A discussão que ganha causa está associada à responsabilização do adquirente de mercadoria quando da declaração de inidoneidade das notas fiscais emitidas pela empresa vendedora.
Nesse sentido, no que concernem as operações com circulação de mercadorias, a Fazenda Pública fechou o cerco sobre a emissão de documentos fiscais inidôneos, efetuando autuações nas pessoas dos adquirentes das mercadorias. A justificativa ocorre ao passo que os documentos emitidos são utilizados no creditamento do ICMS na operação subsequente, ou seja, o adquirente compra a mercadoria, recebe a nota fiscal com recolhimento de ICMS e na revenda da mesma poderá utilizar esse ICMS recolhido como crédito.
Visto o crescente número de autuações e recursos interpostos pelos adquirentes, o Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo reuniu-se no final de maio de 2012 para firmar decisão modelo e requisitos a serem analisados antes da imposição de infração[1]. Determinando-se melhor julgamento no procedimento fiscalizatório, bem como no processo de declaração de inidoneidade, respeitando-se a irretroatividade dos efeitos de sua publicação e a boa-fé do adquirente que efetuou a operação com as mercadorias anteriormente à instauração de qualquer fiscalização sobre a empresa vendedora.
O sistema tributário brasileiro firmou em sua legislação que a prestação de pagamento e recolhimento de tributos são devidos por aquele que coaduna com o fato ensejador da hipótese de incidência. Nos artigos 121 e 122, do Código Tributário Nacional, expressa-se a qualificação de cada indivíduo para seu enquadramento como devedor da Administração Pública.
Visível de se constatar é que a legitimidade do sujeito passivo na relação tributária deve ser demonstrada no seu enquadramento nos preceitos legais, isto é, nos requisitos que o caracterizem como contribuinte ou responsável.
Devemos observar que há situações as quais o imposto sofrerá a tributação em forma de substituição, ou seja, a responsabilidade de arcar com o tributo é direcionada a outrem. Entretanto, a responsabilidade por substituição exige que haja conexão entre o fato e o indivíduo.
Porém, no que diz respeito aos documentos inidôneos, a Fazenda tem apresentado como sujeitos passivos terceiros à relação jurídico-tributária que não concorreram para a fraude fiscal.
O processo de declaração de inidoneidade deve respeitar um procedimento específico na fiscalização, como bem demonstra o Ofício Circular DEAT — G — Série “O&M” 06/94, e as Portarias CAT 19/2001 e 67/1982.
As orientações são de que o fiscalizador proceda as diligências para constatar a devida situação do estabelecimento comercial e, também, imprescindível à localização dos representantes legais. Após, será lavrado o Termo de Diligência Fiscal com todos os fatos descritos pelo agente fiscal, um Relatório de Apuração e a Declaração de Inidoneidade, fundamentada pelas provas colhidas.
Desse modo, a fiscalização tributária deve, essencialmente, localizar a empresa, bem como seus representantes legais, que emitiu as notas fiscais até então consideradas como inidôneas. Localizando-se a empresa, é cediço que o possível Auto de Infração e Imposição de Multa deva incidir sobre a mesma e não perante o terceiro.
Entende-se que o processo de declaração de inidoneidade deve esgotar todos os meios para localização do contribuinte que emitiu as notas fiscais consideradas frias. A falta de requisitos essenciais para o procedimento administrativo fica caracterizada com a consequente nulidade do ato, uma vez que não observou todos os pressupostos necessários para sua validade. [2]
Tem-se observado que no processo de declaração de inidoneidade a Administração Pública retroage os efeitos da declaração, por muitas vezes, a data do início de atividade da empresa emitente das notas fiscais consideradas “frias”.
Porém, a retroatividade de efeitos é ilegítima, tendo em vista que a publicidade do ato administrativo ocorre após as operações efetuadas entre as partes, isto é, se a ciência da empresa adquirente de que a empresa emitente de notas fiscais estava sendo fiscalizada e da constatação de irregularidades deu-se após a finalização das operações não é possível a retroatividade e responsabilidade do adquirente.
Desse modo, o efeito da cassação da inscrição estadual e consequente consideração de inidoneidade de uma empresa não tem o condão de retroagir, seus efeitos não são ex tunc, mas sim ex nunc, ou seja, do momento da decretação de cassação e inidoneidade para frente, uma vez que os atos administrativos somente produzem efeitos a partir de sua publicação.
E assim afirmamos categoricamente: “o adquirente da mercadoria não pode ser responsabilizado pelo pagamento do ICMS pela operação que corretamente efetivou com pessoa jurídica inscrita com cadastro ativo e regular, ainda mais pelo fato de comprovação nos documentos fiscais”.
Outro aspecto que se fixou no julgamento realizado pelo TIT está na comprovação de boa-fé do adquirente. No acórdão julgado em 29 de maio de 2012, o TIT declarou que para caracterizar a boa-fé do adquirente e fazer jus ao crédito de ICMS há necessidade de: demonstração de veracidade da operação de compra e venda; declaração de inidoneidade posterior à celebração do negócio jurídico efetivo e consequente emissão das referidas notas fiscais; comprovação de que o adquirente verificou a regularidade da empresa; comprovação de pagamento às empresas cujas notas foram declaradas inidôneas.[3]
Fica confirmado que o adquirente ao atuar de boa-fé, efetuar o pagamento das operações com mercadorias, bem como a empresa vendedora estar à época da operação em situação regular, não há que se falar em responsabilização do mesmo. Salientamos veementemente: “a responsabilidade tributária somente pode ser conferida por lei e, ainda, quando o sujeito participar ou se beneficiar da situação errônea perante o Fisco”.
Nesse diapasão, é mister que a responsabilização do terceiro deverá ser imputada somente nos casos de não enquadramento nos requisitos, de modo contrário, configurar-se-á poder abusivo e ilegal.
[1] A decisão foi proferida pelo Tribunal de Impostos e Taxas. Recurso Especial 296166/2010. Câmara Superior. Relator: Juiz Gianpaulo Camilo Dringoli. Sessão: 29/05/2012. [2] Esse é o entendimento do TIT. Processo DRT 14 – 1257/1990. J: 25/08/1998. [3] Tais requisitos podem ser vistos no Tribunal de Impostos e Taxas. Recurso Especial 296166/2010. Câmara Superior. Relator: Juiz Gianpaulo Camilo Dringoli. Sessão: 29/05/2012. p 7/8.Norma Gavilãn Tonellatti é advogada.
Revista Consultor Jurídico
Fonte: tributario.net