Pagar menos imposto é um direito do contribuinte. Planejar-se para isso, desde que dentro da lei, portanto, é completamente legítimo. Foi o que decidiu o conselheiro Carlos Eduardo Almeida Guerreiro, do Conselho de Administração de Recursos Fiscais, o Carf, no voto que definiu que a compensação tributária do ágio da reestruturação societária da Gerdau é legal.
Foi o voto vencedor. Discordou da relatora, conselheira Edeli Pereira Bessa, e abriu a divergência ao argumentar que a economia tributária não deve ser obrigatoriamente fruto do acaso. Agir deliberadamente para pagar menos impostos é tão permitido quanto qualquer atitude negocial legal.
Guerreiro parte de um princípio muito simples: “A previsibilidade da tributação é um dos seus aspectos fundamentais”. O contribuinte precisa saber de antemão o que terá de pagar, e não cabe ao Estado decidir, a cada caso, o que é permitido ou não. Exatamente por isso é que é legal se planejar para evitar tais impostos. “Estranho seria supor que as pessoas só pudessem buscar economia tributária licita se agissem de modo casual, ou que o efeito tributário fosse acidental”.
Preâmbulo
Em voto didático, Carlos Guerreiro prefere, antes de começar a argumentar, definir os conceitos que vai tratar já na ementa. Ágio, segundo ele, “é a diferença entre o custo de aquisição do investimento e o valor patrimonial das ações adquiridas”.
Ágio interno, que é a questão discutida no caso da Gerdau, merece consideração um pouco mais elaborada. “A circunstância da operação ser praticada por empresas do mesmo grupo econômico não descaracteriza o ágio, cujos efeitos fiscais decorrem da legislação fiscal. A distinção entre ágio surgido em operação entre empresas do grupo (denominado de ágio interno) e aquele surgido em operações entre empresas sem vinculo, não é relevante para fins fiscais.”
E arremata, mais uma vez, de maneira clara e objetiva. “Para fins fiscais, o ágio decorrente de operações com empresas do mesmo grupo não difere em nada do ágio que surge entre empresas sem vínculo”. Se o ágio calculado nas aquisições entre empresas de diferentes controladores pode amortizado do Imposto de Renda e da CSLL, não há motivo para o ágio advindo das compras entre empresas de mesmo controlados não o ser.
Sem base
O Carf é composto por conselheiros representantes do contribuinte e da Receita Federal. Guerreiro representa o fisco. Nem por isso defende sua instituição original. “Não há base no sistema jurídico brasileiro para o fisco afastar a incidência legal, sob a alegação de entender estar havendo abuso de direito”, afirma.
Aproveita para definir “elisão fiscal” e diferenciá-la de “sonegação fiscal”: “Em direto tributário não existe o menor problema em a pessoa agir para reduzir sua carga tributária, desde que atue por meios lícitos (elisão). A grande infração em tributação é agir intencionalmente para esconder do credor os fatos tributáveis (sonegação)”.
Tanto faz
Comparado ao voto vencido, da conselheira Edeli Bessa, de 27 páginas, Guerreiro é conciso. Consegue explicar o caso e criticar a posição da Receita em oito páginas.
No caso da Gerdau, a operação se deu dentro do que Guerreiro chamou de Grupo Gerdau. São três empresas, que foram denominadas A, B e C, todas sob o chapéu do grupo. A controlava B e comprou o controle de C com ações de B. Nessa operação, as ações de B foram recebidas por C com certa valorização patrimonial. Sendo assim, A registrou ganho de capital, ao passo que C apurou ágio. O Grupo Gerdau pretende descontar esse ágio do Imposto de Renda de da Contribuição Social sobre Lucro Líquido.
A Receita afirma que não se pode contabilizar o ágio numa operação interna. Como não houve transferência de ativos entre duas empresas, diz o fisco, a operação não pode ser considerada uma aquisição. “À luz da teoria da contabilidade é inadmissível o surgimento de ágio em uma operação realizada dentro de um mesmo grupo econômico”, afirma a Receita, citando Jorge Vieira da Costa Júnior e Eliseu Martins.
Guerreiro traça mais uma crítica. Afirma que a Receita citou, da obra dos autores, somente a parte que as interessava. A mesma obra afirma que, mesmo em caso de operações dentro do mesmo grupo, para fins fiscais (e não contábeis), é possível apurar ágio e ele pode ser amortizado. “Portanto, percebe-se que as afirmações feitas pelos fiscais deturpam a posição dos autores que transcrevem”, escreveu o conselheiro.
O livro citado pelo fisco para basear seus argumentos, aliás, se chama A incorporação reversa com ágio gerado internamente: consequências da elisão fiscal sobre a contabilidade, como bem reparou Carlos Eduardo Guerreiro. Ele também repara que já no título os autores admitem os efeitos tributários do ágio interno, quando falam em elisão. E diferenciam efeitos fiscais de efeitos contábeis.
Conclui que, para efeitos fiscais, não há diferença se a compra foi feita por meio de uma compra ou troca de ações. “Tanto faz que a aquisição decorra de uma compra, ou decorra da aceitação que a subscrição seja feita por entrega de quotas/ações, recebidas por valor acima do valor patrimonial. A aquisição é gênero, do qual a compra ou a troca, por exemplo, são espécies.”
Clique aqui para ler o acórdão. A ementa vai até a página 3. Da página 3 à 32 está o relatório do caso, com os detalhamentos das operações. Da 33 à 60 está o voto vencido, da relatora. Dali em diante, o voto vencedor.
Pedro Canário é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico
Fonte: tributario.net