Para viabilizar os planos, o governador deve manter a política de substituição tributária, que gerou polêmica entre empresários e a Fazenda estadual na administração anterior, do também tucano José Serra. O secretário também promete ser mais duro com o uso de incentivos fiscais concedidos por outros Estados. Diz que aumentará a fiscalização e terá “tolerância zero” com benefícios ilegais.
Calabi retoma proposta de seu antecessor na Fazenda, Mauro Ricardo Costa, de aplicar 4% de alíquota interestadual de ICMS como forma de amenizar a guerra fiscal, com o restante do imposto ficando com o Estado de destino da mercadoria. Ao contrário de Costa, o atual secretário admite a possibilidade de o Estado perder receita e recuperar a arrecadação com o crescimento econômico do país.
Com exceção da concretização da venda da Cesp, que ficou pendente da gestão anterior, Calabi esclarece que há poucos ativos disponíveis para gerar receitas extraordinárias. Na falta, o governo aposta em eventuais fontes novas de recursos. Desde o início do ano, a secretaria da Fazenda elabora um projeto de lei para possibilitar a fiscalização no pagamento de royalties sobre a exploração de petróleo. O projeto deve ser encaminhado à Assembleia Legislativa nos próximos três meses.
Outra proposta estudada pelo governo é a cobrança da contribuição de melhoria, um tributo previsto na Constituição Federal, mas praticamente inexplorado por Estados e municípios. A ideia é instituir a cobrança sobre os benefícios trazidos por obras públicas de infraestrutura voltadas para atender a demanda da Copa do Mundo de 2014.
Não é a primeira vez que Calabi integra a equipe de governo de Alckmin. Na gestão passada do governo, Calabi foi secretário do Planejamento entre 2003 e 2005. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Valor: O governador discutiu com a presidente Dilma o limite do endividamento do Estado. Quais as intenções do governo estadual e qual a resposta do governo federal?
Andrea Calabi: Dentro dos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal e do Programa de Ajuste Fiscal, São Paulo tem um espaço adicional de financiamentos novos da ordem de R$ 15 bilhões, compondo estimativa preliminar de pelo menos R$ 80 bilhões de recursos para investimentos nos próximos quatro anos da gestão do governador Alckmin. O governador fixou uma prioridade meta e cobra para ter esse espaço de investimentos. Esse montante mantém em termos reais os valores alcançados nos quatro anos precedentes, quando foram investidos R$ 62 bilhões. Desse valor, R$ 26 bilhões vieram de fontes extraordinárias, que foi a venda da folha [de pagamentos] para a [Nossa] Caixa, a venda da Nossa Caixa para o Banco do Brasil, a outorga do ramo Leste e Sul [do Rodoanel] e alguns financiamentos adicionais.
Valor: Esta gestão terá recursos extraordinários de natureza semelhante?
Calabi: Os recursos extraordinários que se imaginam são muito mais reduzidos. A primeira observação é que o esforço vindo de fontes próprias, tributárias, no financiamento desses investimentos é maior do que foi na última gestão. E das fontes extraordinárias, justamente, cerca de R$ 15 bilhões são novos financiamentos, que é um espaço possível. Na gestão anterior foram contratados R$ 10 bilhões em financiamentos e executados cerca de R$ 5 bilhões. A gente tem espaço tanto para execução quanto para a contratação de novos. O fato é que os investimentos estão da ordem de 15% da receita líquida, que é bastante. A média de investimento do governo do Estado nos últimos 20 anos foi de cerca de US$ 2 bilhões por ano. Nos últimos quatro anos pulou para mais de US$ 8 bilhões. Multiplicou por quatro, em dólares. O dólar ajudou um pouco, porque teve a valorização do real. Mas foi um salto significativo, não só permitido do lado da fonte de recursos, que é a fonte primária de recursos, fontes próprias, bem como as extraordinárias, como a venda de ativos.
Valor: O sr. está contabilizando nas receitas extraordinárias a realização da venda da Cesp?
Calabi: É uma hipótese, ainda dependente em larga medida das decisões do governo federal sobre a renovação da concessão das usinas que vencem. Tem um cômputo preliminar de venda da Cesp, derivado do valor da companhia vezes a participação do governo do Estado e abatido o que a achamos que pode ser um custo de renovação das usinas. Os números estimados até agora da participação do Estado na Cesp não estão muito longe de R$ 6 bilhões, sem o abatimento dos custos de renovação.
Valor: Há expectativa da venda de outros ativos?
Calabi: Pode ter venda de outros ativos, mas é um imóvel aqui, um terreno lá. Não tem nada de muito relevante. O que tem de importante como composição de fontes extraordinárias é justamente a obtenção de novos financiamentos relativos a novos ou conhecidos projetos de investimento, como a linha seis do metrô, a duplicação da Tamoios, o Rodoanel Norte.
Valor: O resto será de receita ordinária, de arrecadação?
Calabi: Está se imaginando uma continuação da arrecadação que obtivemos nos últimos anos. Estamos com orçamento de R$ 140 bilhões para 2011, dos quais entre R$ 100 bilhões e R$ 110 bilhões de ICMS e R$ 30 bilhões de outros impostos. Tem uma base tributária de ICMS muito relevante.
Valor: Quais serão as medidas para manter a arrecadação? O governo deve ampliar a política de substituição tributária, que na gestão passada gerou polêmica com empresários?
Calabi: A substituição teve um resultado muito importante do ponto de vista de elevação da arrecadação e da redução de sonegação. Uma das reclamações em relação a esse sistema é em relação à margem. No sistema de substituição tributária você arbitra uma margem média para a etapa a jusante. Todos os que têm uma margem superior à margem média arbitrada estão felizes e todos os que têm uma margem inferior estão infelizes.
Valor: O sistema vai ser ampliado ou reduzido?
Calabi: Basicamente será mantido. Não deve ter mudança. Estamos permanentemente ajustando, mas não acho que conseguimos ampliar muito e não temos intenção de reduzir.
Valor: Como está a expectativa de comportamento de arrecadação neste ano?
Calabi: Está muito boa. Estamos apoiados em uma estimativa formada com premissas de 4,5% de crescimento da economia e 4,5% de preços. Mas depende muito de como andar o ano. Se o rigor do controle fiscal federal for muito forte, ele funciona bem no sentido de conter preços, mas contém crescimento também.
Valor: Há um estudo para projeto de lei de fiscalização da base para cálculo dos royalties do petróleo…
Calabi: Sim, os royalties do petróleo são uma fonte importante. Tem prospecção de gás a curto prazo na Bacia de Santos e grande expectativa do pré-sal. São fontes muito relevantes para São Paulo, quer diretamente pelos royalties do petróleo, quer indiretamente pela indústria que se instala apoiada no novo gás que vem. A base tributária importante de São Paulo é o seu desenvolvimento. Nosso desafio sobre a base tributária é manter a base industrial, o que faz com que a gente enfrente a guerra fiscal. A gente tem que dar ganhos de produtividade e se houver casos de competição com outros Estados por investimentos e eles dependem de incentivos dados fora da base do Confaz, nós pretendemos ser competitivos.
Valor: Então a fiscalização sobre créditos de incentivos fiscais de outros Estados vai continuar?
Calabi: Eu pretendo ampliar. Haverá política de tolerância zero a créditos falsos, concedidos fora do sistema.
Valor: Mas a Fazenda tem percebido que existem benefícios fora da glosa atual e que podem ser incluídos na fiscalização?
Calabi: Permanentemente. Estão inventando o tempo todo e nós estamos acompanhando. Porque na verdade é um dever de gestão fiscal cobrar o tributo corretamente. Se sabemos que o crédito foi dado sem autorização, que alguém declara 12% quando pagou 3%, é preciso glosar.
Valor: São Paulo tem proposta para a guerra fiscal?
Calabi: Tem uma resolução do Senado, que reduz a zero a alíquota interestadual de importação por Estado, para os casos em que não se adiciona valor a essa importação, em que não há transformação industrial. Acho uma bela proposta, extremamente importante para o atual desafio industrial, mas nós achamos que é preferível em vez de reduzir a zero reduzir a uma alíquota baixa, de 4% para o Estado importador. Uma alíquota de 4% permite que o Estado exportador de um certo produto ainda tenha interesse na fiscalização do produto, no acompanhamento, de onde ele veio, para onde ele vai. E o outro Estado consegue com tranquilidade creditar esses 4%, abater do seu imposto, da circulação de mercadorias. Se outros Estados passarem a entender isso, reúnem-se possibilidades de fazer uma convergência de mudanças relativamente simples no âmbito do Confaz mesmo.
Valor: Mas isso seria aplicável no geral, não só para o ICMS da importação?
Calabi: É, no geral. Eventualmente essa pode ser uma construção. A solução da guerra fiscal requer que seja de certa facilidade de adoção. Fazer uma coisa concatenada, integral, do IVA federal partilhando, reunindo todos os impostos federais e o sistema de partilha entre União, Estados e municípios é muito complexo. A estrutura industrial brasileira está fortemente ameaçada pela competitividade asiática. Estamos com a moeda valorizada, o que barateia importações. O grosso dos estímulos fiscais se dá sobre as importações e exportações. Sobre a importação, desonerando na entrada, com diferimento do ICMS. O fato é que o incentivo está se dando sobre a importação e os novos projetos das empresas têm coeficientes de importação superiores aos seus concorrentes estabelecidos aqui. Uma montadora que se instala em Suape, em Pernambuco, por exemplo. Ela tem diferimento de ICMS na entrada e abatimento do imposto na saída, zero de PIS e Cofins porque o governo federal concede crédito dessas contribuições. E saiu decreto no fim do ano que zerou o IPI. O projeto de uma montadora em Suape tem coeficiente de importação muito maior que o de uma montadora em outro local, provavelmente.
Valor: Mas São Paulo não perderia arrecadação em uma alíquota interestadual de 4%?
Calabi: Eventualmente São Paulo pode perder alguma arrecadação. São Paulo é solidário com medidas que reduzam disparidades interregionais de renda no país.
Valor: Mas o sr. acha que a perda de arrecadação deve ser reposta por algum fundo?
Calabi: Não. Eu diria que são perdas as velocidades relativas de crescimento. O país quer restabelecer uma trajetória histórica de crescimento. No século passado a gente cresceu em média 5% ao ano, todo o século. Se a gente recompor, no fundo estamos falando de velocidades relativas.
Valor: Há estudos técnicos da secretaria para instituir a contribuição de melhoria…
Calabi: Sim, isso está em estudo. Em geral nem prefeituras e Estados sabem usar como parte do financiamento a valorização derivada do projeto.
“Um trem que vai de um bairro de São Paulo ao ABC (…) provoca valorização e vamos cobrar [contribuição de melhoria]”
Valor: O sr. acha que a cobrança pode ser feita em relação a essas grandes obras de infraestrutura no Estado?
Calabi: Sim, especialmente quando se tem áreas controladas. Num lugar com estação de metrô, com enorme valorização imobiliária originada do metrô, talvez seja mais difícil. Mas em uma estrada vicinal que passa por quatro ou cinco fazendas é possível verificar a melhoria e cobrar. Um projeto de um trem que vai de um bairro de São Paulo ao ABC, que chega a um enorme terreno de uma grande empresa, por exemplo. Vai haver valorização e vamos cobrar. Há casos em que é possível.
Valor: E a disputa pelo ICMS sobre compras por meio eletrônico, em que os demais Estados querem uma parte do imposto recolhido hoje para São Paulo?
Calabi: É preciso ter critérios mais claros. Outros Estados estão incomodados porque deixam de ter o imposto. Entendo que eles queiram fazer esse recolhimento, mas a legislação estabelecida diz que é na origem. E amanhã, o que vai de caminhão, com alguém que entrega em outras formas de venda direta? É preciso fazer a proposta direito para não abrir precedentes. Não é muito adequado criar subconjuntos como forma de pressão num órgão como o Confaz, em que as decisões são por unanimidade.
Valor: O sr. se refere à reunião entre os Estados do Nordeste, sobre o ICMS eletrônico?
Calabi: Sim, estamos vivendo uma série de casuísmos.
Valor: Em relação às obras estaduais, muitas delas, como o Rodoanel, têm grande participação do governo federal. Esse corte anunciado pela presidente vai influenciar de alguma forma no andamento das obras?
Calabi: No caso do Rodoanel não. É uma obra de R$ 5,5 bilhões aproximadamente, com um terço que é orçamento do Estado, um terço que é PAC federal e um terço é financiamento do BID. O governo federal foi atrás e tem sido sempre presente. Os pedidos de qualquer endividamento interno, BNDES, da Caixa, você também tem que estar dentro dos limites de empréstimo do setor público e dessas instituições financeiras. O governo federal sempre esteve junto dentro das regras dos entes. Esses cortes não afetam esses investimentos, porque no fundo é o PAC velho, PAC 1. Afetam o PAC 2, mas apenas no curto prazo.
Valor: O governo estadual vai pedir novas parcerias com o federal para grandes obras de infraestrutura?
Calabi: Existem esforços conjugados. Por exemplo, o governo federal, que é quem tem o poder sobre aeroportos e estradas de ferro. Se ele passa a fazer concessões aos Estados, evidentemente ganhamos esse espaço. A exemplo do porto de São Sebastião. O governo federal renovou a concessão do porto de São Sebastião para o governo do Estado por 20 ou 30 anos. Isso permite ao governo do Estado que faça uma subconcessão por PPP, um projeto de desenvolvimento que está em curso, que é a duplicação da Tamoios, o que melhora o porto.
Valor: O sr. acha que é possível ter concessões novas?
Calabi: Eu acho que sim. As mais claras enunciadas são aeroportos. Tem uma dúzia, quinze no Estado que são federais e poderia ter concessão para o Estado, que permitiria desenvolvê-los de uma forma ou de outra. Depende do governo federal dar espaços de concessões para o Estado ganhar graus de liberdade no desenho de modelos. Aeroportos é um exemplo, estrada de ferro é outro. Na área ferroviária é possível tentar fazer no transporte por trens o que o Estado já tem em transporte rodoviário.
Valor: Novas parcerias são viáveis, mesmo nesse quadro de cortes do governo federal?
Calabi: Sim. A reunião do governador Geraldo Alckmin com a presidente Dilma foi boa. Há uma ideia de que se há restrições fiscais e se quer promover investimentos, a única forma é mobilizar capitais privados por projetos de interesse das empresas, por PPP ou concessão.
Valor: O governador Alckmin pediu a troca do indexador da dívida?
Calabi: Não. Temos dúvidas sobre o momento mais adequado para isso. Ao discutir o IGP-DI você abre brecha para trocar o contrato da rolagem da dívida. Se discutirmos o contrato é evidente que muita gente vai querer mudar. Você destampa uma caixa de Pandora. Acho delicado.
Fonte: Valor Economico