Um ex-alto executivo de uma empresa especializada em tecnologia de enzimas para indústrias farmacêuticas e de alimentos foi proibido, por tutela antecipada – espécie de liminar – concedida pela Justiça paulista, de atuar como sócio de uma concorrente alemã. Ele havia assinado cláusulas de não concorrência e confidenciabilidade com a indústria brasileira na qual trabalhou por oito anos. Ao sair, em maio de 2010, comprometeu-se a ficar um ano sem trabalhar para empresas do mesmo ramo no Brasil e guardar sigilo sobre as informações da fabricante, sob pena de multa diária de um salário mínimo. No entanto, em setembro do mesmo ano virou sócio da concorrente alemã.

Cláusulas como essas têm sido cada vez mais utilizadas nos contratos para proteger segredos empresariais. Apesar de não estarem previstas em lei brasileira, elas têm sido aceitas no Judiciário, desde que estejam dentro de limites que não restrinjam a liberdade de trabalho do empregado. No entanto, a medida judicial adotada contra o executivo, para retirá-lo imediatamente da sociedade, ainda é pouco utilizada para casos como esse e tem sido aplicada apenas na Justiça comum.

Na decisão contra o executivo, a juíza Anna Paula Dias da Costa, da 2ª Vara Cível Regional de Santo Amaro, em São Paulo, entendeu que o pedido da empresa brasileira para que o ex-funcionário fosse afastado estaria amparado no Código de Processo Civil (CPC), já que a permanência do acusado na nova sociedade poderia causar prejuízos de difícil reparação. Da decisão, porém, ainda cabe recurso.

O fato de a juíza conceder o afastamento imediato do sócio deixou a empresa mais protegida, segundo o advogado da companhia brasileira, Clóvis de Gouvêa Franco, do Gouvêa Franco Advogados. “Se a empresa tivesse que aguardar a decisão de mérito para afastar o sócio, o que pode demorar anos, as informações sigilosas já poderiam ter sido repassadas para a concorrência”, afirma.

Apesar de o acusado ter mantido uma relação trabalhista, o advogado optou por entrar com um processo na Justiça comum. Isso porque, segundo Franco, a ação discute apenas aspectos contratuais e não a relação de trabalho já finalizada. Para ele “a Justiça comum tem sido mais rigorosa na análise dessas cláusulas”.

Como argumento para obter a liminar que afastou o sócio, Franco citou precedente do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). No caso, um signatário de um contrato de franquia estava sendo acusado de formar sociedades paralelas no mesmo segmento, o que violaria a cláusula de não concorrência firmada entre as partes. A cláusula estipulava o prazo de dois anos após o término do contrato para que se pudesse atuar no mesmo setor. Assim, a 22ª Câmara de Direito Privado vedou a atuação do signatário do contrato em outras sociedades do ramo.

A Justiça Trabalhista, apesar de admitir o uso dessas cláusulas, não tem concedido liminares nesses casos, postergando a análise do mérito. Os advogados trabalhistas Marcel Cordeiro, do Salusse Marangoni Advogados e Túlio Massoni, do Amauri Mascaro Nascimento Advocacia Consultiva, desconhecem decisões similares da Justiça do Trabalho.

Sem o afastamento do empregado, normalmente o embate é solucionado com indenização por perdas e danos à empresa comprovadamente prejudicada, segundo Massoni. Essas discussões que envolvem contratos de trabalho, no entanto, só poderiam ser travadas na própria Justiça Trabalhista, segundo os advogados. “Há o risco de a Justiça comum entender que essa ação não seria de sua competência”, diz Cordeiro.

Sem norma que delimite o uso dessas cláusulas no Brasil, a Justiça tem se baseado no princípios da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e em leis portuguesa e espanhola para estabelecer limites aceitáveis. Em Portugal, elas só podem valer por dois anos e só pode ser estendida a três anos para cargos de confiança. Na Espanha, exige-se que tenha efetivo interesse comercial a ser protegido. Lá, elas podem valer pelo prazo de dois anos para técnicos e de seis meses para trabalhadores em geral, desde que fixadas compensações econômicas.

Diante desses parâmetros, a Justiça brasileira tem aceitado essas cláusulas de não concorrência, desde que sejam restritas a uma área geográfica específica, tenham um prazo de validade máximo de dois anos e estabeleçam um valor proporcional de multa, caso isso seja descumprido, segundo advogados.

Nos contratos, após o término do trabalho, a empresa deve indenizar razoavelmente o empregado até que o prazo seja vencido. Isso porque ele está impedido de trabalhar na concorrência. Se não houver remuneração prevista, a Justiça tem considerado a cláusula nula e condenado a empresa a indenizar. Foi o que ocorreu em um caso julgado no ano passado no Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 2ª Região, em São Paulo. O ex-funcionário de uma companhia de telecomunicações, ao sair da empresa, entrou com pedido de indenização, já que em seu contrato estava previsto que ele não poderia trabalhar na concorrência por dois anos. No entanto, ele foi remunerado.

Para os desembargadores da 4ª Turma, “a referida pactuação não pode ser prejudicial a ponto de alijar o trabalhador do seu direito ao livre exercício de trabalho”. Assim, entenderam que houve abuso em estipular o prazo de dois anos por parte da empresa, já que o ramo de atuação, no caso as telecomunicações, “é marcado pelo constante avanço tecnológico”. Diante disso, estipularam indenização equivalente a seis vezes o valor da última remuneração recebida pelo empregado que, então, ficou liberado para voltar a atuar no setor.

Valor Economico

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