A Procuradoria da Fazenda Nacional se manifestou contra decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) em ações populares ajuizadas contra esses posicionamentos desde agosto. O Carf é a última instância administrativa do Ministério da Fazenda para discussões entre contribuintes e o fisco federal. A PGFN deu parecer favorável em algumas das dezenas de ações que pedem a modificação de decisões que favoreceram contribuintes.
As ações provocaram a suspensão das atividades dos conselheiros nesta terça-feira (5/2), que se reuniram para resolver o que fazer a respeito. Aos processos, o autor, o ex-procurador da Fazenda Renato Chagas Rangel, fez emendas para que os conselheiros sejam citados individualmente para prestar esclarecimentos. Em reunião na terça, as câmaras decidiram ficar com a pauta parada. A maioria delas julgará apenas questões internas, como embargos de declaração e agravos regimentais. Outras, ficarão completamente paradas.
Todas as ações foram ajuizadas na Justiça Federal do Distrito Federal pelo ex-procurador da Fazenda Renato Chagas Rangel, expulso da PGFN acusado de se apropriar de bens de devedores como honorários de sucumbência. Ele foi condenado em dois processos administrativos.
Com o mesmo teor, todos os processos questionam decisões em que o Carf deu razão aos contribuintes e não ao fisco. No entendimento do ex-procurador, a União foi omissa em seu papel de arrecadadora, já que “perdoou” débitos tributários legítimos. Entre as empresas que estão no alvo das ações estão Petrobras, Braskem, Gerdau, Santander, Bradesco, Itaú, Marcopolo, Light e Vivo.
Em todas as ações, aparecem como partes o mesmo advogado e a mesma autora. Renato Chagas Rangel é o advogado. A autora é sua mulher, Fernanda Soratto Uliano Rangel. Renato Rangel foi demitido da PFN em 2008, conforme portaria assinada pelo então advogado-geral da União, José Antonio Dias Toffoli. Diz a portaria que Rangel foi demitido “por valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública, e por improbidade administrativa”.
Avalanche processual
Os processos vêm sendo abertos desde agosto do ano passado, e o mais recente data de 31 de janeiro deste ano. Conforme relatou à ConJur o auditor fiscal e conselheiro do Carf Paulo Jakson, os integrantes do órgão administrativo ficaram surpresos diante da avalanche de ações e decidiram suspender suas pautas. O receio, segundo ele, é que, julgando mais casos, o Carf daria mais munição a Renato Rangel para suas ações populares.
Internamente, conselheiros relatam ter ouvidos elogios da Procuradoria da Fazenda Nacional à atitude de parar suas atividades. Oficialmente, no entanto, ainda não há posicionamento da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Em alguns processos ajuizados por Rangel, ela apoiou a iniciativa ao dar parecer favorável aos seus questionamentos.
Institucionalmente, há uma contradição. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional entende que o Carf, em última análise, é o Ministério da Fazenda e que suas decisões são emanadas pela própria pasta. Por isso, a defesa judicial deveria ser da decisão tomada pelo Carf, que, neste caso, é o Ministério da Fazenda. Qualquer outra postura seria um entendimento deturpado da personalidade jurídica da União e de seus ministérios.
Mas em pelo menos quatro casos a Procuradoria da Fazenda Nacional postulou justamente o contrário. São os casos de decisões referentes a Petrobas, Oi, Vivo e Santander — clique nos nomes para ler as respectivas manifestações.
Pelo crédito
No caso da petroleira, por exemplo, Rangel afirma que o Carf permitiu que ela deixasse de pagar juros de mora referentes a Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) pago a menos. A dívida, segundo ele, é de R$ 146 milhões.
A estatal havia recolhido, por dois meses consecutivos (fevereiro e março de 2003), IRPJ a menos. Disse que foi um erro contábil e fez denúncia espontânea, pagando o que devia, mas sem juros de mora. O caso foi ao Carf e o órgão administrativo deu razão à empresa, negando o pedido do fisco de multar a empresa.
Essa foi a omissão, de acordo com a ação popular de Rangel. Na manifestação da Fazenda, feita pela procuradora Marcela de Oliveira Cordeiro Morais, a decisão do Carf deve mesmo ser revertida pela Justiça. Ela afirma que o interesse da União é o crédito tributário e, como o IRPJ é imposto pago por homologação, não se poderia falar em denúncia espontânea. Por isso, os juros ainda seriam devidos e, portanto, a Petrobras ainda é devedora da União — ao contrário do que decidiu o Carf.
Sem omissão
No caso da operadora de telecomunicações Vivo, o Carf autorizou o uso de ágio em operações de aquisição de ações e mudanças societárias ocorridas entre suas controladoras. No caso, a Vivo, controladora de uma série de empresas menores, usou do ágio na compra de uma de suas controladas por outra para abater o valor de seu IRPJ.
Pela lei, o ágio pode ser abatido do Imposto de Renda. A Receita afirma que o ágio declarado pela Vivo na compra da TBH Participações foi simulado e, na verdade, foi uma transferência de ações dentro da mesma empresa. Portanto, o valor não poderia ser abatido do IRPJ. Mas o Carf entendeu que houve ágio legítimo na compra, e a empresa se livrou da autuação.
Há recurso pendente de julgamento na Câmara Superior do Carf — espécie de órgão especial do tribunal administrativo. O pedido de Renato Rangel na Ação Popular apresentada à Justiça Federal é que a decisão seja reformada e o débito tributário da Vivo seja cobrado.
Já na manifestação da Procuradoria da Fazenda anexada à ação popular, assinada pelo procurador Sebastião Gilberto Mota Tavares, a afirmação é que não houve omissão da União, já que o caso está pendente de recurso. O fato de a Fazenda ter recorrido, no entendimento da Procuradoria, “significa que sua intenção é manter realmente o lançamento fiscal de ofício contra a Vivo”.
Pedro Canário
Fonte: ConJur
via Associação Paulista de Estudos Tributários