Grande trunfo do governo no mais recente pacote de estímulo à economia, a desoneração da folha salarial ameaça complicar tremendamente a vida de algumas das empresas beneficiadas. Na teoria, é simples: 15 setores deixam de recolher os 20% da contribuição patronal do INSS sobre a folha e passam a recolher 1% ou 2% sobre seu faturamento. Na prática, a coisa é bem mais complicada.
Para começo de conversa, a desoneração não atingiu setores inteiros. Ela se refere a uma longa lista de produtos que veio anexa à Medida Provisória 563, que regula o benefício.
Assim, uma empresa tem direito à desoneração da folha conforme os bens que produzir. Se ela fabricar um produto que está na lista e outro que não está, o benefício tributário será proporcional à participação de cada produto em sua receita bruta. Nesse cálculo, terá de ser levado em conta também o que é exportado, pois nesse caso o produto fica isento da contribuição de 1% ou 2% sobre o faturamento.
Essa não é a dificuldade mais grave, garante o assessor econômico da presidência da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), Mario Bernardini. O maior problema é definir exatamente quais produtos foram beneficiados pela MP. A lista não tem nomes de produtos, e sim códigos da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM), um padrão internacional. E eles se referem a famílias de produtos, e não a produtos específicos.
Assim, por exemplo, a MP diz que medidores de pressão estão beneficiados pela desoneração. Mas há medidores de pressão utilizados em equipamentos industriais e medidores de pressão arterial, aqueles utilizados por profissionais de saúde. “O primeiro é beneficiado, o segundo não, mas os dois têm o mesmo NCM”, disse Bernardini.
O acordo era que bens de capital mecânicos seriam alvo da desoneração.
Assim, tudo o que é utilizado na produção é atendido, o que é para consumo não é. Aparelhos de ar condicionado domésticos não são beneficiados, os de uso industrial sim. Bombas para obras em saneamento básico são desoneradas, bombas para piscina não. “Quem fabrica vários tipos de bomba está frito”, comentou o executivo.
Nem tanto pela dificuldade de definir o valor da guia de recolhimento ao INSS. “Isso, um programa de computador resolve”, disse. A questão é diferenciar o que está abrangido pela MP e o que não está. “Sinceramente, não sei como fazer”, confessou Bernardini. “Vamos ter de abrir a nomenclatura, não sei.”
Importados. Se é difícil ao setor saber o que está beneficiado pela MP e o que não está, também será difícil à Receita Federal definir quais produtos passarão a pagar 1 ponto porcentual a mais de PIS/Cofins na importação. A MP diz que os similares importados dos produtos beneficiados pela desoneração pagarão essa taxa extra.
O assessor da Abimaq explicou que o setor decidiu priorizar, na negociação com o governo, a obtenção do benefício. “Primeiro, era conseguir a desoneração”, disse. Agora, começa outra rodada de conversas para decidir como implementá-la.
O setor está passando um pente-fino na lista, para ver se houve algum erro ou omissão. O mesmo está fazendo a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee). O governo já deu sinal verde para correções, que serão feitas no Congresso. Também está aberta a possibilidade de incluir mais setores na lista.
Mesmo dentro do governo, reconhece-se que a desoneração será de implementação complicada. Também deverá gerar muitos autos de infração da Receita sobre as empresas, por divergência de interpretação.
Lu Aiko Otta – JORNAL DA TARDE – ECONOMIA