Os contratos de construção do setor imobiliário têm uma interpretação à parte dentro do IFRS (International Financial Reportings Standards), o que faz da construção civil um dos segmentos mais afetados com a migração para o novo padrão contábil.
O pomo da discórdia entre contadores e auditores está na interpretação sobre como os contratos de compromisso de compra e venda, que são firmados antes do término da construção ou a conhecida “compra do imóvel na planta”, devem ser lançados no balanço das empresas. Inicialmente, esses contratos teriam sua receita lançada no ato da transferência dos riscos e benefícios, isto é, na “entrega das chaves”.
Declarando a receita desta forma, o fluxo de caixa das companhias seria arduamente afetado, pois as receitas seriam postergadas e registradas só quando da finalização do empreendimento. Com isto, principalmente para as empresas de capital aberto, o resultado seria a alteração do ritmo de geração de receitas, de lucros e do pagamento de dividendos.
A Resolução RES 1335 do Conselho Federal de Contabilidade (CFC) menciona o conflito de interpretação da norma.
“Enquanto nos Estados Unidos e na Europa, fala-se em reconhecimento da receita e lucro quando da entrega das chaves, aqui no Brasil a receita é reconhecida mensalmente quando da evolução do custo”, explica a contadora e advogada tributarista Tânia Gurgel, sócia-diretora da TAF Consultoria, especializada no setor de Construção Civil.
“A diferença desta percepção de receita é centrada, principalmente, na definição do momento em que os riscos e os benefícios do imóvel são transferidos ao contador, pois é neste instante que os princípios do IFRS estão estabelecidos”, comenta Tânia. “Muitas empresas brasileiras argumentam que, mesmo com o imóvel em construção, os compradores podem, desde a assinatura do contrato, revender este imóvel e também realizar lucro com esta ação, o que figuraria que ele está sujeito aos riscos e benefícios do negócio desde a assinatura do contrato e, sendo assim, as receitas da venda dos imóveis poderiam ser lançadas no balanço antes da entrega das chaves”, completa a advogada.
A definição sobre a maneira correta de lançar essas informações no balanço deverá ser anunciada pelo International Accouting Standards Board (Iasb), emissor das normas internacionais, ainda sem data definida.
Antes de 2003, a apuração do resultado na atividade imobiliária era feita com base na receita recebida em relação ao total da venda, sendo os custos apropriados com base nesta mesma proporção. “Naquela época, o resultado a apropriar era registrado no Grupo de Resultado de Exercícios Futuros (passivo). Notoriamente, tratava-se de uma pratica contábil para atender à legislação fiscal (IN 84/79), mas que por outro lado feria um dos princípios mais importantes da contabilidade que era proceder à escrituração pelo regime de caixa, sendo o correto pela competência”, diz Marcelo Lico, diretor da Macro Auditoria e Consultoria.
Com a Resolução 963/03 do CFC (revogada a partir de janeiro de 2010 em função do IFRS), essa prática contábil foi alterada de forma que já naquela época havia sido instituído o reconhecimento do resultado com base na produção ou andamento da obra. “No segmento imobiliário, poucas empresas possuíam ações negociadas em bolsa, de forma que não eram obrigadas a serem auditadas ou terem os balanços publicados e na prática poucas seguiam a regulamentação do CFC.”diz Lico. Com a abertura de capital, essa cultura vem mudando gradativamente.
Fonte: Valor Econômico, Angela Ferreira, 31/mai