As crendices são constantes na história do pensamento. Entre elas, está a teoria da simplicidade na tributação. Os pandecistas alemães eram obcecados pelo pragmatismo. Acreditavam que a praticidade seria a panaceia para os males da tributação. A doutrina deles contagiou a ciência das finanças no final do século 19 e o direito tributário no início do século 20.
Defensores do Supersimples sustentam que ele traz justiça tributária. Com ele, o contribuinte passaria a se preocupar mais com a gestão de suas atividades pessoais e profissionais e menos com a relação tributária. A verdade relativa contida na doutrina da praticabilidade depende da dose da praticabilidade. Há, portanto, um limite para que a praticabilidade seja justa, para que conduza a tributação à racionalidade generalizante, num sentido de eficácia associada à capacidade contributiva.
A tributação simples e prática seria mais igualitária sempre que sua sistemática facultasse melhor divisão da carga tributária na proporção da capacidade contributiva do cidadão. Assim, quanto mais prática a tributação, melhor seria a distribuição do encargo de custeio da despesa pública.
O tributo simples facilitaria, portanto, a vida do contribuinte, evitaria informalidade e melhoraria a arrecadação. Além disso, seria responsável pelo excepcional implemento na arrecadação nos últimos 15 anos. Com efeito, após a implantação de sistemas práticos de arrecadação, como o Simples e o Supersimples, a Receita experimentou salto de arrecadação sem precedentes.
Estudo da Fipe propõe a implementação de programas de simplificação tributária e ressalta que a racionalização resultaria numa redução de carga fiscal. Por outro lado, pesquisa divulgada pelo Ipea demonstra o perverso efeito da tributação brasileira, que atinge os mais pobres. Esses contribuintes pagam até 44,5% mais impostos que os ricos. Da fatia de 10% mais pobre da população brasileira, 32% da renda é consumida com impostos. Seus rendimentos sofrem com os impostos indiretos (90% do total).
Essa carga fiscal vem embutida no preço dos produtos e serviços. O incremento da regressividade fiscal é contemporâneo ao avanço da simplificação tributária. A observação dos dados de arrecadação divulgados pela Receita não leva à conclusão da justiça fiscal dos tributos práticos ou simplificados.
Revela só que a implantação de determinados instrumentos teve efeito no aumento da arrecadação. Em outras palavras, a tributação prática ou complexa pode trazer efeitos positivos para o fisco, que, assim, eleva seus recursos fiscais. O Supersimples, com o limite de faturamento aumentado, beneficia, afinal, a arrecadação da Receita. O efeito da maior adesão ao sistema para o fisco é aumento de arrecadação. Para o contribuinte, contudo, tem significado regressão injusta e muitas vezes confisco.
FERNANDO AURELIO ZILVETI , mestre em direito constitucional, doutor e livre-docente em direito tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, é professor da Escola de Administração da Fundação Getulio Vargas.
Folha de S. Paulo