por Cláudia Roli e Gustavo Patu | FOLHA DE SÃO PAULO

Coletânea sobre os dois tributos elaborada pela Receita Federal, com 73 dessas regras, chega a 1.246 páginas

Contribuições, que incidem sobre as mesmas operações, são as mais complexas do sistema tributário

Já é inusitado o bastante haver no Brasil dois tributos federais, o PIS-Pasep e a Cofins, incidindo sobre as mesmas operações e frequentemente tratados como apenas um, PIS/Cofins.

Há mais, no entanto. O exotismo tributário mereceu uma “Coletânea da legislação”, elaborada pela Receita Federal, com 1.246 páginas.

No calhamaço estão 73 leis ordinárias e complementares, além de algumas centenas de decretos, portarias, instruções normativas e atos declaratórios para orientar a cobrança e a destinação dos recursos do PIS/Cofins.

Entre as leis listadas, 46 foram sancionadas ao longo da administração petista, quando os tributos se tornaram os mais complexos do já intricado sistema federal de impostos, contribuições e taxas.

Alíquotas variam de acordo com o setor da economia e os objetivos das empresas. Há regras especiais, entre dezenas de exemplos, para portos, aeroportos, exportações, exibições cinematográficas e construção de estádios para a Copa do Mundo.

Mas a coletânea da Receita, feita no fim de março, já está desatualizada: mais uma lei foi publicada no “Diário Oficial” do último dia 18.

E a 75ª está a caminho: o governo Dilma Rousseff propôs alterações na legislação com o lançamento de sua nova política industrial, batizada de Plano Brasil Maior -e outras medidas provisórias e projetos alterando os tributos que tramitam no Congresso.

PIS (Programa de Integração Social) e Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) são, como indicam as siglas, duas contribuições destinadas a financiar políticas sociais.

O primeiro alimenta o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), cujos recursos vão para financiamentos do BNDES e seguro-desemprego. A segunda, com peso muito maior na arrecadação federal, banca programas nas áreas de saúde, previdência e assistência social.

UNIFICAÇÃO

Hoje, com 42 anos de existência do PIS e 30 da Cofins, o governo volta a falar em unificar formalmente os dois tributos, para diminuir a burocracia enfrentada pelas empresas contribuintes.

Mas muito mais difícil será desembaraçar o cipoal legislativo desenvolvido nos últimos dez anos.

Até 2002, o PIS/Cofins encabeçava a lista dos tributos vistos como nocivos para a economia, por incidir sobre o faturamento das empresas, independentemente de haver lucro, e em todas as etapas do processo produtivo -da matéria-prima ao bem vendido ao consumidor.

No fim do governo FHC, a cobrança do PIS mudou para alguns setores, especialmente na indústria, que passaram a poder descontar as despesas com insumos. Sob Lula, a alteração foi estendida à Cofins. Nos dois casos, com alíquotas maiores.

A arrecadação disparou, ainda mais porque o tributo também passou a ser cobrado dos importados.

De lá para cá, isenções e regimes especiais do PIS/Cofins se tornaram o principal instrumento para estimular setores estratégicos ou de apelo político -do queijo minas a produtos para pessoas com deficiência visual.

Leia mais sobre burocracia

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Até programas de isenção são alvo de críticas

DE SÃO PAULO

DE BRASÍLIA

Até para participar de programas de incentivo, em que há isenção de tributos, as empresas reclamam de confusão na dedução do pagamento de PIS e Cofins.

Um fabricante de estruturas de aço foi autuado após uma construtora do Nordeste (que obteve isenção dos dois tributos por participar de programa de incentivo na área portuária) não usar o material comprado desse fornecedor na obra que deveria, no porto de Sauipe (BA).

O fornecedor deduziu o valor de PIS e Cofins em seu acerto de contas com o fisco, avisando que vendia para a construtora.

Ao fiscalizar o trabalho, os auditores notaram o desvio das estruturas para outra obra. Resultado: a construtora que tinha o direito ao crédito não foi autuada, mas sim o fornecedor.

“Que culpa tem o fornecedor? O profissional da área fiscal tem de atuar como consultor de negócios. E informar como as empresas devem fazer contratos para evitar ser punidas ao participar de programas de incentivo. Mas isso exige preparo e custa mais”, diz Gilberto Tadeu Alves, diretor do Conselho Fiscal Empresarial Brasileiro.

Segundo Patrícia Kayo, do Rivitti e Dias Advogados, para evitar autuação, parte das empresas opta por recolher os tributos em vez de ter benefícios.

“O fornecedor não tem como controlar e saber se o cliente usará o insumo de forma correta. Prefere pagar mais imposto a ser autuado.”

(CR e GP)

Fusão de tributos não desata nó tributário, dizem analistas

DE SÃO PAULO

DE BRASÍLIA

A fusão do PIS e da Cofins, proposta em estudo no governo federal, não é suficiente para resolver o nó tributário que afeta os negócios das empresas, segundo avaliam especialistas e empresas.

“Não adianta unificar as contribuições, ampliar os insumos que geram créditos

[usados pelas empresas para reduzir os pagamentos dos tributos] e depois aumentar a alíquota para compensar perdas de receita”, diz João Eloi Olenike, presidente do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário). “Puniria as empresas.”

O aumento das alíquotas (correspondem a 9,25% sobre o faturamento) pode ser necessário, segundo técnicos da Fazenda, porque a ampliação dos créditos tributários tem impacto na receita do governo com cobrança de impostos, taxas e contribuições.

De janeiro a abril, dos

R$ 336,8 bilhões arrecadados pela Receita Federal, quase um quinto se refere à arrecadação de PIS e Cofins.

As duas contribuições representam a segunda maior fonte de arrecadação federal, com recolhimento de 4,8% do PIB, no ano passado. Só perdem para o Imposto de Renda, que (no conjunto de pessoas físicas e jurídicas) rende 6% do PIB ao governo.

“É necessário fazer a reforma tributária, mesmo que seja de forma fatiada. A unificação dos tributos pode facilitar apenas a fiscalização“, diz o presidente do IBPT.

Para empresários, a tributação das contribuições não deveria ocorrer antes de apurado o lucro da empresa.

Antônio Teixeira, consultor tributário da IOB Folhamatic, ressalta que o maior problema é a complexidade das leis. “E isso pode não se resolver apenas unindo as duas contribuições.”

MERCADO

O especialista destaca que hoje existe um “mercado de PIS-Cofins”, com cursos, seminários, consultorias, auditorias e empresas de software. “Ao ajudar o contribuinte, acaba também encarecendo os custos das empresas, que precisam dos serviços para entender a lei.”

Pesquisa com 628 empresas mostra que 53% delas têm dificuldades para integrar os sistemas fiscais e contábeis.

“Não é à toa que 95% das empresas responderam que, se pudessem simular uma fiscalização eletrônica em seus arquivos, antes de entregá-los ao fisco, elas buscariam essa alternativa”, diz Ulisses Brondi, sócio da Asis Projetos, empresa de inteligência fiscal e projetos.

O custo de um projeto hoje pode variar de R$ 20 mil a R$ 100 mil, dependendo do porte da empresa.

Opinião

União é a responsável pela guerra fratricida dos Estados

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS

ESPECIAL PARA A FOLHA

Com a transferência de 33% para 47% do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e do Imposto de Renda para Estados e municípios, a Constituição de 1988 tinha como objetivo permitir maior descentralização administrativa e desenvolvimento regional, de forma que as unidades federativas crescessem independentemente de políticas regionais federais.

Eram os dois únicos impostos da competência federal com caráter de arrecadação.

Ocorre que a União decidiu elevar o Finsocial (Cofins) de 0,5% para 0,6%; depois para 0,8%, 1%, 1,2%, 2%, 3% e agora 7,6% da receita auferida pelas pessoas jurídicas, com o que este passou a ser seu principal tributo, não partilhado com Estados e municípios.

Embora a natureza jurídica da contribuição social esteja vinculada às atividades estatais com essa finalidade, o governo alterou a Constituição, desnaturando seu conceito, na medida em que retirou em parte tal destinação (objetivos sociais) para torná-la uma imposição com características de imposto.

Ora, em face dessa distorção, a receita da União cresceu, passando a representar hoje quase 60% do bolo tributário nacional.

Deixando de cuidar das políticas regionais e privilegiando a arrecadação de tributo não partilhável, o desenvolvimento regional ficou quase inteiramente a cargo dos próprios Estados.

Estes começaram a se digladiar em guerra fratricida, através dos incentivos fiscais inconstitucionalmente concedidos no âmbito do ICMS, gerando problema de tal magnitude que nenhuma reforma fiscal será possível se não se encontrar fórmula para equacionar essa questão.

A União, para tornar a Cofins seu principal tributo, foi obrigada a adaptá-la, produzindo uma verdadeira “desidratação legislativa”, tal o número de normas editadas para regular, de maneira casuística, a exigência.

Hoje, existem mais de 700 artigos a reger esse tributo, com a adoção simultânea de regimes cumulativos, não cumulativos, de recuperação de crédito e de subsídios compensatórios.

Tal “inflação regulamenteira” gerou consideráveis dificuldades de interpretação para o contribuinte, que nem sempre consegue cumpri-la.

O pior, todavia, foi a desfiguração do conceito constitucional de “contribuição”, que possuía clara conformação, no pretérito artigo 149 da Lei Suprema.

Estou convencido de que, sem simplificação dos regimes da Cofins, partilhando sua receita com Estados e municípios, jamais se chegará a solução para a guerra fiscal.

Guerra que só existe porque a União deixou de fazer políticas regionais, relegando-as aos Estados, através de estímulos maculadores da Constituição.

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS é advogado, professor emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra e presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio.

Fonte: Folha de S.Paulo via Fenacon