigente lei teve dois propósitos principais. O primeiro foi a de substituir a mal sucedida Lei nº 8.847/1994, que abarbou ainda mais a Justiça Federal com um imenso rol de ações. O segundo foi o de evitar a prática de, nas escrituras de venda de imóveis rurais, declarar por valor menor o preço efetivo da venda, com o que o vendedor deixava de pagar ou pagava menos Imposto de Renda e o comprador pagava menos Imposto sobre a Transmissão Onerosa.

O critério adotado pela Lei nº 9.393/1996 para prevenir a falta ou insuficiência no pagamento dos tributos foi deixar na incumbência do contribuinte a obrigação de anualmente declarar o valor que entenda ser o de mercado da terra nua de seu imóvel. Na declaração anual o contribuinte fica obrigado a prestar outras informações, inclusive sobre as explorações desenvolvidas, para possibilitar à autoridade conferir ou elaborar ou revisar de ofício o cálculo do imposto, que levará em consideração, além do declarado valor do imóvel, a conjugação do tamanho de sua área e seu grau de utilização.

Para evitar que o declarante não fique tentado a reduzir o valor do imóvel e consequentemente a tributação pelo ITR, a Lei nº 9.393/1996, além de prever a possibilidade de a autoridade fazendária impugnar os valores declarados (art. 14), no art. 18 prescreve que na execução de dívida ativa decorrente de crédito tributário do ITR a penhora ou arresto recaia de preferência sobre imóvel rural, se não recair sobre dinheiro. E o imóvel rural, nesses casos, será avaliado, quanto à terra nua, pelo valor declarado. E mais: a Fazenda Pública, ouvido o INCRA, poderá, pelo valor declarado, adjudicá-lo para fins fundiários, se a execução não for embargada ou se os embargos forem rejeitados.

Essa lei em comentário, depois de tratar, até o seu artigo 18, do Imposto Territorial Rural, no artigo 19 curou de matéria atinente ao Imposto de Renda devido como ganho de capital obtido na alienação de imóvel rural. Eis o teor desse artigo:

Art. 19. A partir do dia 1º de janeiro de 1997, para fins de apuração de ganho de capital, nos termos da legislação do imposto de renda, considera-se custo de aquisição e valor da venda do imóvel rural o VTN declarado, na forma do art. 8º, observado o disposto no art. 14, respectivamente, nos anos da ocorrência de sua aquisição e de sua alienação.
Parágrafo único. Na apuração de ganho de capital correspondente a imóvel rural adquirido anteriormente à data a que se refere este artigo, será considerado custo de aquisição o valor constante da escritura pública, observado o disposto no art. 17 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995.

Deflui da dicção desse artigo 19 que o contribuinte, declarando que o valor de mercado da terra nua de seu imóvel rural é de 100, esse será o valor de alienação, ainda que do instrumento do contrato conste ter sido alienado por menos do que o declarado. Mutatis mutandis, se vender por mais de 100, o que exceder não será tributado, como, aliás, reconhece a Receita na resposta à pergunta 610 de seu Manual de Perguntas e Respostas, no portal www.receita.fazenda.gov.br / perguntas e respostas / IRPF 2011 – Imposto sobre a Renda de Pessoa Física:

Pergunta:

VTN DO DIAT MENOR QUE VALOR DE VENDA DA TERRA NUA

610 – No caso de alienação em que o valor da terra nua (VTN) do Diat do ano da alienação for menor que o valor efetivo da venda da terra nua do imóvel rural, como deve ser declarada a diferença entre os valores?

Resposta:

O valor de alienação para apuração do ganho de capital é o constante no Diat do ano de alienação. Assim a diferença entre o valor de alienação e o declarado no Diat deve ser informado como rendimento isento e não tributável.

A necessidade da inserção desse artigo 19, sobre Imposto de Renda, em diploma que dispõe acerca do Imposto Territorial Rural resultou do fato de a Lei nº 8.023, de 12 de abril de 1990, que introduziu novo tratamento à tributação das atividades rurais pelo Imposto de Renda, haver modificado, para efeito dessa tributação, o conceito de imóvel, dado pelo Código Civil. Esse novo tratamento consiste em segregar o imóvel rural em duas partes, a terra nua, ou imóvel por natureza, assim entendidos o solo e a vegetação nativa que o recobre, e a outra parte o chamado imóvel por acessão humana, que são as construções e plantações (benfeitorias).

Essa segregação de certa forma ocorre também, mas sem os efeitos diferenciados provocados pela legislação federal, com relação aos imóveis urbanos, em que o IPTU incide sobre duas parcelas: o imóvel por natureza (solo) e o imóvel por acessão humana (construções).

Na tributação, pelo Imposto de Renda, incidente na alienação e na exploração dos imóveis rurais das pessoas físicas, o solo (terra nua) passou a ter tratamento diverso do previsto para a parte que constitui imóvel por acessão, que são as benfeitorias.

Os investimentos na terra (benfeitorias, ou melhoramentos, que são as construções e plantações) passaram a ser considerados despesas da atividade rural, e quando da alienação do imóvel a parte do preço correspondente a eles tributada como receita na apuração dos rendimentos dessa atividade. Os rendimentos tributáveis da atividade rural não podem ser superiores a vinte por cento (20%) da receita total dessa atividade, nos termos do art. 5º da Lei nº 8.023/1990, o que equivale a conceder direito de deduzir despesas, independentemente de haverem sido realizadas ou comprovadas, no montante de oitenta por cento da receita total.

Esse resultado tributável decorrente da exploração rural (renda) inclui-se entre os chamados rendimentos. Para o Imposto de Renda, rendimentos são uma das espécies de renda da pessoa física. Quanto ao valor que corresponde à terra nua, continuou sujeito a ser tributado como ganho de capital, outra espécie de renda, como já ocorria quando o Imposto de Renda dava às partes que constituem o imóvel rural a mesma conceituação que lhes dá o Código Civil.

Assim, a renda da pessoa física sujeita a tributação pelo Imposto de Renda pode ser em forma de rendimentos ou de ganho de capital. “Rendimentos” são a renda que se aufere normalmente pelo exercício de uma atividade, e “ganho de capital” é renda eventual, obtida na alienação de um bem do patrimônio fixo da pessoa física, ou seja, um bem destinado ao uso próprio, não destinado a venda, como são a casa de moradia, o veículo de transporte pessoal, a participação em sociedade empresária etc., conceito que se contrapõe ao de bem do capital de giro, como o gado do pecuarista. Esses dois tipos de renda – rendimentos e ganho de capital – têm fatos geradores distintos, cada um deles com suas características e efeitos próprios.

O recebimento de renda classificada como rendimentos acarreta a obrigação de pagar o imposto no ano seguinte, quando deve ser apresentada à Receita Federal a declaração de ajuste anual. Nessa declaração anual são somados todos os rendimentos percebidos no ano anterior (ano-base), efetuadas as deduções permitidas e, com base na soma dos rendimentos, calculado o imposto a pagar, por alíquota de escala progressiva, compensando-se retenções na fonte havidas durante o ano-base. A partir do primeiro dia do ano seguinte ao da declaração de ajuste começa a contagem do prazo de decadência para o poder público efetuar ou rever lançamento do imposto sobre a soma desses rendimentos.

Já o ganho de capital é renda que se realiza no próprio ano em que se der recebimento de valor que constituir a contrapartida da alienação do bem, e a obrigação de pagar o correspondente imposto ocorre no mês seguinte ao do recebimento. A contagem do prazo de decadência para constituição do crédito tributário começa no primeiro dia do ano seguinte a esse recebimento, na forma prevista no artigo 173 do CTN. Por outro lado, a alíquota do imposto no ganho de capital é fixa, de 15% sobre o ganho.

Da venda de imóvel rural ordinariamente resulta obrigação de pagar imposto de renda das duas espécies, sendo o ganho de capital calculado sobre eventual ganho de capital relativo à parte do preço de venda que diz respeito à terra nua, e os rendimentos sendo calculados sobre a parte do preço correspondente às benfeitorias.

O ilegal entendimento fazendário

Pois bem: estabeleceu a Lei nº 9.393/1996, em seu artigo 8º, dispositivo que consta da Seção V do Capítulo I, seção com o sugestivo nome “Da Declaração Anual”:

Capítulo I – DO IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE
TERRITORIAL RURAL – ITR
(….)
Seção V – Da Declaração Anual
Art. 8º O contribuinte do ITR entregará, obrigatoriamente, em cada ano, o Documento de Informação e Apuração do ITR – DIAT, correspondente a cada imóvel, observadas data e condições fixadas pela Secretaria da Receita Federal.
§ 1º O contribuinte declarará, no DIAT, o Valor da Terra Nua – VTN correspondente ao imóvel.
§ 2º O VTN refletirá o preço de mercado de terras, apurado em 1º de janeiro do ano a que se referir o DIAT, e será considerado auto-avaliação da terra nua a preço de mercado.
§ 3º O contribuinte cujo imóvel se enquadre nas hipóteses estabelecidas nos arts. 2º e 3º fica dispensado da apresentação do DIAT.

A Receita Federal, ao editar os atos normativos necessários a possibilitar o cumprimento, pelos contribuintes, das obrigações relacionadas com a disposição desseartigo 8º, incorreu em interpretação distorcida.

De fato, o órgão fazendário, ao expedir normas para que as pessoas físicas prestem as declarações necessárias a que a autoridade confira o cumprimento das obrigações tributárias relacionadas com o Imposto Territorial Rural e com o Imposto de Renda sobre ganho de capital na alienação de imóvel rural, com relação a este segundo imposto limitou a três meses os efeitos dessa declaração anual de que trata o art. 8º da Lei nº 9.393/1996, o que provoca prejuízo para os contribuintes e vantagens indevidas para o Fisco.

Com o perdão da tautologia, mas “declaração anual”, expressão que intitula a Seção V do Capítulo I da Lei, é a apresentada a cada ano, como, aliás, está dito no caput do artigo 8º, transcrito acima. E se é para ser, obrigatoriamente, também como afirma o dispositivo, apresentada a cada ano, cada uma das declarações tem de valer por um ano.

No entanto, a Instrução Normativa (IN) SRF nº 84, de 11 de junho de 2001 (DOU de 17.10.2001), do Sr. Secretário da Receita Federal, que “dispõe sobre a apuração e tributação de ganhos de capital nas alienações de bens e direitos por pessoas físicas”, em seus artigos 9º10 disciplinou as obrigações dos contribuintes relacionadas com os imóveis rurais da seguinte forma:

Imóvel rural

Art. 9º Na apuração do ganho de capital de imóvel rural é considerado custo de aquisição o valor relativo à terra nua.
§ 1º Considera-se valor da terra nua (VTN) o valor do imóvel rural, nele incluído o da respectiva mata nativa, não computados os custos das benfeitorias (construções, instalações e melhoramentos), das culturas permanentes e temporárias, das árvores e florestas plantadas e das pastagens cultivadas ou melhoradas.
§ 2º Os custos a que se refere o § 1º, quando não tiverem sido deduzidos como despesa de custeio, na apuração do resultado da atividade rural, podem ser computados para efeito de apuração de ganho de capital.
Art. 10. Tratando-se de imóvel rural adquirido a partir de 1997, considera-se custo de aquisição o valor da terra nua declarado pelo alienante, no Documento de Informação e Apuração do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (Diat) do ano da aquisição, observado o disposto nos arts. 8º e 14 da Lei nº 9.393, de 1996.
§ 1º No caso de o contribuinte adquirir:
I – e vender o imóvel rural antes da entrega do Diat, o ganho de capital é igual à diferença entre o valor de alienação e o custo de aquisição;
II – o imóvel rural antes da entrega do Diat e aliená-lo, no mesmo ano, após sua entrega, não ocorre ganho de capital, por se tratar de VTN de aquisição e de alienação de mesmo valor.
§ 2º Caso não tenha sido apresentado o Diat relativamente ao ano de aquisição ou de alienação, ou a ambos, considera-se como custo e como valor de alienação o valor constante nos respectivos documentos de aquisição e de alienação.
§ 3º O disposto no § 2º aplica-se também no caso de contribuinte sujeito à apresentação apenas do Documento de Informação e Atualização Cadastral (Diac).

No artigo 19, a IN nº 84/2001 volta a tratar de questões relacionadas com alienação de imóvel rural, mas as disposições dessa parte não oferecem interesse para o deslinde da questão aqui levantada.

Por essa Instrução Normativa SRF nº 84/2001, segundo o que consta de seu artigo 10, § 1º, incisos I e II, o contribuinte que em determinado ano, digamos, no ano que vem, antes da data de apresentação do DIAT, adquirir e vender imóvel rural, pagará Imposto de Renda calculado sobre a diferença entre os valores efetivos de venda e de custo do bem, com o que ficam relegadas as normas legais pertinentes. Já um outro contribuinte que também no ano que vem adquirir imóvel rural e o vender naquele mesmo ano, mas depois da apresentação do DIAT, nada pagará de Imposto de Renda.

É um tratamento ilegal e que afronta o princípio da isonomia, e, em matéria de tributação, desafia o preceito do inciso II do art. 150 da Constituição, que veda a instituição de tratamento desigual entre contribuintes que se encontram em situação equivalente.

Essa possibilidade de aplicar diferentes critérios tributários dentro do mesmo exercício financeiro, a fatos sob a égide da mesma lei e com relação a contribuintes que se encontram em situação equivalente, desatende à vedação do art. 150, inciso I, da Carta; não está prevista na Lei nº 9.393/1996, seja na redação dos acima transcritosartigos 8º19, seja em qualquer outra de suas disposições: foi instituída por meio de instruções normativas.

Mas são muitas as outras consequências possíveis, prejudiciais aos contribuintes, que lhes retiram tratamento assegurado pela aplicação literal ou lógica da Lei nº 9.393/1996. E esse tratamento iníquo tem a ver com a época, adotada pela Receita Federal, para apresentação do documento denominado DIAT, instituído pelo art. 8º da Lei nº 9.393/1996 como de apresentação anual.

As declarações dos contribuintes criam-lhes obrigações, mas lhes asseguram o direito de receber o tratamento previsto em lei. Por isso, se não impugnadas pela Administração enquanto não decaído esse seu direito, operam em favor do declarante os efeitos estabelecidos na lei. Exemplos sobre a vinculação dos contribuintes declarantes aos efeitos de suas declarações fiscais temos nas seguintes súmulas do E. Superior Tribunal de Justiça:

“A entrega de declaração pelo contribuinte, reconhecendo o débito fiscal, constitui o crédito tributário, dispensada qualquer providência por parte do Fisco” (Súmula 436 do STJ), e “O benefício da denúncia espontânea não se aplica aos tributos sujeitos a lançamento por homologação regularmente declarados, mas pagos a destempo” (Súmula 360 do STJ).

As chamadas declarações regulares, a que a Súmula STJ/360 faz referência, ou seja, as que devem ser prestadas a cada intervalo igual de tempo, valem pelo período a que se refere a obrigação de declarar. Pedindo desculpa pela obviedade da afirmação, que no entanto se faz necessária diante da orientação fazendária aqui questionada, as declarações mensais valem por um mês; as trimestrais, por três meses; as anuais, por um ano. E essas declarações produzem efeito pelo tempo que decorre entre a apresentação de uma e outra.

Sendo de um ano o prazo que medeia entre cada fato gerador do Imposto Territorial Rural, a obrigação de apresentar declaração relativa a esse imposto é anual; e sendo anual, tem, é claro, de valer por um ano. E o primeiro dia desse período anual é 1º de janeiro de cada ano, como está no artigo 1º da Lei nº 9.393/1996:

“O Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR, de apuração anual, tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, localizado fora da zona urbana do município, em 1º de janeiro de cada ano.”

Deveriam as instruções sobre apresentação do DIAT ser publicadas no ano anterior ao do exercício financeiro competente, para estarem à disposição dos contribuintes no primeiro dia do ano, quando ocorre o fato gerador da obrigação de pagar o imposto. E a época franqueada ao contribuinte para a apresentação desse documento teria que ser o início do ano do fato gerador, para que ele, a par de cumprir as obrigações que lhe são impostas, pudesse de forma plena gozar dos efeitos previstos nas pertinentes disposições legais.

Todavia, a IN-SRF nº 84/2001 foi editada já no pressuposto de que as instruções anuais sobre apresentação do DIAT seriam editadas não no final do ano anterior ao do exercício financeiro de competência, e também no pressuposto de que a apresentação do documento pelos contribuintes não seria feita no começo do ano do fato gerador, mas no seu decurso. Inferem-se esses pressupostos da leitura de seu já transcrito art. 10, § 1º, que cogita da venda do imóvel tanto antes como depois da apresentação do DIAT. E, de fato, todas as instruções normativas têm fixado a entrega do DIAT para ser feita no mês de setembro, sempre com o termo final do prazo assinalado para o dia 30 desse mês.

Essas instruções normativas sobre obrigação de apresentar o DIAT vêm sendo editadas desde 1997. São as seguintes as dos últimos quatro anos, 2008 a 2011, duas em cada ano, uma dispondo sobre a apresentação do documento e a outra aprovando, antes do período da apresentação, o programa de computador, todas nessa ordem: em 2008, nº 857, de 14 de julho de 2008, e nº 868, de 8 de agosto de 2008; em 2009, nº 959, de 23 de julho de 2009, e nº 961, de 7 de agosto de 2009; em 2010,nº 1.058, de 26 de julho de 2010, e nº 1.062, de 5 de agosto de 2010; em 2011,nº 1.166, de 18 de junho de 2011, e nº 1.180, de 17 de agosto de 2011, todas com termo final do prazo em 30 de setembro.

A apresentação do DIAT produz efeitos jurídicos sobre a relação tributária. Basta ver a diferença de tratamento, referida linhas acima, dado pelos incisos I e II do § 1º doart. 10 da Instrução Normativa nº 84/2001, para o período anterior e o posterior à apresentação desse documento. Por esse ato administrativo instrucional, e pelos demais que anualmente dele decorrem, o DIAT deve ser apresentado pelos contribuintes até o dia 30 de setembro de cada ano, e tem efeitos somente prospectivos, que cessam já em 31 de dezembro do ano de sua apresentação. Dado que por essas instruções normativas o DIAT a ser apresentado no ano seguinte também operará efeitos somente para a frente, em todos os anos fica um vácuo de nove dos doze meses, ou três quartas partes do tempo sem possibilidade de o artigo 19 da Lei nº 9.393/1996ser aplicado.

Cessarem os efeitos em 31 de dezembro, como estabelecem os atos normativos, significa que, qualquer que tenha sido o valor da terra nua declarado no DIAT em setembro, a partir do primeiro dia do ano posterior e até a data da apresentação do DIAT seguinte não mais valerão as normas legais para os que alienarem imóvel rural. Estes terão de calcular o ganho de capital sobre a diferença positiva entre o preço de venda da terra nua e seu custo de aquisição. Com isso, as instruções normativas terão revogado a lei sobre ganho de capital na alienação da terra nua do imóvel rural.

Os efeitos desses atos infralegais vêm sempre em desfavor dos contribuintes, que assim ficam com os ônus e riscos impostos pela Lei nº 9.393/1996, mas sem desfrutar de suas vantagens.

Embora a apresentação do DIAT seja efetuada no final do ano por força de determinação contida em ato da autoridade fazendária, até a data dessa apresentação o contribuinte é tido como se estivesse em situação irregular, como se tivesse deixado de apresentar a declaração no prazo estabelecido. Se, por exemplo, vender um imóvel rural nesse período anterior à apresentação do DIAT, para a operação não valem as normas da Lei nº 9.393/1996, ainda que em setembro do ano anterior tenha entregado o DIAT e este esteja dentro do prazo de validade de um ano, previsto na lei.

Para exemplificar, figura-se aqui a hipótese de contribuinte que possua imóvel cuja terra nua esteja registrada em sua declaração de bens pelo custo de 100, e que no último DIAT, de 30 de setembro, declarou o que entendia valer essa terra nua: 180. Seis meses depois, portanto, no ano seguinte ao da apresentação do DIAT, surgiu interessado oferecendo 250 pela terra nua, e o imóvel foi vendido. Pelos critérios da Lei, teríamos 80 de ganho de capital tributável e 70 de renda não tributável. Pelos critérios da Receita, 150 de renda tributável como ganho de capital.

De maneira que, pelas disposições da lei, ao apresentar o DIAT a cada ano o contribuinte assume todos os riscos advindos de sua declaração, em especial os que resultam do valor que atribuiu ao imóvel (art. 18), mas tem assegurado o gozo dos direitos que a mesma lei lhe confere.

Já pela orientação imprimida pelos atos normativos da Receita, embora fique com os riscos de sua declaração, não fica com direito ao tratamento tributário legalmente instituído, senão pelo exíguo prazo de três meses. Uma normalização administrativa ilegal e, para os contribuintes, injusta.

Cacildo Baptista Palhares Junior

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