O Supremo Tribunal Federal julgou em 1º de agosto o RE 388.312 apresentado pelo Sindicato dos Bancários de Belo Horizonte, que pretendia obter a correção da tabela de retenção do imposto de renda de acordo com a variação da UFIR.

Todos devemos nos envergonhar desse julgamento. Primeiro, pela sua demora, pois a decisão aguardou mais de oito anos para ocorrer. Depois, por representar mais uma das muitas injustiças que se cometem contra os contribuintes brasileiros. Esta bem mais grave que as demais, por alcançar aquele que tem retenção de imposto sobre seus salários e a quem não se oferece defesa contra o assalto de que é vítima.

Os argumentos da decisão negam a verdadeira e única função de um tribunal, que é fazer justiça. O juiz que afirma não ter competência para substituir o legislativo neste caso, deve procurar um oftalmologista, pois já não está vendo quase nada.

A lei que fixa a retenção do imposto de renda pode e deve ser examinada pelo Judiciário e deve ser declarada sem valor quando nega vigência às normas constitucionais.

A Constituição Federal não é uma mera carta de intenções, um manual de regras que vamos ou não cumprir de acordo com as nossas conveniências. Trata-se da Lei das Leis, no nosso Estatuto Maior, sem o qual nosso país se tornaria apenas um monte de gente entregue à própria sorte. Muitos brasileiros correram risco de vida (alguns morreram) para que isso aqui se tornasse uma democracia.

O preâmbulo da Carta diz que o nosso estado Democrático é “destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança…a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna…”

A mesma constituição no artigo 150, IV, proibe usar o imposto com efeito de confisco e ao aplicarmos o artigo 7º, VI, bem como os demais direitos sociais assegurados ao trabalhador, veremos que ao não corrigir a tabela do imposto de renda pelos índices integrais da inflação, estamos reduzindo o salário ou o rendimento do contribuinte, de forma totalmente injusta.

O fator gerador do imposto de renda é a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica. Havendo inflação num determinado período, claro está que o rendimento deve ser corrigido, sob pena de perda real do rendimento.

Ao não permitir a atualização monetária integral e automática dos valores da tabela, a legislação viabiliza a incidência do tributo não sobre o “rendimento”, mas sobre parcela do rendimento que não existe, posto que corroida pelo impacto inflacionário. Trata-se, portanto, de uma tributação de característica confiscatória, contrariando expressamente o que estabelece o artigo 150, inciso IV, da Constituição Federal.

A Constituição proíbe tributo com efeito confiscatório nesse artigo, mas é exatamente isso que está acontecendo no caso das pessoas físicas quando não se permite a correção da tabela de retenção.

Além de corrigir a tabela da retenção, o governo precisa também atualizar os valores dos abatimentos, pois são ridículos os valores hoje vigentes para pagamento de escolas e sustento de dependentes.

A legislação do imposto de renda possuía normas expressas, até 1988, no sentido de que todos os valores expressos em moeda deveriam ser corrigidos anualmente, conforme a variação do custo de vida. Era a correção automática de todos os valores. Quando isso foi extinto, instaurou-se a injustiça e a prática do confisco, não apenas na retenção do imposto, mas também nas injustas limitações dos diversos abatimentos que a lei prevê, como os relacionados com educação e dependentes.

Corrigir a tabela e também os valores dos abatimentos do imposto de renda é uma simples questão de justiça, para diminuir o confisco de que são vítimas os trabalhadores. Enquanto isso não acontecer, somos todos vítimas de um fisco voraz, a serviço de um governo incompetente e insensível.

O voto do ministro Marco Aurélio, que ficou vencido, traz todos os ingredientes para que a verdadeira justiça se fizesse. O voto inteiro mereceria transcrição, mas limitemo-nos ao seguinte trecho: “Os princípios da legalidade, da capacidade contributiva e do não-confisco direcionam, a mais não poder, à atualização automática da tabela decorrente da Lei 9.250/95 – mantendo-a com a mesma força normativa que tinha em 1995, e aí, cumpre notar a conversão dos débitos fiscais, das pessoas naturais, da expressão Ufir para reais…”

Ora, se o poder público cobra correção monetária quando o particular vai pagar tributos em atraso, isso é uma declaração oficial de que existe uma inflação, uma perda do poder aquisitivo da moeda nacional que exige indexação, tenha isso o nome que se lhe queira dar.

Como diz o ministro Marco Aurélio em seu voto: “O Estado não pode ludibriar, espoliar ou prevalecer-se da fraqueza ou ignorancia alheia. Não se admite que tal ocorra nem mesmo dentro dos limites em que seria lícito ao particular atuar.”

Quando o cidadão assiste a uma demora de mais de oito anos na mais elevada corte de Justiça do País e constata que ela consagra a iniquidade, aceita e hipocrisia e enaltece o confisco como forma de arrecadar imposto, chega a duvidar que estamos num Estado Democrático de Direito.

Todos acreditamos no Judiciário. Mas quando princípios constitucionais são ignorados apenas para justificar cobrança de imposto que é claramente confiscatório, essa crença diminui um pouco. Não se pode imaginar que os tribunais venham se transformando em agências de arrecadação.

FONTE: CONJUR