Em uma decisão inédita, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a desconstituição da personalidade jurídica de uma empresa não está sujeita às regras da prescrição ou da decadência. Isso significa que as partes de um processo podem pedir, a qualquer tempo, a aplicação desse mecanismo – pelo qual os sócios passam a responder com seu próprio patrimônio pelas obrigações de uma empresa, quando há ocorrência de fraude na administração.

 A decisão foi tomada na análise de um recurso de ex-dirigentes da Transportes Mosa, antiga operadora de transporte municipal do Rio de Janeiro. Com a falência decretada em 2003, a empresa deixou de pagar uma dívida de pelo menos R$ 1,8 milhão a trabalhadores e vítimas de acidentes de trânsito. A desconstituição da personalidade jurídica foi decretada em 2007, para que os antigos proprietários arcassem com esses débitos. Isso porque, no curso do processo judicial, foram apontadas fraudes durante a falência da empresa.

 Segundo o advogado Leonardo Amarante, que defende os ex-empregados da Mosa, os sócios teriam usado artifícios para transferir todos os ativos da transportadora falida para uma nova empresa, da qual se tornaram proprietários – deixando com isso de pagar os débitos da companhia falida.

 Os antigos sócios entraram com um recurso questionando a decisão que autorizou a desconstituição da personalidade jurídica. A defesa apresentou uma tese que os ministros consideraram inovadora: a de que a desconstituição da personalidade jurídica estaria sujeita a um prazo de decadência de quatro anos – pois o artigo 178, inciso 2, do Código Civil define que esse é o prazo para anular negócios jurídicos. A defesa lembrou que a responsabilização dos sócios foi determinada no processo tendo como base a alegação de fraudes cometidas de julho de 1999 a abril de 2000. Como a desconstituição da personalidade jurídica foi determinada em 2007, o prazo de decadência teria sido desrespeitado, como argumentou a defesa.

 Mas a tese foi rejeitada no julgamento de ontem. A 4ª Turma entendeu que a desconstituição da personalidade jurídica não está sujeita à prescrição e à decadência. Os ministros não entraram na discussão das fraudes – questão já resolvida em primeira e segunda instâncias. O relator do caso foi o ministro Luís Felipe Salomão. O advogado dos credores diz que a decisão é importante por garantir os direitos dos trabalhadores. “Se você estabelece um prazo para a desconstituição da personalidade jurídica, você inviabiliza esse instituto”, afirma Amarante. O advogado da defesa, Gustavo da Rocha Schmidt, do escritório Bumachar Advogados, diz que analisará a possibilidade de recurso.

 Os ministros chegaram a debater se o entendimento firmado não acarretaria insegurança jurídica. “Como a desconsideração da personalidade jurídica pode até retroagir para anular atos praticados, a ausência de prescrição cria insegurança para trabalhar, por exemplo, com sócios de empresas falidas”, diz o advogado Júlio Mandel. Durante o julgamento, sem se referir ao caso específico, o ministro Salomão criticou o uso excessivo da desconstituição da personalidade jurídica no Brasil. “A Justiça brasileira é movida a moda, e a moda agora é a desconstituição da personalidade jurídica”, afirmou. “Vamos ter que chegar a uma situação de equilíbrio.”

 Maíra Magro – De Brasília- VALOR ECONÔMICO – LEGISLAÇÃO & TRIBUTOS