A EC 87/15 trouxe uma mudança significante para as empresas que realizam suas vendas de maneira remota. Tal legislação busca minorar a guerra fiscal no âmbito da cobrança de ICMS, cabível aos Estados da Federação, mas que há tempos não conseguem harmonizar a tributação quando o assunto é a circulação de mercadorias entre estes Estados.
Vendas a distância
A forma de comercialização nos últimos anos sofreu significativas mudanças com o advento da tecnologia. No passado, as pessoas compravam na loja do bairro, pessoalmente. Muitas vezes tinham as chamadas “cadernetas” tamanha a pessoalidade. Com o passar do tempo, surgiram as redes de lojas, os shoppings e mais inovador ainda as vendas remotas.
Inicialmente devemos entender as vendas remotas. Podemos elencar como vendas remotas as realizadas via internet, telemarketing e showroom. Basicamente neste tipo de venda os produtos são remetidos do Estado produtor diretamente ao consumidor final.
Mais acertado é que na atualidade as vendas online se tornaram uma constante nos mais distantes rincões de nosso país, com dimensões continentais. A facilidade de encontrar novidades pela internet resulta naturalmente na aquisição de bens de consumo por este meio, dado que muitas vezes as novidades se concentram em grandes centros produtores/importadores e superam os comerciantes locais.
Desta forma, a mudança trazida pela EC 87/15 traz impactos substanciais no processo das empresas que praticam este tipo de comercialização, pois são atores indispensáveis na nova forma de distribuição deste imposto, bem como, trará impactos na arrecadação dos estados que concentram estas empresas.
O ICMS nas operações interestaduais antes da EC 87/15
A incidência do ICMS está atrelada especialmente na circulação de mercadorias. Ou seja, quando há a comercialização de produtos lá está a tributação devida ao estado. Entretanto, quando falamos de vendas cuja a origem do produto é em um estado e o destinatário da mercadoria está em outro estado, o Art. 155 da CF traz a regra de incidência e destino do tributo em questão.
Neste tipo de operação (vendas interestaduais) o primeiro questionamento que se deve fazer é se o destinatário é contribuinte ou não do ICMS. Isto porque na redação do artigo supracitado antes da emenda há uma diferenciação de alíquota baseada nesta característica:
“Art. 155 […]
§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
VII – em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á:
a) a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto
b) a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele;”
Assim, na primeira hipótese prevista no texto Constitucional, o estado do destinatário arrecada o montante da diferença entre a alíquota interna e a alíquota interestadual, pela sistemática de compensação aplicada a apuração deste tipo de tributo pelas empresas contribuintes de ICMS.
Já na segunda hipótese, ou seja, quando o destinatário em outro estado é um consumidor final não contribuinte de ICMS, há aplicação da alíquota interna (do estado de origem) e, por consequência, não há qualquer percepção de recolhimento do tributo para o estado destinatário das mercadorias. Para os estados que na maioria das vezes são consumidores somente, há um prejuízo. Isto porque não recebem o tributo na transação comercial em si, e mais, não têm a movimentação interna de mercadorias, não gerando novos impostos, diminuindo o mercado local.
Na tentativa de minimizarem suas perdas e enfrentarem a guerra fiscal, quatorze estados da Federação (das regiões Norte e Nordeste) conseguiram a aprovação no Conselho de Política Fazendária (CONFAZ) do Protocolo ICMS 21/2011, obrigando o pagamento deste tributo sobre mercadorias que ingressassem em seus territórios vinda de outros estados.
Contudo, tal questão restou levada a nossa Suprema Corte por meio de ADINs que decidiu em Setembro de 2014 pelo ferimento constitucional do Art. 155, §2º, VII, “b” da CF, por dois motivos: (a) as regras do tributo em questão somente poderia ser alteradas por norma constitucional e, (b) com o protocolo houve a instituição de substituição tributária sem previsão legal, mantendo a arrecadação devida somente ao estado de origem.
A EC 87/15
Embora momentaneamente vencidos os estados membros menos industrializados, recebem como ótima notícia as mudanças aprovadas em 17/4/15 com a publicação da Emenda Constitucional 87/2015 que altera exatamente o texto Constitucional supracitado. A alteração legislativa modificou justamente a regra que beneficiava o estado origem:
Art. 1º Os incisos VII e VIII do § 2º do art. 155 da Constituição Federal passam a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 155 […]
§ 2º […]
VII – nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado, adotar-se-á a alíquota interestadual e caberá ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual;
a) (revogada);
b) (revogada);
VIII – a responsabilidade pelo recolhimento do imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual de que trata o inciso VII será atribuída:
a) ao destinatário, quando este for contribuinte do imposto;
b) ao remetente, quando o destinatário não for contribuinte do imposto;”
Como já apresentado, a perda suscitada pelos estados que não possuíam grandes centros de distribuição de mercadorias estava baseada nas transações interestaduais entre empresas e consumidores finais, cuja arrecadação por meio do ICMS era devida somente ao estado de origem.
Com a nova redação alterada pela EC 87/15, os estados destinatários independentemente do adquirente que lá reside ser contribuinte ou não do ICMS, sempre receberá a diferença entre a alíquota do estado destinatário e a interestadual, considerado assim uma maior equalização da aplicação do tributo.
Outro ponto a ressaltar é que determina a alteração constitucional a responsabilidade pelo recolhimento do imposto aos remetentes das mercadorias no caso do destinatário ser consumidor final não contribuinte de ICMS. Neste aspecto as empresas ganham mais uma obrigação acessória que pode trazer complicações futuras.
Em muitos casos, pequenas empresas nos estados mais desenvolvidos tecnologicamente, como por exemplo na região Sudeste do país, exercem sua atividade de mercancia de maneira mista. Mesmo com lojas abertas fisicamente, mantém suas lojas virtuais em pleno funcionamento buscando atingir consumidores potenciais mas que estão fisicamente a quilômetros de distância.
É certo que os estados de origem tendo uma perda tributária nestas transações acirrarão suas fiscalizações para entender quando cabe o repasse e quando não. Desta forma, as empresas deverão estarem atentas a forma de controle e demonstração da diferença entre vendas locais e vendas online para sanar quaisquer dúvidas em uma fiscalização.
A vigência e a controvérsia
Conforme o Art. 3º da EC 87/15, passa a vigorar a Emenda na data de sua publicação, produzindo os efeitos contudo somente no ano subsequente, somados os 90 dias de vacatio, ou seja, os efeitos serão em tese admitidos a partir do ano de 2016.
Entretanto, prevê também a referida Emenda a inserção do Art. 99 na ADCT (Atos das Disposições Constitucionais Transitórias) determinando uma escala de repasse desde o ano de 2015 até o ano de 2019, como vemos:
“Art. 99. Para efeito do disposto no inciso VII do § 2º do art. 155, no caso de operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final não contribuinte localizado em outro Estado, o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual será partilhado entre os Estados de origem e de destino, na seguinte proporção:
I – para o ano de 2015: 20% (vinte por cento) para o Estado de destino e 80% (oitenta por cento) para o Estado de origem;
II – para o ano de 2016: 40% (quarenta por cento) para o Estado de destino e 60% (sessenta por cento) para o Estado de origem;
III – para o ano de 2017: 60% (sessenta por cento) para o Estado de destino e 40% (quarenta por cento) para o Estado de origem;
IV – para o ano de 2018: 80% (oitenta por cento) para o Estado de destino e 20% (vinte por cento) para o Estado de origem;
V – a partir do ano de 2019: 100% (cem por cento) para o Estado de destino.”
Resta nítido uma falha na própria emenda que, de um lado demonstra a aplicabilidade somente no ano de 2016, traz em seu bojo regras aplicáveis a partir de 2015, gerando certo desconforto e preocupação para o setor varejista de vendas online. A preocupação está na regulamentação pelos estados desta norma e a possibilidade de interpretações diversas que tragam a cobrança de repasse aos estados de destino já no ano de 2015.
Contudo, nosso entendimento está na vigência imediata com aplicabilidade somente em 2016. E, neste sentido, a primeira faixa aplicável seria a prevista no Art. 99, inciso II, ou seja, o repasse de 40% para o estado de destino, mantendo o recolhimento de 60% para o estado de origem.
Por fim, outro fato a ser ponderado e que deve ser acompanhado com cautela quando da regulamentação pelos estados é o crédito oriundo das devoluções de mercadorias enviadas para outros estados.
É direito pacificado no Código de Defesa do Consumidor que em vendas realizadas a distância, há o direito ao arrependimento em até 7 dias. Desta maneira, o índice de devolução ainda é alto neste tipo de negócio. Com a nova sistemática de repartição de ICMS nas transações interestaduais envolvendo o não contribuinte do tributo, uma vez devolvida a mercadoria, deverá prever a regulamentação a apropriação de imposto pela devolução, inclusive dos estados de destino, o que certamente não é tão simples quanto parece.
Considerações finais
A EC 87/15 é uma medida que veio atender aos anseios dos estados menos favorecidos com a crescente tendência mundial de virtualização das vendas por meio da internet. Em certo ponto, nos parece benéfico para pacificar o entendimento e, melhorar a repartição dos tributos estaduais. Contudo, resta verificar futuramente se este repasse aos estados de destino atualmente sem grandes políticas que propiciem a instalação de centros de distribuição e fomentem novos empregos, aproveitem o aumento de arrecadação para tal fim.
De outro lado, há uma premente demanda para as empresas que promovem este tipo de venda, as vendas online. A mudança exigirá remodelagem de processos e controles para realizarem o correto repasse de tributação nas vendas realizadas para os consumidores finais não contribuintes. Isto porque, com a perda de arrecadação dos estados de origem, certamente os controles e fiscalizações serão apurados nesta ponta para garantir a maior retenção possível para os entes que perderam com a medida.
Por fim, temos um período considerável para tais adequações dado que a alteração produzirá seus efeitos somente no ano de 2016. Portanto, as empresas deverão se voltar para o tema com cautela e agir preparando seus sistemas e controles, cabendo aos departamentos jurídicos na esfera tributária acompanhar as regulamentações regionais dos estados para o efetivo cumprimento.
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*Coriolano Almeida Camargo é advogado da banca Almeida Camargo Advogados. Presidente da Comissão de Direito Eletrônico e Crimes de Alta Tecnologia da OAB/SP. Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas de SP.
*Emerson Alvarez Predolim é advogado do escritório Predolim Advogados Associados. Membro da Comissão de Direito Eletrônico e Crimes de Alta Tecnologia da OAB/SP, palestrante do Departamento de Cultura e Eventos da OAB/SP.
Fonte: site: m.migalhas