Imaginava-se que apenas grandes empresas estariam sujeitas aos efeitos das novas normas contábeis. Grande engano!

 Era uma vez um Contador que fazia todos os esforços para não desagradar o seu cliente. Entre as suas estratégias, algumas se destacavam, como: passar a maior parte do tempo sem ser percebido, manifestando-se apenas quando solicitado; e adaptar, mesmo que minimamente, as BAS (Boss Accounting Standards, ou Normas de Contabilidade do Chefe) aos Princípios Fundamentais e às boas práticas contábeis, o que exigia dele esforços intelectuais e criatividade, recompensados com conflitos de ordem profissional.

 Certo dia, o Contador se deu conta de que era ele quem mais conhecia os negócios do seu cliente. Além de saber do passado registrado em seus livros, percebeu que era um profundo conhecedor das potencialidades e dos riscos, mas ainda restava um problema: como fazer para que o chefe percebesse que ele não era só aquele profissional tímido e que sua contribuição para os negócios poderia ir muito além de ser aquele “cara que assina os balanços”?

 Mas eis que certo dia, em uma daquelas “reviravoltas do destino” – ditadas sabe-se lá se pela vontade de Deus, por um alinhamento astrológico ou por coisas mais mundanas, como uma sucessão de escândalos financeiros suportados por outros colegas Contadores, cujos chefes mais poderosos também emitiam suas BASs- as condições favoráveis que ele esperava começaram a surgir.

 Capitaneado pelo IASB (International Accounting Standards Board), com início na Europa, rapidamente se irradiou um movimento no sentido de maior transparência em relação às práticas contábeis, exigindo que os chefes parassem de emitir suas BASs ou que os Contadores parassem de aceitá-las. As práticas deveriam ser baseadas nas normas internacionais emitidas pelo IASB, denominadas IFRS (International Financial Reporting Standards).

 Esse movimento chegou ao Brasil e alguns órgãos regulamentadores e fiscalizadores, entre os quais o Conselho Federal de Contabilidade, se uniram e criaram o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), responsável por emitir os Pronunciamentos CPCs, que se alinham às normas internacionais. No início, muitos consideraram que apenas as grandes empresas estariam sujeitas aos seus efeitos. Grande engano!

 Ao serem aprovados pelo Conselho Federal de Contabilidade, os Pronunciamentos CPC tornam-se Normas Brasileiras de Contabilidade e, desta forma, devem ser obrigatoriamente observados pelas organizações, tendo em vista os seus efeitos. Ocorre que o CPC já divulgou o Pronunciamento Técnico PME -Contabilidade para Pequenas e Médias Empresas, relacionado ao The International Financial Reporting Standards for Small and Medium-sized Entities (IFRS for SMEs), o qual foi aprovado pelo Conselho Federal de Contabilidade na forma da NBC T 19.41.

 Pequenas e médias empresas, no âmbito do Pronunciamento Técnico PME, são aquelas que “não têm obrigação pública de prestação de contas”. Em resumo, todas as empresas estão obrigadas a observar as normas contábeis em convergência com as normas internacionais de contabilidade, seja em relação ao conjunto de normas aplicáveis às sociedades anônimas e grandes empresas, seja, em relação à norma específica para pequenas e médias empresas.

 Importante é observar que a classificação de microempresa ou empresa de pequeno porte adotada pelo fisco é exclusiva para efeito de tributação simplificada.

 Mesmo para estas empresas se aplicam os efeitos da norma contábil de pequenas e médias empresas. É interessante observar que, na prática, não há nenhuma grande novidade nisso, uma vez que os Contadores -consequentemente, as empresas- sempre deveriam ter observado o conjunto dos Princípios Fundamentais de Contabilidade, que na essência, garantiriam a integridade das práticas contábeis.

 Em paralelo a isso, outra coisa importante aconteceu para fortalecer a posição do nosso Contador, transformando-o de agente passivo (não vai aqui nenhum trocadilho contábil!) na gestão de muitas empresas em ator importante na vida das organizações.

 O País iniciou um ambicioso projeto inédito no mundo, de escrituração, geração e transmissão de informações contábeis e fiscais sob formato digital. As faces mais evidentes e que já geram efeitos são a Nota Fiscal Eletrônica (NFe) e o Sistema Público de Escrituração Digital (SPED).

 Engana-se quem imagina que estes são projetos que, nas empresas, envolvem exclusivamente a área de Tecnologia da Informação (TI) ou a área de Informática, como muitos ainda tratam. O grande responsável por tudo isso é o Contador, afinal, é dele a responsabilidade técnica pelas informações geradas e transmitidas. O Contador sabe que, de acordo com o Código Civil Brasileiro, ele compartilha responsabilidades com o administrador da empresa, com riscos muito maiores do que no passado.

 Como Contador, sinto orgulho ao perceber que o nosso personagem toma consciência de sua real importância na sua empresa e na sociedade. É ele o responsável pela geração de informação de qualidade, nas quais são pautadas decisões capazes de afetar a vida de muita gente.

 É necessário que o profissional se imponha e que opine, mesmo que desagrade alguns, para não cometer o pecado da omissão; que se negue a aceitar e registrar o que gera conflito com o que IASB chama de true and fair view, isto é, a visão justa e verdadeira do que ocorre nas organizações. Não é uma tarefa fácil ou agradável, mas uma coisa é certa: há muito não se vivia um momento de tão boas oportunidades profissionais. A demanda por bons Contadores é crescente.

 Já que essa história não termina com o clássico “viveram felizes para sempre!”, concluo que um bom contador não é aquele que apenas conhece e aplica todas as normas contábeis, mas aquele que tem capacidade de interpretação e julgamento, que entende o sentido da aplicação das normas e, antecipadamente, vê os seus reflexos no cenário da organização e do mercado.

Fonte:

http://www.dci.com.br/noticia.asp?id_editoria=4&id_noticia=337660