Em agosto do ano passado, a Justiça do Estado de São Paulo condenou uma empresa do setor financeiro a indenizar outra companhia em mais de R$ 1 milhão por rompimento contratual. O caso, corriqueiro nos fóruns, tem uma peculiaridade. O juiz do processo determinou que a empresa pague à parte contrária um montante superior à própria causa: R$ 2 milhões por litigância de má-fé. Segundo o processo, a companhia não apresentou em dois anos os dados solicitados pela perícia, narrava dificuldades para obtê-los e sempre pedia a renovação de prazos. O magistrado entendeu que a empresa agiu de má-fé ao atrapalhar a apuração dos valores devidos e tentar protelar ao máximo o desfecho da ação.

O caso ilustra uma tendência atual do Judiciário e da legislação processual brasileira de desestimular partes de recorrerem sem necessidade ou tumultuarem o processo para ganhar tempo antes de uma possível condenação. Há pouco mais de um ano, por exemplo, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em uma única sessão, multou 49 empresas que no entendimento dos ministros da 4ª Turma haviam entrado com recursos apenas para retardar o andamento da ação judicial. Aquela foi a primeira vez que uma turma do tribunal aplicou a penalidade em tal volume. “O que se vê é que as multas estão mais altas, são corretivas. Fazem as partes pensarem duas vezes antes de recorrer fora dos limites legais”, diz Luis Carlos Pascual, sócio do Cesar & Pascual Advogados Associados e advogado no processo por rompimento contratual contra a instituição financeira.

Pascual explica que a multa no processo chegou a R$ 6 milhões, mas o juiz a reduziu na sentença para R$ 2 milhões. A penalidade chegou a esse montante em razão da aplicação do percentual de 1% sobre o valor da causa, acrescido de 20% como indenização pelos danos sofridos pela parte em razão da má-fé. Além disso, a companhia foi condenada a pagar R$ 5 mil para cada dia que deixasse de apresentar a documentação solicitada pela perícia – o que juridicamente é chamado de multa astreinte. As partes recorreram para o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), que ainda não decidiu a questão.

Em um outro processo, também do advogado, uma multinacional foi multada em R$ 3,3 milhões por litigância de má-fé. A empresa já na fase de execução (apuração de valores para o pagamento da dívida) apresentou três embargos de declaração idênticos ao magistrado do caso. Na terceira vez, a empresa foi multada no percentual de 1%. Como a causa está avaliada em R$ 330 milhões, o montante ultrapassou os R$ 3 milhões.

Luiz Gustavo de Oliveira Ramos, mestre em processo civil e sócio do Rayes, Fagundes e Oliveira Ramos Advogados, entende que nos últimos anos a intolerância do Judiciário – em razão da própria sobrecarga de processos – para manobras das partes que querem apenas postegar o processo está maior. Ele afirma que o STJ, por exemplo, aplica essa multa a recursos meramente protelatórios em temas que já estão pacificados na Corte.

De acordo com ele, essa é uma tendência da comunidade jurídica. Ramos lembra que o projeto do novo Código de Processo Civil (CPC), que tramita no Congresso Nacional, restringe bastante o número de recursos e aumenta o percentual da multa por litigância de má-fé, que passaria dos atuais 1% para 2%. “Hoje, porém, há extremos no Judiciário, situações de rigor excessivo, em que a parte é multada simplesmente porque recorreu”, afirma.

O advogado Daniel Gustavo Magnane Sanfins, sócio do Duarte Garcia, Caselli Guimarães e Terra Advogados, conta que um cliente – autor de uma ação contra o Estado de São Paulo – foi multado por litigância de má-fé por ter recorrido na segunda instância. O cliente, um condomínio, pediu no processo que o Estado tomasse medidas de urgência necessárias para evitar o deslizamento de terra sobre o local. O pedido de liminar foi negado pela primeira e segunda instâncias. Ao pedir a reconsideração da decisão no TJ-SP, o tribunal multou o condomínio em 10% sobre o valor da causa. “Hoje antes de recorrer é recomendável que o advogado converse com o cliente. Sempre há o risco de o juiz achar que a medida é procrastinatória “, diz.

Para o advogado Alysson Souza Mourão, sócio do Cebraz e Tourinho Dantas Advogados, a aplicação dessas multas faz parte de um movimento do Judiciário para garantir o direito do credor de receber. “É a busca da efetividade da execução, para dar celeridade aos processos”, afirma. Ele lembra que nessa tendência, por exemplo, está a criação do Bacen-Jud. O sistema do Banco Central permite ao magistrado efetuar a penhora on-line da conta corrente de devedores.

 Legislação estabelece punições contra abusos

 Reconhecida por sua preocupação com a morosidade da Justiça, e notória defensora de alternativas para a solução de conflitos, como a mediação, para aliviar a carga de trabalho do Judiciário, a ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Nancy Andrighi, entende que o Código de Processo Civil (CPC) tem dispositivos que podem e devem ser usados para defender a celeridade processual.

 Segundo ela, o CPC estabelece o dever de lealdade e boa-fé entre as partes no processo. Essa postura, segundo ela, sempre ocupou posição de destaque no sistema processual brasileiro, principalmente por estar a probidade intimamente está ligada à celeridade e à efetividade do Judiciário.

 A ministra explica que o processo civil – que nos últimos anos sofreu mudanças pontuais na busca de meios para aumentar a celeridade e eficácia das ações judiciais – prevê um verdadeiro arsenal a ser usado por juízes e partes na repressão de comportamentos que, de alguma forma, possam embaraçar o andamento do processo. Ela destaca a astreinte (artigo 461) e a multa do artigo 601 do CPC.

 A primeira é uma multa cujo percentual será fixado pelo juiz, considerando as circunstâncias específicas de cada caso, como a capacidade econômica da parte, por exemplo. A sua função é compelir o devedor, mediante pressão financeira, a cumprir uma obrigação de fazer ou não fazer. Essa multa pode ser fixada por dia descumprimento da obrigação.

 De acordo com a ministra Nancy, o STJ já firmou o entendimento de que a qualquer tempo é possível a revisão do valor das astreintes, caso ele mostre-se elevado ou insuficiente.

 A multa do artigo 601 tem aplicação a todos os tipos de execução, cujo percentual de 20% é inalterável. O que se busca com essa penalidade é evitar o uso de meios para criar obstáculos ao andamento do processo. “Vejo a multa prevista no artigo 601 do CPC como eficiente instrumento às condutas processuais atentatórias à dignidade da Justiça”, afirma a ministra.

 Valor Econômico – Zínia Baeta – De São Paulo