Para o fisco independe se o remetente da mercadoria é uma filial do estabelecimento destinatário ou pessoa jurídica diversa. Há muito vem se discutindo a legitimidade de contribuintes serem penalizados em razão de se aproveitarem de benesses fiscais concedidas pelos diferentes Estados da Federação ou do Distrito Federal. Benefícios estes outorgados com o claro objetivo de atrair para seu território investimentos privados. Tal discussão se dá em virtude de limitação constitucional consignada no artigo 155, parágrafo 2º, XII, g, da Constituição Federal, dispositivo regulado pela Lei Complementar nº 24/75, que expressamente determina que as concessões de incentivos financeiros fiscais concedidos pelos Estados só são válidos se, e somente se, concedidos nos termos de convênios celebrados e ratificados pelos Estados e Distrito Federal no âmbito do Conselho Nacional da Política Fazendária (CONFAZ).
No mais das vezes, os Estados concedem benefícios diversos, representados por reduções indiretas de base de cálculo, alíquotas ou financiamentos, em longo prazo, do pagamento de tributo, mais precisamente do ICMS (Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação), considerados por outro Estado, normalmente o prejudicado, como incentivo ilegítimo, e, portanto, indevido. A formalização do entendimento de ilegitimidade do benefício vem, quase sempre, acompanhada de um auto de infração e imposição de multa.
O Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo é um exemplo desse entendimento, e vem confirmando as autuações, salvo raras exceções, inclusive em sede de sua Câmara Superior, o que, em tese, põe fim a discussão administrativa. O entendimento do fisco paulista, assim como o dos demais fiscos, refletido nas decisões do seu tribunal administrativo, pode ser assim resumido: o benefício fiscal concedido no Estado remetente não se encontra autorizado pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). Como tal, o referido benefício não obedece aos requisitos necessários à sua concessão, requisito este determinado pelo artigo 1º da Lei Complementar nº 24/75, o qual determina que “serão concedidos ou revogados nos termos dos convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal”.
A inobservância do requisito referido, nos termos do artigo 8º da Lei Complementar nº 24/75, acarreta, cumulativamente, a nulidade do ato e ineficácia do crédito fiscal atribuído ao estabelecimento recebedor da mercadoria, e a exigibilidade do imposto não pago ou devolvido e a ineficácia da lei ou ato que conceda a remissão do débito correspondente. Por fim, que a lei paulista considera como não cobrado, ainda que destacado em documento fiscal, o montante do imposto que corresponder à vantagem econômica decorrente de concessão de qualquer subsídio, redução de base de cálculo, crédito presumido ou outro incentivo ou benefício fiscal em desacordo com o disposto na Constituição Federal.
Para o fisco independe se o remetente da mercadoria é uma filial do estabelecimento destinatário ou pessoa jurídica diversa. Para a glosa ocorrer independe se os estabelecimentos estão ou não vinculados ou se tratam de estabelecimentos da mesma pessoa jurídica. Embora seja consenso de que, ainda que um determinado incentivo revista-se de eventual ilegalidade e inconstitucionalidade, não pode o Estado “prejudicado” pretensamente recuperar seu prejuízo mediante a glosa dos créditos fiscais apurados pelo contribuinte destinatário da mercadoria, sob o argumento de que o mesmo se beneficiou de incentivo ilegítimo.
Isso porque, as normas jurídicas gozam de presunção de legitimidade, validade e eficácia, e só deixam de ter tais efeitos quando afastadas do sistema jurídico por um dos instrumentos por ele designados para tanto (revogação ou decisão do Poder Judiciário, transitada em julgado, situações que normalmente não ocorrerem quando das autuações). Além disso, necessariamente o Estado destinatário não é prejudicado em função do incentivo concedido, isso porque se o mesmo não fosse outorgado, o valor do crédito glosado não é destinado aos seus cofres, mas sim ao estado de origem – se prejudicado há, é o Estado concessor, que abre mão de sua receita tributária, em face de promover o desenvolvimento regional e fomentar sua economia.
Este entendimento tem encontrado respaldo em recentes decisões dos Tribunais superiores, em especial a 2ª turma do Superior Tribunal de Justiça, e o Supremo Tribunal Federal, através de vários votos de seus ministros, principalmente em Medidas Cautelares em Ação Direta de Inconstitucionalidade. Todavia, neste momento, as decisões dos tribunais superiores não têm arrefecido a iniciativa das autoridades, muito menos adequado a jurisprudência administrativa aos seus ditames, como deveria se dar diante do entendimento das cortes judiciais, o que representa dizer que os contribuintes destinatários das mercadorias continuarão a ter seus créditos glosados, não restando às empresas outra alternativa que não a propositura de ação judicial própria para evitar todos os malefícios da indevida exigência fiscal.