Valor Econômico
Tributário: Inclusão de dívidas no programa e valores de parcelas levam contribuintes à Justiça
Bárbara Pombo e Laura Ignacio | De São Paulo
Quase dois anos depois de lançar o Refis da Crise, a Receita Federal ainda enfrenta problemas com o sistema adotado para a consolidação dos débitos. A solução para muitos contribuintes tem sido recorrer administrativamente e ao Judiciário, o que atrasa a recuperação da dívida ativa. O prazo para a consolidação – escolha do que entra no programa – das empresas de menor porte termina hoje. Até dia 27, dos 365,5 mil pedidos de parcelamento, apenas 160,9 mil foram finalizados, o que deverá resultar na arrecadação de R$ 23 bilhões. Na fase anterior, que incluiu os maiores contribuintes, 41% das 341 mil propostas não foram confirmadas.
A baixa consolidação pode ser explicada pela dificuldade dos contribuintes em ter seus débitos aceitos pelo sistema eletrônico do Refis. Quando isso ocorre, o contribuinte entra com um pedido de revisão do parcelamento na Receita Federal. Enquanto esperam a resposta do Fisco, há empresas que continuam a pagar as parcelas mínimas mensais, de R$ 100, de acordo com um procurador da Fazenda Nacional, que não quis ser identificado. Segundo ele, em novembro haverá empresas de grande porte que pagam a parcela mínima há dois anos. “Esse é o programa de parcelamento mais problemático de toda a história. Perdemos bilhões em arrecadação com isso”, afirma.
Segundo a Receita, empresas que não conseguiram incluir débitos no Refis podem continuar a pagar a parcela mínima. Já as empresas que fizeram a consolidação, mas aguardam o posicionamento da Receita quanto a pedidos de revisão devem pagar o valor negociado. Um novo sistema para incluir ou excluir débitos está sendo desenvolvido, de acordo com João Paulo Martins da Silva, coordenador de arrecadação e cobrança da Receita Federal. “Somente com este sistema os pedidos de revisão poderão ser apurados”, diz Silva.
O chefe da divisão de arrecadação e cobrança da 8ª Região Fiscal (São Paulo), Ésio Marcos de Souza, atribui a responsabilidade do desenvolvimento do sistema aos prestadores de serviço de tecnologia. Para Souza, boa parte dos contribuintes entram em parcelamentos para conseguir a CND, mas não finalizam o processo de negociação. “Por isso, o baixo índice de consolidação.”
Muitos advogados têm comparecido aos postos da Receita para conseguir a CND dos clientes que tiveram problemas na consolidação. Sem ter resposta dos 30 pedidos de revisão protocolados desde março, o advogado Omar Augusto Leite, do Leite Melo & Camargo Consultoria Tributária, foi pessoalmente ao posto fiscal. Com o pedido de adesão ao Refis e de revisão em mãos, ele conseguiu liberar a certidão para uma empresa tocar seus negócios. O advogado Rodrigo Massud, do Choaib, Paiva e Justo Advogados, já apresentou 12 pedidos, ainda sem resposta. “O Fisco diz aguardar o fim da fase de consolidação para avaliar as demandas”, afirma.
A advogada Valdirene Lopes Franhani, do Braga & Marafon Consultores e Advogados, cogita a possibilidade de ir ao Judiciário, caso os 15 pedidos protocolados não sejam respondidos em até dois meses. “Vou ajuizar mandados de segurança para pedir agilidade na resposta da Receita porque a empresa não pode esperar”, diz. Segundo ela, as companhias querem tirar o débito do seu balanço para fazer o melhor planejamento tributário possível.
Neste mês, o juiz federal Alexandre Sormani, da 1ª Vara da Justiça Federal em Marília, no interior de São Paulo, determinou que a Receita Federal responda em 120 dias a todos os pedidos de restituição e compensação. A liminar prevê a análise dos processos iniciados há mais de 360 dias até 27 de junho. “O que não me parece razoável é (…) admitir como natural a inexistência de ferramenta gerencial para fornecer a quantidade exata de procedimentos pendentes de análise”, afirma.
A ação civil pública foi ajuizada pelo Ministério Público Federal em Marília, mas vale para todo o Estado de São Paulo. De acordo com o procurador da República Jefferson Aparecido Dias, há casos em análise há mais de seis anos, enquanto a Lei nº 11.457, de 2007, determina que os pedidos administrativos devem ser atendidos em até 360 dias. Atualmente, há 11.173 pedidos sem resposta há mais de um ano em Marília.
No processo, a União argumenta que a demora na análise não traria prejuízos aos contribuintes porque os valores a serem restituídos são corrigidos pela taxa Selic. No entanto, Dias argumenta que a situação gera custos ao erário público porque, insatisfeitos, os cidadãos acionam a Justiça para pressionar a Receita a dar respostas rápidas. “A falta de investimento na estrutura é um desrespeito”, critica.
Frente à demora da Receita em revisar a consolidação do Refis, uma empresa paulista do setor de tecnologia conseguiu sentença favorável para usar prejuízos fiscais no programa de parcelamento. A empresa queria usar tais prejuízos para quitar sua dívida principal, além da multa e juros. “A medida trouxe segurança jurídica para meu cliente”, afirma o advogado responsável pelo processo, Marcelo Annunziata, do Demarest & Almeida.
STJ fixa prazo para análise de recursos
No julgamento de um recurso repetitivo, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou um prazo para a conclusão de processo administrativo fiscal. A 1ª Seção determinou à Receita Federal a análise desses recursos em, no máximo, 360 dias, a contar da data do protocolo dos pedidos. Os ministros aplicaram a Lei nº 11.457, de 2007, que estabeleceu esse prazo, mesmo para processos apresentados antes da lei.
O caso, julgado em outubro de 2009, envolvia a Delmaq Máquinas e Acessórios. A empresa recorreu à Justiça para acelerar a análise de um processo administrativo relativo à repetição de indébito com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), protocolado em 2007.
Mesmo antes dessa lei, as empresas já vinham tentando na Justiça estabelecer um prazo máximo para o julgamento desses recursos administrativos. Para isso, advogados utilizavam a Lei nº 9.784, de 1999, que dá um prazo máximo de 30 dias – prorrogáveis pelo mesmo período. Mas essa possibilidade foi derrubada pela 1ª Seção.
O relator do processo, ministro Luiz Fux – hoje no Supremo Tribunal Federal (STF) -, seguido pelos demais, entendeu que a norma de 1999 não pode ser aplicada aos recursos administrativos fiscais, pois trata dos recursos administrativos em geral. Por isso, segundo ele, a Lei nº 11.457 deveria retroagir a todos os casos. “O processo administrativo tributário encontra-se regulado pelo Decreto nº 70.235/72 – Lei do Processo Administrativo Fiscal -, o que afasta a aplicação da Lei nº 9.784, ainda que ausente, na lei específica, mandamento legal relativo à fixação de prazo razoável para a análise e decisão das petições, defesas e recursos administrativos do contribuinte”, disse o ministro.
Fonte: Fenacon