Acerca da origem do termo “beneficiário efetivo”, importante lição nos ensina Alberto Xavier:
Fábio Messiano Pellegrini
Acerca da origem do termo “beneficiário efetivo”, importante lição nos ensina Alberto Xavier:
“A expressão beneficiário efetivo, desconhecida da generalidade dos países de civil law, tem sua origem no Direito inglês, onde visa a excluir, de certos efeitos, o proprietário legal que age como trustee para outrem. Mas, segundo a Comissão de Assuntos Fiscais da OCDE, o conceito não se restringe às hipóteses de nominee ou agente, podendo abranger casos similares, tais como os de uma conduit company que, embora seja o titular formal de certos ativos, tem poderes tão limitados que revelam tratar-se de mero fiduciário ou administrador atuando por contadas partes interessadas, notadamente os sócios da conduit company.”[1]
A exigência cumulativa de aplicação dos tratados que são confeccionados visando evitar a bitributação da(s) pessoa(s) submetida(s) a tal sistemática, que possui(em) residência em um dos Estados contratantes e seja(m) o(s) beneficiário(s) efetivo(s) dos rendimentos submetidos à tributação (juros, royalties e dividendos) é uma recomendação da OCDE, com o intuito de evitar o “abuso de convenção” (treaty shopping), sendo este (em linhas gerais) a prática em que uma pessoa jurídica coloca uma subsidiária, ou filial em um país com tratado para evitar a bitributação mais favorecido, em relação ao real local onde deveria existir, com o intuito de que a tributação seja a menor possível.
Existem muitos tratados que não fazem referência ao termo beneficiário efetivo, inclusive muitos celebrados pelo Brasil, como exemplos pode-se citar os firmados com a Itália (1979), Finlândia (1997) e Portugal (2001).
Contudo o Professor Klaus Vogel, entende que a ausência do termo beneficiário efetivo nos tratados celebrados não conduziria a resultado diferente, tendo em vista a aplicação dos princípios gerais de abuso dos tratados, conforme trecho abaixo:
“Despite the fact that this term [beneficial ownership] was not included in OCDE MC 63, the DTCs which followed that early model convention will nevertherless normally not lead to any different result, on account of general principles on the abuse f treaties.”[2]
Tal raciocínio se sustenta no fato de que os tratados para evitar a bitributação devem, na visão de Vogel, se subordinar a uma cláusula geral de prevalência da substância sobre a forma.
Sendo que, em nossa modesta opinião o ponto defendido por Vogel está inteiramente correto. Necessária é a análise do caso para que seja verificado se efetivamente a interposição de um terceiro beneficiário é realmente necessária para o negócio, ou se é apenas uma forma de diminuição da carga tributária de forma ilícita (abuso de forma), que normalmente é indicada com o nome de treaty shopping, acerca deste o Professor Luis Eduardo Schoueri ensina importante lição, mencionando que o treaty shopping “exige que não haja outra explicação para a interposição do terceiro beneficiário do acordo, senão a obtenção das vantagens deste.”[3]
Apenas deixando claro uma observação acerca da opinião acima proferida, cremos que o pensamento do professor Vogel está correto, contudo é somente aplicável para os países da “common law”, pois no “civil law” é necessário:
– norma jurídica específica autorizando a desconsideração da operação (norma antielisiva que possibilite a desconsideração de determinado beneficiário efetivo de renda), e;
– norma jurídica que classifique o fato típico em outra previsão legal.
Refletindo acerca do assunto, podemos citar os seguintes casos onde deve ser buscado o conceito de beneficiário efetivo:
a) criação artificial de pessoa jurídica para o exercício de atividades desenvolvidas por uma única pessoa física que, ao mesmo tempo, caracterizando-se como sócio, dirigente e empregado;
b) carga tributária menos onerosa em virtude da tributação dos rendimentos na pessoa jurídica;
c) operação maquiada com o intuito de simular relação entre duas empresas (evasão fiscal).
Inclusive em tais hipóteses o Código Tributário Nacional prevê expressamente a possibilidade de lançamento de ofício (artigo 149, VII), sem a necessidade de se socorrer à regra prevista no artigo 116 do mesmo código — que ainda não foi regulamentada por lei ordinária.
Tendo em vista a ausência de norma brasileira antielisão resta configurada a dificuldade na operacionalização da cláusula “beneficial owner” que, possui como premissa, em nosso entendimento, a desconsideração da personalidade jurídica do contribuinte situado na jurisdição objeto da remessa (artigo 50 do Código Civil), contudo atente-se que tal decretação deverá somente ser autorizada judicialmente.
Porém existem dificuldades na aplicação deste conceito, que entendemos serem as seguintes:
a) demonstração certeira de quem é o beneficiário efetivo de determinada renda, e;
b) desconsideração da norma que regula a remessa de lucros para o Estado onde reside o beneficiário que não foi considerado efetivo.
No item “a” acima citado, o Brasil possui problemas em relação a tal situação, pois temos uma carência de ferramentas para rastrear o beneficiário efetivo de determinado caso, assim como existe determinado apego à forma no Ordenamento Jurídico Brasileiro, que apesar de estar diminuindo, ainda necessita de uma maior atenção.
Finalizando este breve estudo do conceito de beneficiário efetivo, fundamental ter em mente o momento em que tal se caracteriza. Segundo o Professor Klaus Vogel[4], são necessários dois requisitos, quais sejam:
– possua o direito de decidir se seu investimento (capital e ativos) deve ou não produzir rendimento, e;
– possua o direito de dispor livremente desse rendimento.
Sendo que para o Professor Heleno Torres[5] existem quatro elementos para esta mesma caracterização, são eles:
– Busca planejada da melhor convenção, tendo em vista resultado fiscal mais favorável;
– Planejador (beneficiário efetivo) não residente dos países signatários da convenção;
– Interposição de pessoa residente no país destinatário dos rendimentos, e;
– Afastamento da tributação no país da fonte dos rendimentos por força do Tratado visando prevenir a bitributação (TDT)
Para que possam ser verificados de forma mais abrangente os conceitos aqui tratados, seguem alguns precedentes do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) onde pode ser observada a imputação de rendimentos ao beneficiário efetivo da renda:
– Acórdão 104-18641, Relator Conselheiro Nelson Mallmann;
– Acórdão 104-20915, Relator Conselheiro Pedro Paulo Pereira Barbosa, e;
– Acórdão 104-19444, Relator Conselheiro Nelson Mallmann.
[1]XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional no Brasil. Forense: Rio de Janeiro. 7° ed. 2010.p. 120. [2] VOGEL, Klaus. Klaus Vogel on Double Taxation Conventions, Kluwer: The Hague, 1997, 3º ed. Art. 10, nº 68, p. 597. [3] SCHOUERI, Luis Eduardo. Planejamento Fiscal Através de Acordos de Bitributação. Revista dos Tribunais: São Paulo, 1995, p. 21. [4] VOGEL, Klaus et al. Klaus Vogel on Double Taxation Conventions, Kluwer: The Hague, 1997, 3º ed. Pre. Art. 10-12, nº . 9, p. 562. [5] TORRES, Heleno. Direito Tributário Internacional. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2001, p. 329.Fábio Messiano Pellegrini é advogado, coordenador tributário do escritório Pereira de Carvalho e Monteiro Galvão Advogados, membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário e do Grupo de Estudos Tributários da FIESP.
Fonte: Consultor Jurídico