Os distribuidores de conteúdo precisam reconhecer os direitos autorais na rede e pagar por eles. A conclusão é de especialistas reunidos ontem no debate “Criadores em defesa de seus direitos autorais”, na sede da Academia Brasileira de Letras (ABL). Compositores, escritores e diretores de sociedades detentoras de direitos autorais defenderam a inclusão, no projeto de lei do Marco Civil da Internet, de relatoria do deputado Alessandro Molon (PT-RJ), do direito à remuneração de criadores e produtores por conteúdos postados na internet. O projeto começa a ser discutido no plenário da Câmara dos Deputados hoje e poderá ir à votação.
Também foi defendida a necessidade de manutenção das notificações extrajudiciais para retirada de conteúdo publicado ilegalmente na grande rede. O projeto do Marco Civil prevê que a retirada desse conteúdo só poderia ser feita mediante ordem judicial, diferentemente do que é hoje. Especialistas e artistas alegam que, desse jeito, haveria um grande aumento de processos na Justiça. Além disso, a morosidade dos tribunais não é compatível com a velocidade da internet e espera-se aumento de custos.
— É do interesse de grandes empresas apresentar os artistas e demais produtores de conteúdo como egoístas por não compartilharem suas obras livremente na internet. Ora, por que eles não teriam direito a receber por isso? O tempo da escravidão acabou há muito — disse Ana Maria Machado, presidente da ABL. — Defendemos a inclusão dos direitos autorais no projeto de lei. Eles estão na Constituição.
Briga entre produtores e distribuidores
Em nota oficial da ABL, Ana Maria reafirma a “necessidade fundamental de respeito ao direito de remuneração do autor. Não pode passar a ser a única categoria de quem se espera que exerça sua profissão sem receber pagamento”. No evento, ela propôs a redação de um texto com as reivindicações para envio ao Congresso.
Roberto Feith, diretor-geral da editora Objetiva, lembrou que o verdadeiro embate dos dias atuais é entre os criadores de informação e os distribuidores de conteúdo (legalmente ou não) na internet, como Google e afins. Para Feith, estes falam de liberdade de expressão, mas na verdade protegem seus próprios interesses:
— Essa distribuição de conteúdo alheio envolve muito dinheiro, é o grande negócio de nossos dias. Veja-se a compra do YouTube pelo Google por US$ 1,65 bilhão em 2006. Que criadores foram remunerados por isso? Esses distribuidores dizem que o conteúdo deve ser livre, mas eles vão liberar suas patentes? Eles ganham com publicidade, e muitas vezes quem paga são sites que armazenam conteúdo ilegalmente na internet, como fazia o extinto Megaupload.
Em 2011, a Associação Nacional dos Jornais (ANJ) recomendou que os 154 jornais associados saíssem do Google News porque o portal não oferece remuneração. O pedido foi ratificado há duas semanas na reunião da Sociedade Interamericana de Imprensa, em São Paulo.
O escritor João Ubaldo Ribeiro, escalado, em cima da hora, para compor a mesa principal no debate da ABL, foi enfático em seu discurso a favor dos direitos autorais.
— A literatura não é obrigada a estar comprometida com nenhuma causa, mas historicamente sempre foi responsável pela preservação e pelo aprimoramento da língua no país. Se se retira o incentivo aos homens e mulheres que a fazem, vamos acabar sem nada. — afirmou. — Google e Facebook posam de mocinhos, mas faturam bem com publicidade.
Para o compositor Fernando Brant, todo autor deve ser remunerado e autorizar previamente qualquer uso de sua obra.
— Estamos hoje numa fase de transição. Acho que vamos chegar a um ponto de equilíbrio em que as pessoas poderão ter acesso à obra a um preço mais barato, mas o autor vai continuar ganhando o dele. Senão, ninguém mais vai escrever livro, ninguém vai compor. Afinal, quem trabalha de graça?
Quanto à manutenção das notificações extrajudiciais para retirada mais rápida de conteúdos que violam copyright, Paul Rosa, presidente da Associação Brasileira de Produtores de Discos (ABPD), citou alguns números para demonstrar que a judicialização seria nociva:
— Só no ano passado, houve no país mais de 80 mil notificações por publicação ilegal on-line: 50 mil de livros, 18 mil de músicas e 15 mil de filmes. No esquema extrajudicial, a absoluta maioria é retirada sem contestação. Com uma ordem judicial, os custos subiriam a Justiça ficaria sobrecarregada. Não vale a pena abandonar uma prática que dá certo nos Estados Unidos e na Europa.
Defesa do “notifica, retira”
De acordo com José Francisco de Araújo Lima, diretor de Relações Institucionais, Regulação e Novas Mídias das Organizações Globo, a empresa por vezes faz 150 notificações por semana de violação de copyright na rede.
— É preciso manter o notice and takedown (notificação e retirada) no marco, e imputar responsabilidade ao provedor que não atender à solicitação. Usar ordem judicial para isso tornará tudo impraticável, com a morosidade da Justiça e os custos dos processos — explicou.
André Machado
(Colaborou Marcello Corrêa)