O governo confirmou a reforma na remuneração da caderneta de poupança, que passará a ser atrelada ao valor da taxa básica de juros, a Selic. A nova regra só entrará em vigor, no entanto, a partir do momento em que a Selic cair para 8,5% ao ano, ou menos. Nesse momento, o juro fixo da caderneta será equivalente a 70% desse percentual.

“Quando o Banco Central resolver reduzir a taxa Selic para 8,5% ou abaixo de 8,5%, a remuneração passará a ser um percentual de 70% da Selic mais a TR (Taxa de Referência)”, declarou o ministro da Fazenda, Guido Mantega, em entrevista coletiva. A mudança será feita por meio de Medida Provisória, a ser publicada numa edição extra do Diário Oficial da União (DOU).

Hoje, a Selic está em 9% ao ano. Enquanto continuar nesse patamar, a remuneração da poupança permanecerá seguindo as regras que valeram até 3 de maio: remuneração por juros fixos de 0,5% ao mês (o que resulta em 6,17% ao ano), mais a variação da TR, hoje de 0,02%.

O novo cálculo de remuneração só valerá para os depósitos feitos a partir de amanhã, 4 de maio. Todas as aplicações existentes até o dia de hoje – 100 milhões de cadernetas ativas, com estoque de R$ 431 bilhões  – continuarão com as regras anteriores, estabelecidas em 1991.

De acordo com o ministro, a nova fórmula foi obtida a partir de um levantamento da relação entre a taxa Selic e a remuneração das cadernetas de poupança nos últimos 10 anos. Ele mostrou que a caderneta geralmente pagou menos de 65% da Selic, com exceção de 2010 – quando houve um pico de 70,5% da Selic.

Sem obstáculos à queda do juro

Mesmo insistindo que a caderneta “continua sendo a melhor opção de poupança para a população brasileira”, o ministro explicou que deixar a poupança indefinidamente como está hoje “inviabilizaria a continuidade da redução da taxa de juros no país”.

Mantega afirmou que, em um cenário de queda geral das taxas no Brasil e no mundo, as demais aplicações financeiras tendem a ficar menos rentáveis do que a poupança. Além de favorecer uma “invasão da caderneta pelos grandes investidores”, a manutenção das regras atuais da poupança obrigaria bancos e o próprio Tesouro Nacional a elevar os juros das aplicações financeiras que ofertam (os títulos públicos no caso do Tesouro) a fim de atrair investidores. “O Banco Central não conseguiria baixar os juros mesmo que quisesse, pois a economia praticaria taxas mais elevadas, criando um piso para a queda dos juros”, resumiu.  o ministro. “Estamos retirando esse obstáculo. O BC pode baixar a Selic ainda mais e haverá benefício para toda a sociedade e economia brasileira.”

Mesmo evitando fazer previsões sobre o rumo das taxas de juros – assunto de competência do BC -, o ministro admitiu que, pela evolução do cenário, com queda da inflação e o nível de produção industrial, é preciso “deixar o caminho livre” para o recuo da Selic

Direitos mantidos

Mantega frisou que não há nenhuma alteração no cálculo da Taxa de Referência. Outras características que não mudam na caderneta de poupança, sublinhou o ministro, são a isenção de Imposto de Renda e de taxa de administração bancária, a inexistência de limite mínimo de aplicação e a liquidez imediata.

“Não há rompimento de contratos,  usurpação de direitos e nem prejuízo para os  atuais detentores das cadernetas de poupança”, enfatizou o ministro. Ele recusou com veemência qualquer comparação com Zélia Cardoso de Mello, que era ministra da Economia no governo Collor e determinou o congelamento dos saldos das cadernetas em 1990. “Não vejo a menor semelhança. Garantimos direitos, regras e vantagens, essa é a diferença. Quem tem dinheiro na poupança pode fazer o que quiser.”

Como parte do Plano Collor, anunciado em 16 de março de 1990, o governo reteve os recursos aplicados na caderneta de poupança, liberando apenas 30 mil cruzeiros novos (a moeda da época). A medida tornou o governo impopular e antes do fim do ano, o governo editou uma correção no plano (o Plano Collor 2). A então ministra Zélia se tornou tão impopular que foi substituída, em 1991, pelo economista Marcílio Marques Moreira.

Desde então, o tema da caderneta de poupança se tornou o mais sensível da política econômica. Em 2009, diante de um quadro semelhante de política monetária (a Selic atingira 8,75% ao ano), o governo de Luiz Inácio Lula da Silva preparou medida de reforma, que incluía a taxação com Imposto de Renda (IR) das aplicações superiores a R$ 50 mil.

As críticas foram tão pesadas que o governo recuou na iniciativa. Ao mesmo tempo, o Banco Central (BC) reiniciou, em abril de 2010, o ciclo de elevação da Selic, “desobrigando” o governo de alterar as regras da poupança.

“Fácil operacionalização”

Mantega garantiu que os bancos não terão dificuldades para se adaptar à nova regra de remuneração da caderneta de poupança. Em entrevista coletiva na noite desta quinta-feira, Mantega explicou que como a mudança só valerá caso a taxa básica de juros, a Selic, chegue a patamar igual ou menor a 8,5%, os bancos terão tempo para se adaptar.

“Os bancos terão tempo para se adaptar a essa sistemática, porque nada acontece amanhã ou depois de amanhã. Nós temos uma reunião do Copom daqui a 30 dias e não sabemos o que vai acontecer”, disse o ministro, referindo-se à prerrogativa do Comitê de Política Monetária de definir o patamar da Selic.

Segundo Mantega, quando a nova regra for aplicada, será como se os bancos “desmembrassem a conta em duas”. “Uma terá a rentabilidade pautada de um jeito e outra, de outro jeito. (…) O banco terá que prestar contas ao aplicador dizendo o saldo na conta antiga e o saldo na conta nova”, declarou.

(Yvna Sousa, João Villaverde e Edna Simão | Brasília) – Valor Economico