Sócio da área tributária da KPMG, Roberto Haddad: “É um novo marco da legislação tributária. É um divisor de águas”

As empresas brasileiras ganharam ontem um novo “manual de orientação” que definiu como devem calcular a tributação sobre o lucro a partir de 2015. Depois de seis anos de vigência, o Regime Tributário de Transição (RTT), que garantiu a neutralidade tributária durante o período de transição para o padrão contábil internacional, em breve vai deixar de existir.

No seu lugar, entra um novo arcabouço que detalha ponto a ponto quais ajustes as companhias devem fazer, tendo como ponto de partida o lucro societário apurado em IFRS, para se chegar à base de cálculo do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL).

A mudança, que afeta milhares de empresas no país, veio pela publicação, no Diário Oficial da União de ontem, da Medida Provisória nº 627 que, além de acabar com o RTT, altera a legislação sobre tributação do lucro de controladas e coligadas no exterior (ver mais na página E-2).

“É um novo marco da legislação tributária. A MP fala de receita, equivalência patrimonial, incorporação, valor justo, ágio etc. É um divisor de águas”, afirma Roberto Haddad, sócio da área tributária da KPMG, que compara a MP ao Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, e à Lei nº 9.249, de 1995.

O entendimento dos especialistas é que, de forma geral, a nova legislação assegura o divórcio entre a contabilidade societária e as regras fiscais. “Esse é um lado extremamente elogiável”, diz o professor Eliseu Martins, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP.

Conforme a MP, o fim do RTT valerá obrigatoriamente a partir de 2015, mas as empresas que quiserem poderão optar por usar o novo critério de apuração do imposto a partir de janeiro de 2014.

 

Ao contrário do que previa a polêmica Instrução Normativa 1.397, de setembro, a Medida Provisória deixa claro que não haverá cobrança retroativa sobre distribuição de dividendos feita entre 2008 e 2013, caso o pagamento tenha sido em excesso ao valor do “lucro fiscal” desse período, que seria aquele registrado conforme as regras contábeis vigentes no fim de 2007 – antes da transição para o IFRS. Mas a isenção só é garantida para as empresas que optarem por abandonar o RTT antecipadamente em 2014, conforme nota Haddad.

Contudo, a MP não deixa claro como será a distribuição de eventuais “excessos” de dividendos acima do que poderia ser um novo lucro fiscal daqui para frente. Alguns especialistas entendem que, como o texto fala em isenção até a data de publicação, seria um sinal de que, daqui por diante, haveria tributação sobre o excesso de lucro distribuído.

Mas esse não é o entendimento do advogado Edison Fernandes, do escritório Fernandes e Figueiredo. “A MP diz que os ajustes devem ser feitos no Lalur (livro de apuração do lucro real). Então não há o que se falar em ‘lucro fiscal'”, afirma ele.

Pelo RTT, as empresas apuravam o lucro societário pelas normas contábeis internacionais e faziam ajustes ignorando todos os pronunciamentos contábeis emitidos desde 2008 (voltando para o lucro que teriam pela contabilidade até 2007), para aí sim fazer as adições e exclusões tradicionais de receitas e despesas no Lalur (que serve de base para pagamento de tributos).

Agora, o governo listou quais novos pronunciamentos serão “incorporados” ou não pela legislação fiscal. Casos como variação de valor justo, redução do ativo ao valor recuperável (impairment) e subvenções governamentais (que pelo IFRS entram como receita), por exemplo, não serão considerados para pagamento de IR e CSLL.

Já o cálculo do ágio gerado em operações de fusões e aquisições seguirá a regra do IFRS, que considera como goodwill apenas o valor residual após a alocação da mais ou menos valia dos ativos adquiridos, e não toda a diferença entre o valor da compra e o patrimônio líquido da adquirida.

Uma novidade trazida pela MP sobre esse ponto, segundo Renata Daré, diretora de tributos da Hirashima e Associados, é a exigência de que a empresa prepare um laudo para justificar a alocação do ágio e entregue o documento à Receita Federal ou o registre em cartório em até 13 meses após a data da aquisição.

De acordo com o professor Eliseu Martins, não há muitas surpresas na MP. Mas alguns pontos lhe chamaram a atenção. Um deles é o que garante a dedutibilidade do pagamento baseado em ações, no ano na liquidação financeira, mas com base no valor contábil registrado no momento da outorga das opções. Para ele, a dedução dessa despesa não era uma demanda das empresas e só faria sentido se fosse conjugada com a tributação do beneficiário, o que não está previsto.

O outro é a obrigação de que as empresas constituam uma espécie de “ativo diferido fiscal” referente às despesas pré-operacionais, que não serão dedutíveis imediatamente para fins fiscais.

 

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