Os advogados de uma multinacional especializada em software, que há 15 anos travam uma discussão judicial contra uma empresa de informática, foram recentemente condenados pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) a pagar multa por recorrerem sem fundamento e agir com deslealdade com o Poder Judiciário. O valor estabelecido pelos desembargadores foi de R$ 700 mil – o equivalente a 10% do valor da ação -, que deve ser pago solidariamente pelos profissionais e pela companhia.

Acusados de apresentarem recursos desnecessários para protelar o resultado das decisões – litigância de má-fé -, os advogados viraram alvo de juízes de primeira e segunda instâncias. Os magistrados também têm condenado e multado profissionais que apresentam ações com acusações temerárias, que não se comprovam no Judiciário. Essas decisões, no entanto, têm sido reformadas nos tribunais superiores (veja ao lado).

No caso analisado pela 19ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP, o desembargador entendeu que a empresa, ao entrar com um agravo de instrumento contra decisão de primeira instância, teria recorrido apenas com o intuito de “tumultuar o processo e procrastinar a satisfação dos créditos”. E que, por isso, a sanção não poderia ser aplicada exclusivamente à companhia. Para o magistrado, “o advogado não deve lealdade apenas ao seu cliente, mas também ao Poder Judiciário, devendo harmonizar os dois interesses, ou seja, o de seu cliente e o da dignidade da Justiça”. Assim, afirmou que o recurso teria sido destituído de fundamento, o que violaria o artigo 14 do Código de Processo Civil (CPC).

Um outro advogado que defende uma enfermeira em um processo trabalhista no Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 16ª Região (Maranhão) foi condenado a pagar 1% sobre o valor da causa, fixado em R$ 73,9 mil. Segundo o juiz, a enfermeira, assistida pelo mesmo advogado, repetiu a mesma reclamação trabalhista contra o município de Imperatriz (MA), onde era funcionária, três meses depois do julgamento de ação com igual teor ajuizada em 2009.

 Profissionais também têm sido condenados pelo conteúdo das acusações. A 3ª Vara do Trabalho de Campo Grande (MS) multou recentemente um advogado que defendia um motorista. Ele alegava na ação ter sofrido assédio sexual por parte de uma senhora de 75 anos e pedia indenização de R$ 137 mil. O juiz, no entanto, entendeu que não foram apresentadas provas para as acusações. “O que pude perceber durante a instrução do processo é que o reclamante, com todas as vênias, não passa de um oportunista”, afirmou o juiz. Para ele, o trabalhador “não agiu sozinho, mas com o auxílio e em conluio com seu advogado”. Por isso, condenou os dois ao pagamento solidário de multa de 1% sobre o valor da causa, revertido em benefício da idosa.

 O advogado de ex-funcionários de uma empresa do segmento de produção de adesivos também foi multado pelo dobro do valor que pedia em processo no Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 1ª Região (Rio de Janeiro). O caso já transitou em julgado – quando não cabe mais recurso – e agora está na fase execução. O profissional pedia equiparação salarial para empregados que não exerciam a mesma função e, em uma de suas ações, pediu o reembolso de despesas com combustível para uma empregada de call center da empresa que sequer tinha automóvel.

 Essas punições aos profissionais, contudo, dividem opiniões. Para a advogada da empresa de adesivos, Juliana Bracks, do Latgé, Mathias, Bracks & Advogados Associados, os profissionais responsáveis por ações temerárias, que mentem em juízo, devem responder judicialmente e ser condenados por litigância de má-fé. “Um processo na OAB nem sempre é suficiente para inibir as condutas. Além de ser pedagógica, a condenação por responsabilidade civil faz o advogado sentir no bolso e também serve para ressarcir a parte lesada”, diz.

 Se mantidas, essas condenações podem diminuir o uso de uma série infindável de recursos para protelar uma causa, avalia o advogado Luiz Carlos Ranieri, do Lyra Ranieri Advogados Associados, que defende a empresa de informática. “O que deve contribuir para reduzir a morosidade da Justiça e ampliar o grau de responsabilidade dos advogados”, afirma.

 Já Igor Mauler Santiago, sócio do Sacha Calmon Misabel Derzi Consultores e Advogados, discorda dessa posição. Segundo ele, os juízes, constantemente cobrados por agilidade e produção, com divulgação, inclusive, de estatísticas por parte do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), têm exagerado nessas punições. Ele mesmo já foi multado em instâncias inferiores. As condenações, no entanto, foram revertidas no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

 Em um dos casos, Santiago foi multado por apresentar um agravo regimental em um Tribunal de Justiça para que uma turma analisasse uma decisão de um desembargador. “A condenação foi injusta. Nossa tese era boa e o recurso era necessário para que, depois que a turma analisasse o assunto, pudéssemos levar o caso para o STJ e Supremo.”

 Para Santiago, o parágrafo único do artigo 14 do Código de Processo Civil estabelece que os profissionais estão sujeitos a processos disciplinares na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e não poderiam ser condenados judicialmente. O presidente da entidade, Ophir Cavalcante, também defende que apenas a entidade pode punir os advogados. “Isso já está no Código de Processo Civil e deve ficar ainda mais claro no novo código”, diz.

 Apesar dessas decisões, o juiz do trabalho Rogério Neiva Pinheiro, que atua em Brasília, afirma que a jusrisprudência nos tribunais superiores é favorável aos advogados. Assim, as multas por litigância de má-fé são direcionadas apenas à autora da ação e a OAB é informada sobre a conduta do profissional. “Essas multas tornariam a advocacia uma atividade de risco”, afirma o magistrado.

 Discussão exige ação própria

De São Paulo

05/04/2011Text Resize

Texto:-A A CompartilharImprimirEnviar por e-mail As condenações de advogados por litigância de má-fé têm sido canceladas pelo tribunais superiores. Muitas decisões, contudo, afastam a multa pelo fato de não ter se ajuizado uma ação própria para discutir a questão.

 O Tribunal Superior do Trabalho (TST) excluiu neste mês a multa e a indenização aplicadas a um advogado pela vara do trabalho de Vitória. Ele havia sido condenado na defesa de um funcionário que teria adquirido lesão por esforço repetitivo (LER) nas atividades que exercia em uma empresa. Como o laudo não comprovou a doença ocupacional, o juiz de primeira instância e os desembargadores do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) condenaram o profissional. Segundo a decisão, “o autor e seu procurador tentaram, durante todo o curso do processo, tumultuar o feito”, além de “faltar com a verdade” nos depoimentos. O profissional, solidariamente com o empregado, foi condenado a uma multa de 1% e indenização de 10% sobre o valor da causa.

 A decisão, porém, foi revertida no TST. Segundo o relator, ministro Pedro Paulo Manus, o entendimento do TRT capixaba afrontou o artigo 32, parágrafo único, da Lei nº 8.906, de 1994. A norma dispõe que, em caso de lide temerária, “o advogado será solidariamente responsável com seu cliente, desde que coligado com este para lesar a parte contrária, o que será apurado em ação própria”. Portanto, segundo o ministro, na mesma ação em que a parte discute seus direitos trabalhistas, não é possível condenar o profissional. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) também tem decisões semelhantes.

 O Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que não cabe multa aos advogados nesses casos. Os ministros analisaram o tema em uma ação direta de inconstitucionalidade, em 2003. A Adin contestava o parágrafo único do artigo 14 do Código de Processo Civil (CPC), que exclui multa pessoal a advogados por litigância de má-fé. O STF entendeu que o dispositivo seria constitucional.

 Adriana Aguiar – De São Paulo  – VALOR ECONÔMICO – LEGISLAÇÃO & TRIBUTOS