Por Gustavo Saad Diniz
As sociedades cooperativas apresentam peculiar organização societária por gerarem direitos aos sócios em concomitância com a utilização dos serviços da sociedade. Por esse motivo, não há desvinculação entre propriedade e poder de controle nesse tipo societário. Na formação da organização societária das cooperativas é notável que os sócios se agremiam em torno da otimização de resultados e repartição de benefícios decorrentes das sobras operacionais. Não se forma a sociedade a partir da base de capital ou do lucro, mas pelo escopo de compartilhar esforços no desempenho de atividade econômica comum, recebendo as sobras proporcionais aos atos praticados com a cooperativa.
Também por serem as cooperativas sociedades simples, a opção do Código Civil e da Lei nº 5.764, de 1971 é pela facultativa transferência de capital para a formação de patrimônio da sociedade. Assim, o contrato entabulado entre os sócios-cooperados objetiva a criação de uma organização de comunhão de escopo (art. 3º da Lei nº 5.764), sem distribuição de lucros, mas com uma otimização de resultados e repartição de benefícios. Por isso, as cooperativas apresentam somente sobras operacionais, formadoras de capital próprio, a ser reinvestido ou distribuído.
A rigor, o direito à distribuição das sobras das operações da cooperativa deve ser aprovado em assembleia-geral (art. 44, inciso II, da Lei nº 5.764), após a alocação de recursos aos fundos indivisíveis, como reservas, Fates e outros facultativos. Acrescente-se, ainda, que a estrutura societária é baseada em relações entre os cooperados, permitindo a coordenação de toda a cadeia produtiva ou de serviços, gerando-lhes benefícios comuns. Por isso, a participação em cooperativa gera, concomitantemente, propriedade no empreendimento e uso dos benefícios dos atos cooperativos (art. 79 da Lei nº 5.764).
Se aprovado, o PL trará fragilidades para as cooperativas em matéria tributária
As assertivas confirmam três pressupostos: (a) as cooperativas são sociedades simples lastreadas em bases pessoais, sendo irrelevante o montante de participação no capital para delimitação do “status socii” (art. 1.094, incisos V e VI, do CC e art. 4º, incisos V e VI, da nº 5.764/71); (b) a transferência de capital inicial é facultativa, de modo que é o patrimônio ativo que serve de lastro para a responsabilização da cooperativa; (c) a organização da cooperativa pode ser feita com responsabilidade limitada ou ilimitada dos sócios, sendo esta importante variável para verificação do perfil de garantia de pagamentos das dívidas da sociedade cooperativa capitalizada com recursos de terceiros.
Portanto, o conteúdo dos arts. 12 e 410 do Projeto de Código Comercial (PL nº 1.572, de 2011) é muito prejudicial a esse peculiar tipo de organização societária mutualística, que não combina com o regime empresarial. Transferir para a cooperativa a escolha do regime de empresa como matéria de regência poderia trazer desdobramentos severos em relação ao regime de distribuição de resultados, que seriam interpretados como lucros, com desdobramentos perniciosos em matéria tributária. Também problemas relativos à dissolução da sociedade e repartição de fundos e reservas obrigatórias entre os cooperados como acervo, desvirtuando a indivisibilidade do Fates (art. 28, inciso II, da Lei nº 5.764). Outro desdobramento seria em relação ao aumento da relevância do capital, em detrimento do trabalho do cooperado; assim como instabilidade do regime tributário. Isso porque se a Constituição Federal estabelece que a lei complementar deve dar o adequado tratamento tributário ao ato cooperativo (art. 146, III, “c”, da CF), ao submeter a cooperativa ao regime empresarial poderá ser desqualificado o ato cooperativo para atividade negocial comum, sujeita à tributação integral e sem o estímulo do art. 174, parágrafo 2º da CF.
Outra observação atinge o regime de recuperação da empresa e da falência que não podem ser transplantados para o ambiente cooperativista sem adaptações que levem em consideração as peculiaridades do modelo societário, especialmente a ausência de finalidade lucrativa nas cooperativas e o retorno das sobras líquidas do exercício aos associados, proporcionalmente às operações por eles realizadas.
Finalmente, se aprovado, o PL nº 1.572 trará fragilidades imensas para as cooperativas em matéria tributária (como se disse, com perda da tese de adequado tratamento ao ato cooperativo), em matéria trabalhista – que recentemente foi inovada pela Lei nº 12.690/2012 – e com a desestruturação de cooperativas de consumo qualificadas como empresa e o reconhecimento do cooperado como consumidor.
Gustavo Saad Diniz é advogado e professor doutor de direito comercial da USP-FDRP
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Fonte: Valor Econômico/fenacon.org.br