Não é de hoje que o crescente desenvolvimento da tecnologia tem causado grandes incertezas aos operadores do direito, tendo em vista a altíssima velocidade da evolução tecnológica em comparação com a morosidade do Legislativo. No direito tributário, esse quadro se agrava, tendo em vista a rigidez de nossa Constituição ao tratar da matéria, as antigas concepções ainda aplicadas e a voracidade do Fisco em arrecadar.

Nesse contexto se encontram as operações relacionadas ao “cloud computing”, uma realidade da qual todos os usuários da internet fazem parte, embora a maioria não se dê conta.

Em síntese, a “computação em nuvem” consiste na oferta de serviços, em ambiente de internet, que envolvem processamento de dados, utilização de softwares, armazenamento de dados e outros, que não requerem conhecimento, do consumidor, quanto à localização física e configuração do sistema que presta os serviços. O usuário contrata a utilidade, muitas vezes a partir de computadores com pouca capacidade de memória (computadores “magros”), justamente porque operará softwares e arquivos de forma remota (não há download) e sem uma localização física específica e pré-definida (arquivos e programas podem ser remanejados de acordo com as necessidades do prestador).

Três são as principais operações em ambiente de nuvem: Infrastructure as a Service (IaaS), Plataform as a Service (PaaS) e o Software as a Service (SaaS), cada uma com questões polêmicas envolvendo a incidência de tributos.

Há dificuldades para enquadrar as novas operações nas hipóteses do ISS
O IaaS corresponde à utilização de uma infraestrutura em computação como um serviço, com disponibilidade de capacidade de armazenamento fornecida pelo servidor, de acordo com a necessidade do cliente. Sua atividade preponderante é o armazenamento de dados digitais, e é geralmente cobrado por quantidade efetivamente utilizada. Embora seja tratado pelo mercado como um serviço, essa atividade não está prevista na lista de serviços da Lei Complementar (LC) nº 116, de 2003, que traz rol taxativo para a cobrança do ISS pelos municípios. Por outro lado, há item prevendo o “processamento de dados e congêneres” (item 1.03 da lista), o que abre discussão quanto à incidência do ISS, em uma eventual – e talvez não muito correta – interpretação extensiva.

Por sua vez, o SaaS tem por objeto a utilização de software disponibilizado pelo contratado por meio da internet, no qual o programa e as informações a ele associadas estão hospedados na nuvem. Nesse caso, não haverá o download na máquina do usuário, que o acessará de forma remota e remunerará o prestador dos serviços de nuvem por tempo de utilização (assinatura ou pay-per-use).

Assim como o IaaS, os contratos de SaaS desencadeiam uma série de questões referentes à área tributária, sobretudo no tocante ao seu enquadramento na lista da LC 116/03, cujo item 1.05 prevê o “licenciamento ou cessão de direito de uso de software”. Tal se dá porque, diferentemente do que ocorre na aquisição tradicional de softwares de prateleira, o usuário não adquire uma mídia física ou efetua o download do programa, que estará sempre no ambiente de nuvem.

Por fim, os contratos de PaaS consistem na utilização de uma plataforma de computação em conjunto com um pacote de soluções, geralmente voltado ao desenvolvimento, teste e entrega de softwares para a computação em nuvem. Trata-se de serviço complexo por excelência, na medida em que envolverá, invariavelmente, o processamento de dados, o armazenamento e o licenciamento de software, além dos testes do software em desenvolvimento. Tais atividades são geralmente parte de uma mesma contratação indivisível, o que as caracteriza como meras atividades-meio do serviço principal contratado (PaaS). Logo, ainda que o processamento e o licenciamento estejam previstos na LC 116/03, a prevalência de um serviço complexo não previsto em lei poderá vetar a incidência do ISS sobre a atividade, a não ser que se aplique também aqui uma interpretação extensiva do item que prevê o “processamento de dados e congêneres”.

Existem outros serviços prestados em ambiente de nuvem (CaaS, DaaS, BaaS etc.), todos eles controversos quanto ao adequado tratamento tributário. Ademais, pode haver contratos SaaS cuja utilidade principal não seja o software em si, mas outras que interessem ao contratante, tal como o processamento de dados, essa sim hipótese de incidência do ISS.

Aliás, o conceito de utilidade, aqui apenas esboçado, norteará o relacionamento entre os agentes nesse mercado, no qual, na maior parte das situações, o que se objetiva é a solução de um determinado problema, ou o atendimento de uma necessidade pontual. É na complexidade observada nesse contexto da utilidade fornecida que se deverá procurar as consequências de natureza tributária.

Em suma, a ausência de legislação que contemple os novos negócios dificulta seu tratamento jurídico, do que resulta a natural dificuldade de enquadramento das novas operações nas hipóteses do ISS. Além disso, os contratos são atípicos e, muitas vezes, complexos (mais de uma operação na mesma contratação), o que recomenda uma análise de cada caso concreto.

*Fernando Antonio Cavanha Gaia, Maurício Barros e Georgios Theodoros Anastassiadis são, respectivamente, sócio e gerentes de Gaia, Silva, Gaede & Associados – Advocacia e Consultoria Jurídica

Fonte: Valor Econômico via Fenacon

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