Depois de anos na posição de estrela da companhia, operação local torna-se vilã
O ano de 2010 foi marcado por extremos para a fabricante de cosméticos Avon no Brasil. Em janeiro, a presidente mundial e uma das mulheres mais poderosas do mundo, a canadense Andrea Jung, comemorava o desempenho da empresa no mercado brasileiro, que havia recém-ultrapassado o americano e se tornado a principal fonte de receita da companhia. A expansão local aconteceu em um momento especialmente delicado, quando a crise financeira global ceifou as vendas na matriz. Os números do fim de 2010, por sua vez, foram apresentados com bem menos euforia. Em conferência com analistas na semana passada, Andrea classificou-os de “decepcionantes”. E, desta vez, o Brasil ficou com o papel de vilão.
Na primeira metade do ano, a operação local cresceu 13%, o que, somado e subtraído dos resultados de outras regiões, resultou em uma expansão de 7% para a companhia como um todo. Já no segundo semestre, a Avon Brasil cresceu apenas 4%, contribuindo fortemente para a redução de ritmo da empresa, que fechou a segunda metade do ano com 3% de expansão global. Segundo os dados apresentados pela Avon, fazia tempo que o Brasil crescia tão pouco. A companhia registrou 24 trimestres de expansão de dois dígitos no País desde 2004 – um movimento interrompido nos seis últimos meses do ano passado.
O que motivou a freada abrupta da subsidiária que, até então, se destacava como principal motor da companhia? Nas palavras de Andrea: “A desaceleração foi causada por interrupções de serviço. O crescimento da Avon Brasil, entre 2007 e 2010, ultrapassou nossas expectativas e nossos planos de infraestrutura.”
Na teleconferência com analistas, a executiva explicou que a gota d” água foi a adoção da nota fiscal eletrônica, que se tornou obrigatória no ano passado e exacerbou os problemas do sistema de processamento de pedidos das revendedoras. “A instabilidade do sistema levou a atrasos no serviço para nossas revendedoras e à falta de produtos, que alcançou um nível três vezes maior que o normal. Perdemos vendas por pedidos não entregues. Perdemos demanda ao passo que nossas revendedoras ficaram insatisfeitas. Elas ainda faziam pedidos, mas em menor quantidade à medida que começaram a receber menos do que haviam encomendado em campanhas anteriores”, disse.
Procurada, a Avon não deu entrevista e não explicou qual foi, especificamente, o gargalo. O Estado conversou com revendedoras e executivas (como são chamadas as representantes com a função de orientar grupos de revendedoras) e os depoimentos são semelhantes. Diante dos atrasos para receber as caixas com os produtos que haviam encomendado, elas recebiam como principal justificativa “problemas de operação com a nota fiscal eletrônica”. “A gerente da Avon chegou a vir na minha casa e visitar as casas de revendedoras que tiveram problemas para explicar a questão da nota e dizer que o serviço seria normalizado”, diz uma executiva do interior de São Paulo que pediu para não ser identificada.
Segundo Roberto Dias Duarte, diretor da Escola de Negócios Contábeis (ENC), em São Paulo, a adoção da nota fiscal eletrônica tem exigido uma série de adaptações das empresas, o que aumenta a complexidade de suas operações. “O sistema tem de passar por uma adequação. Antes de emitir a nota, a empresa encaminha seu pedidos à Secretaria da Fazenda do Estado, que valida, ou não, a nota em segundos. Muitas vezes é preciso corrigir campos preenchidos incorretamente. Se o produto com a nota rejeitada estiver no caminhão, por exemplo, terá que ser retirado”, disse. As empresas, no entanto, tiveram tempo para se adaptar. A mudança começou a ser anunciada pelo governo em 2007.
Independentemente de qual tenha sido, exatamente, o problema da Avon com o novo modelo, o fato é que sua principal concorrente, a Natura, deve sair beneficiada. Em seu último relatório, a analista Daniela Bretthauer, do banco Raymond James, aumentou em 15% a previsão de lucro por ação da brasileira para o quarto trimestre de 2010 (os resultados serão divulgados no próximo dia 23) e citou: “A execução da Natura continua forte, suas vendas no principal mercado cresceram oito vezes mais rápido que as da Avon.”
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