“Novos paradigmas para a defesa dos contribuintes no arcabouço tributário brasileiro”

 1.                  A linguagem digital e suas limitações.

Do you speak English? Sie sprechen Deutsch? ????????????? ???????? ??????? ????? ???????A pergunta é: você fala inglês, alemão, japonês, russo ou chinês? Ou você fala apenas e tão somente o português? E quanto à linguagem binária dos computadores, ela faz parte do seu universo de conhecimentos? Você fala ou entende os bits e bytes pela qual ela se manifesta?

Perguntas que parecem ter respostas óbvias, pois, atualmente, a grande maioria dos brasileiros não fala ou entende outras línguas, mas, ao mesmo tempo, possui computadores que podem ser utilizados de forma quase automática, já que não exigem nenhum conhecimento específico ou avançado da linguagem eletrônica pela qual se manifestam.

E se sofisticarmos o raciocínio? Será que você conseguiria, sozinho, sob sua única e exclusiva responsabilidade, produzir as linguagens acima, principalmente a binária? Ou será que você precisaria de um intérprete, como um programador ou um programa de computador? Será que a tradução de tal programa reproduziria exatamente o que você disse? Você confiaria em tal intérprete para celebrar e firmar negócios por você, apenas pelo fato de ser ele um excelente software, como um tradutor do Google? Poderia tal intérprete ou tradutor reproduzir a sua assinatura e detalhar, debater e atestar fielmente todo o contexto do negócio que está assinando por você?

É óbvio que não. Por melhor que seja a linguagem de qualquer intérprete ou programa de computador, este não está preparado para ser, pensar, decidir, escolher e agir como você. Apesar do progresso da ciência e da tecnologia, a linguagem computacional se limita aos estertores de seus ossos componentes e não se aventura em viver a livre criação e expressão, computando-se no esqueleto da matéria, espaço, tempo, diante de sua capacidade e competência, longinquamente separada de um almejado esperanto da atual sociedade do conhecimento.

O que significa dizer que a linguagem eletrônica fica limitada diante de sua incapacidade de expressar fielmente a vida, restando-lhe apenas emular um universo de compreensão circunscrito a seus melhores intérpretes, dentro de suas funções e limitações orgânicas. Ainda que pensemos num futuro lógico, construído a partir de um alfabeto de algoritmos, décadas passarão para que possa ser correta e seguramente produzida e interpretada uma linguagem digital universal, que una os homens no manejo de uma forma de expressão que possa ser adotada como um esperanto eletrônico.

Uma abordagem do universo da “linguagem digital” dos dias de hoje, ainda que superficial, é imperiosa para que possamos analisar as “vantagens e exigências” atuais que uns poucos tentam impor, em benefício próprio e por intermédio dessa tal “linguagem digital”, aos demais homens.

Vantagens e exigências como as que vivenciamos na internet, onde grandes corporações almejam dominar os mercados da utilidade, qualidade e universalização da informação, em oposição ao anseio do Estado de controlar e administrar essa mesma informação, em um movimento voltado à implantação, manutenção e consolidação de estruturas de poder que viabilizem governos, aparentemente, inclinados ao processo democrático, contudo, portadores de claros vieses totalitários, oligárquicos ou socializantes, todos carentes de recursos humanos e materiais, para, assim, burocratizar “democraticamente” as oportunidades, opções e ações da sociedade civil.

Enquanto as modernas empresas tecnológicas – mesmo as mais eficientes e sustentáveis – não compreendem, nem conseguem enxergar – que podem ser grandes formuladoras, articuladoras e solucionadoras de políticas de interesse público e dos maiores gargalos da ineficiência estatal, os governos vêm se utilizando da “linguagem digital”, em nome de um suposto interesse público, ainda que de forma capenga, para encabrestar a população aos seus próprios interesses de poder e arrecadação, para manter o seu status quo.

De tal maneira, por uma lógica bizarra, a sociedade civil e as empresas usuárias ou detentoras da melhor tecnologia, continuam inertes e destinatárias das ações de governos, que emprestam delas uma fração de sua linguagem digital, para fazer e impor, sob a forma de normas jurídicas, aquilo que não presta. Exatamente como o fisco brasileiro, por seus diversos órgãos e entes federativos, vem fazendo com os seus contribuintes.

  1. 2.                  O fisco brasileiro e a linguagem digital.

Como já exposto, apesar do grande desenvolvimento tecnológico, a “linguagem digital” não é universal, nem tão simples ou acessível. Também não é plenamente dominada pela sociedade civil e não é uniforme nem mesmo entre as grandes empresas de tecnologia, muito mais capazes do que o Estado em utilizá-la para se comunicar de maneira eficaz. Também não se presta a uma comunicação absolutamente segura e isenta de falhas entre partes, ainda que estas possuam os melhores intérpretes, tanto em equipamentos, quanto em programas.

Mas o progresso é inexorável. Em algum momento do passado recente, talvez convencido de sua plenitude tecnológica, provavelmente ao ver milhões de declarações de imposto de renda serem transmitidas ao fisco em uma fração de segundos, o Estado brasileiro se julgou capaz de modificar e transferir, de modo seguro, imediato e incontornável, o suporte físico das informações fiscais dos contribuintes brasileiros, do antiquado papel para o moderno meio eletrônico, escrito em bits e bytes. E pior, convenceu-se de que todos os contribuintes brasileiros são capazes de se comunicar apenas e tão somente em linguagem digital avançada, sem erros e a qualquer momento! A piorar ainda mais, estipulou normas que tornam a “sua linguagem digital” obrigatória, passando a rotular de criminosas até mesmo as práticas de boa fé, equiparando tecnologicamente as maiores empresas nacionais, com as mais simples quitandas do interior do nosso imenso Brasil das desigualdades.

Imaginando um exponencial acréscimo da arrecadação e a iminente impossibilidade absoluta da informalidade dos seus contribuintes, sem o esforço da fiscalização humana e da paquidérmica máquina estatal (sic), o Estado brasileiro vem, nos últimos anos, sofisticando o sistema tributário nacional, sem modificar a lei, mas sim o modo de operacionalizá-la, através da criação de instrumentos (burocráticos, tecnológicos e complexos) que vêm tornando os contribuintes brasileiros vítimas de si próprios e de seus semelhantes, já que enredados pelo confortável cruzamento de informações, interpretadas ao bel prazer dos agentes ativos da obrigação tributária.

Da entrega de arquivos magnéticos, passou o fisco a exigir o intercâmbio eletrônico de informações e do advento da substituição tributária irrestrita, atingiu o cume de sua presunção e ganância, criando o SPED – Sistema Público de Escrituração Digital. Para os técnicos digitalmente preparados, o SPED é um sistema quase perfeito, que deverá se aprimorar rapidamente, para os contabilistas, um sistema de difícil compreensão que aparenta ser rentável diante do aumento das obrigações dos contribuintes, para os advogados, um mistério e, para os contribuintes, uma sopa de letras e normas inteligíveis que seus contadores é que terão a obrigação de entendê-lo.

Mas este artigo não intenciona debater o SPED, nem suas normas ou layouts. Uma de suas idéias principais é demonstrar a absoluta impropriedade e impossibilidade de a linguagem digital atual poder lastrear a comunicação segura, uniforme e irrepreensível entre o fisco e seus contribuintes. Outra idéia central é mostrar que o fisco, em seu anseio de crescimento da arrecadação fácil e imediata, acaba de se enforcar com a própria corda. E, por fim, demonstrar que a partir do advento do SPED e de todos os demais sistemas digitais de escrituração digital, todos os autos de infração lavrados deverão ser objeto de perícia para que valham e obtenham eficácia. E por quê? É simples, como veremos a seguir.

  1. 3.                  A linguagem digital na produção das provas e das obrigações tributárias dos contribuintes.

O contribuinte não pode ser culpado por ter boa fé, por não ter capacidade de gerar as informações e provas, ou mesmo não entender a linguagem digital exigida pelo fisco, muito menos por produzi-la sem erros. Também não vale a assertiva de que seus contadores e advogados, ou mesmo seus provedores de serviços de tecnologia de informações ou de softwares, serão os responsáveis por outorgarem a veracidade, legalidade e responsabilidade das operações geradas pelo contribuinte, ao desenvolver suas atividades e tentar cumprir suas obrigações tributárias em correta instrumentação e formalização de sua escrituração ao fisco pelo meio eletrônico.

Afinal, muito poucos são os profissionais da área de contabilidade e do direito que dominam o direito digital. Quando consideramos a intersecção das áreas do direito tributário e das ciências contábeis, com o universo eletrônico, então, pode-se afirmar que o preparo do mercado para atender às regras tributárias atuais é quase inexistente.

Considerando que temos um termômetro da oferta de serviços especializados na internet, que é amplamente utilizado por todos, como o sistema Google, podemos confirmar a “expertise” do mercado na área da escrituração tributária digital. No dia de hoje (05/08/2011), se buscarmos a expressão “perícia tributária”, encontraremos 3.400 registros, se pesquisarmos a expressão “perícia digital” encontraremos 20.500 registros. Entretanto, se procurarmos a expressão “perícia tributária digital”, o resultado é “nenhum”!

Ou seja, é acaciano que o mercado brasileiro não possui profissionais preparados para auditar as operações tributárias dos contribuintes no meio digital!

Ademais, também não pode o contribuinte assumir e ser responsabilizado pelo cumprimento de obrigações acessórias, que são muito mais complexas do que o próprio negócio que as gerou. Num passado não muito distante, o fisco, ao receber as informações de seus contribuintes, tinha uma imagem instantânea de suas operações, limitada pela extensão do papel ou pelos arquivos magnéticos e suas finitas tabulações. De agora em diante, com o imenso acréscimo das obrigações acessórias no meio digital e o cruzamento das informações que se tornou possível, o fisco passa a ter uma “filmagem” de todas as operações dos contribuintes brasileiros. Antes, o fisco detinha uma “foto em formato polaroid” das operações dos contribuintes, agora detém uma “filmagem crua e sem edição, em formato HD” de suas atividades, o que permite dizer que nenhum erro poderá ser perdoado. Como pode isso ser possível? Ora, nenhum filme faz sentido antes de sua edição, pois é esta que depura erros, omissões e até excessos. É na edição que se acrescenta a alma da película, da trilha sonora aos cortes de impacto e imagens explicativas.

Caso o contribuinte aceite, sem opor resistência ou oferecer um instrumento isento para a apuração da consistência de seus registros, para a finalização de suas informações que foram ou serão prestadas ao fisco, tal como uma “perícia tributária digital”, é incontornável que este poderá ser autuado e punido com multas de vulto, as quais, por vezes, multiplicam o pretenso débito tributário em várias vezes.

Além disso, o intercâmbio e o cruzamento de informações, que hoje é feito através dos diversos agentes ativos das obrigações tributárias, permitem que estes vejam a mesma informação tributária sob ângulos diversos, todos supostamente corretos, já que são gerados a partir uma análise parcial fornecida a partir do ponto de vista particular de cada agente, o que significa dizer que, será possível gerar, inclusive pelo mesmo agente ativo da obrigação tributária, tanto autos de infração sobrepostos, quanto contraditórios, ou pior, detentores de “supostas certezas e exigibidades” (no plural, sic) imprestáveis para a constituição de débitos tributários, que exigem uma “única certeza e liquidez”, para serem exigíveis.

Um exemplo patente é a nova estrutura dada recentemente aos impostos PIS e COFINS, que permite à Fazenda ter várias certezas acerca dos débitos dos contribuintes, dependendo do ângulo ou forma com o qual são interpretadas as informações.

Ora, se, por exemplo, três óticas distintas podem ser corretas para o fisco, qual seria a certa para o contribuinte? Qual garantirá ao Estado a execução de uma dívida certa, líquida e exigível, como prevê a lei? Como poderia prosperar no Judiciário uma execução instrumentada com uma CDA (Certidão de Dívida Ativa) que pode ter três versões diferentes?

Não seria necessária uma linguagem única do meio digital destinada a coibir a formação de débitos espúrios, que poderiam não resistir a uma análise perfunctória em uma ação judicial de conhecimento?

Ou melhor, será que tal análise não seria imprescindível para a obtenção de uma consistência única dos registros tributários e demandaria uma perícia tributária digital, que se recomendaria fosse manobrada pelos contribuintes, mormente nos processos administrativos?

Não seria, portanto, a perícia tributária digital incontornável a se analisar prévia e corretamente a formação das provas eletrônicas que deveriam instruir os autos de infração?

E mais. Considerando que o direito tributário se alicerça no princípio da legalidade e da veracidade, além de vários outros que os assemelham ao direito penal, que exige a formação de tipos únicos para a responsabilização do agente que pratica o delito, não seria justo que uma perícia tributária digital pudesse contribuir para a construção de um sistema tributário eletrônico único, dotado de regras claras insertas como em “manuais para a obtenção, construção e análise das provas tributárias (in)formadas no meio eletrônico”, que as tornassem impecáveis, a não se impedir o direito de defesa ou macular o devido processo legal?

Ou pior ainda, será que os autos de infração que vierem a ser lavrados pelos fiscos em decorrência de “erros” dos contribuintes, a partir de uma linguagem eletrônica incompatível com sua capacidade, não serão certamente anulados, tão logo uma “perícia tributária digital” apure que se lastrearam em informações parciais, inconsistentes e contraditórias, ao contrário de terem sido formadas de maneira única, exclusiva e impecável?

Não se pode permitir, portanto, o aparelhamento de uma execução fiscal com uma CDA, se esta não está revestida de sua exigibilidade, já que lhe foi tirada sua certeza e pode estar sendo travestida em sua liquidez.

  1. 4.                  Conclusão.

Enfim, de agora em diante, tanto os processos administrativos tributários quanto as execuções fiscais lastreadas em CDAs produzidas por intermédio de linguagem eletrônica, de forma unilateral pelos fiscos, advinda de uma comunicação incompatível, desenvolvida e imposta por eles, distante de ser um esperanto binário, deverão ser objeto de uma “perícia tributária digital”, para que se garanta a sua exigibilidade, liquidez e certeza.

Embora a expressão “perícia tributária digital” ainda não exista formalmente, ou não seja manobrada pelos contribuintes, nem mesmo de forma residual, esta passa a ser imprescindível na nova nomenclatura e prática do direito tributário brasileiro que, por ter nova linguagem, construída em um novo suporte físico, o eletrônico, dá aos contribuintes o direito de exercer a sua plena defesa e garantir a busca de uma autêntica “verdade material”, com os mesmo instrumentos que lhe são impostos, através de uma análise especializada na formação e consistência das provas eletrônicas.

Ressalte-se que nos dias de hoje não encontramos a nova “perícia tributária digital”, que ora se sugere, nos artigos acadêmicos, nem mesmo nas intrincadas teses dos mais renomados tributaristas brasileiros, que se acostumaram a enfrentar com maestria a volúpia do fisco brasileiro, mas sempre dentro dos princípios aplicáveis às suas áreas de atuação. Ou seja, todos sempre enfrentaram as questões tributárias dentro de suas competências, mormente através de sua finalidade e legalidade e nunca de seu meio e suporte físico.

Mas o mundo mudou. O Brasil mudou. Um novo mundo nos impele a buscar novos paradigmas. Um alargamento de fronteiras nos força a testar a segurança e eficácia deste novo modelo, para que não fiquem desguarnecidos grandes trechos recém descobertos, especialmente se considerarmos que o meio eletrônico talvez represente a maior, a mais rápida e incontornável modificação ocorrida com o direito brasileiro, desde os seus primórdios.

Uma revolução digna de um “mundo da informação”, que não o transforma, entretanto e de pronto, em uma “sociedade do conhecimento”. Um fato ainda não percebido, mas que movimenta a sociedade civil e empresarial brasileira num todo, já que é patente que o nosso país ainda não é atendido por uma universalização de acesso aos meios tecnológicos e também não está acostumado a entabular um “diálogo” por intermédio de uma complexa linguagem eletrônica, especialmente para impedir, de forma segura, os erros e inconsistências em controles e sistemas eletrônicos impostos pelo fisco.

Frise-se que nem mesmo as maiores empresas do país, que se cercam dos mais avançados hardwares e softwares da atualidade, conseguem estabelecer diálogo seguro e uníssono com os fiscos e estados brasileiros, os quais, diga-se de passagem, não se comunicam, nem se harmonizam entre si. Exemplo disso é a chamada guerra fiscal.

Adicionalmente, cabe destacar o fato de que, para dar certo no meio digital, qualquer prática deve ser planejada e sistematizada, pois, tal como reza o dito popular, primeiro, “deve funcionar no papel”.

Num Brasil que possui um sistema tributário ultrapassado, confuso e injusto, que não funciona nem no papel e clama reformas há décadas, é impossível que a desordem legal seja automaticamente transmutada em ordem alicerçada em normas infra-legais, apenas porque pretendem a União e os Estados brasileiros organizar, de forma sistemática e eletrônica, em tempo real, a baderna, travestindo a sua representação fática e suporte de linguagem tributária, para apenas arrecadar, sem ter que fiscalizar ou apertar os cintos da economia do Estado, em sua cintura paquidérmica, não reduzindo os altos custos de seu déficit fiscal.

É incontornável, portanto, a implementação da nova “perícia tributária digital”, a se apurar e comprovar a consistência das provas produzidas pela linguagem eletrônica, na intersecção que se produz entre estas e as normas contábeis e tributárias.

Sem ela (a perícia) que me perdoem os arautos da eficiência tributária, mas estarão transportando para o umbral dos contribuintes a necessidade da superação de suas falhas, tais como a intransigência fiscal, a letargia em avaliar os sistemas montados na escrituração e a veracidade das informações.

O que é um duelo cruel e injusto, em que os contribuintes brasileiros podem estar enfrentando a foice da arrecadação, armados apenas com uma colher.

São Paulo, 05 de agosto de 2.011.

 Autor: Artigo produzido por Antônio Luís Guimarães de Álvares Otero em 05/08/2011

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This Post Has One Comment

  1. Marli

    Fantástico artigo ! O contribuinte, mais uma vez, se torna um refém.

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