Valores de precatórios geram divergências no Judiciário
Uma polêmica decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) já provoca controvérsias no Judiciário. A 1ª Turma do Tribunal entendeu que os créditos de precatórios oferecidos por uma empresa gaúcha como garantia em execução fiscal devem ter seus valores reavaliados pelo mercado, ou seja, deve ser levado em conta o deságio que o precatório sofre ao ser comercializado no mercado paralelo.
A vitória da Fazenda estadual no caso, no entanto, não foi seguida em outros julgados: o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) rejeitou revisar outro julgamento e manteve posição de que é possível nomear a penhora crédito de precatório e que o valor deve ser o de face (oficial), como se fosse dinheiro.
Na ação no STJ, o Estado do Rio Grande do Sul recorreu afirmando que deveria ser apurado o real valor do bem apresentado pela Jovinter Transportes Nacionais e Internacionais. É comum que empresas comprem títulos de precatórios e passem a ser credores do estado. Nesses processos, o título chega a sofrer um deságio de mais de 70%. Seguindo voto do ministro Teori Zavascki, a 1ª Turma entendeu, por maioria, que deve ser feita uma avaliação sobre os graus de liquidez e de deságio em negociações com terceiros.
Para o ministro, é indispensável a avaliação. “Não se pode imaginar – até porque seria rematado absurdo – que a alienação de qualquer crédito se desse pelo seu valor nominal. O deságio é, nesses casos, a natureza da operação”, afirmou em seu voto.
O ministro Luiz Fux, relator do caso, foi voto vencido. Segundo ele, o crédito em precatório vale o que nele está previsto. O magistrado citou decisão da primeira instância, que dizia que a desvalorização se dá pela insistência do próprio estado em não cumprir seus deveres legais, não pagando os precatórios nos prazos instituídos. A decisão do STJ, que teve acórdão publicado no início de agosto, não é definitiva e ainda cabe recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Carlos Kazuki Onizuka, advogado do escritório Onizuka, Neves & Gonçalves Advogados, afirma que essa é a primeira decisão do STJ nesse sentido e critica o entendimento. “O Tribunal, com essa decisão isolada, viola o princípio constitucional da moralidade administrativa, além de ferir um direito adquirido e o ato jurídico perfeito”, afirma.
O advogado foi o responsável pela decisão do TJ paulista contrária ao novo entendimento do STJ. No caso, um supermercado conseguiu em primeira e segunda instância que o crédito de precatório fosse aceito na execução fiscal como bens à penhora e pelo valor de face, como se fosse dinheiro. “A nomeação à penhora de precatório judicial não pode ser recusada”, afirmou o desembargador Venicio Salles, relator do caso.
A Fazenda recorreu e na revisão do julgamento a decisão foi mantida pela 12ª Câmara de Direito Público do TJ-SP, inclusive salientando que o valor dos precatórios deve ser aceito como dinheiro.
“A nomeação garante a execução com créditos emitidos pela própria Fazenda Estadual, abreviando-se, então, as fases do processo executivo, de tal forma a evitar o cumprimento do calvário da avaliação e praceamento ou leilão de bens constritos”, afirmou Salles.
Ele lembrou ainda que a Emenda Constitucional 62, de 2009, que alterou o regime de pagamento de precatórios, pacificou que é preciso “viabilizar o cumprimento das obrigações decorrentes de precatório, qual seja por compensação, cessão ou convolação em penhora”.
Para o advogado Carlos Onizuka, o reconhecimento da aceitação dos precatórios sem ressalvas ou restrições, ou seja, pelo valor real, é correta. Para ele, a “culpa” pelo mercado paralelo de precatórios é da própria Fazenda. “Se ela estivesse adimplente, ninguém iria vender seus créditos. É um mercado criado pela própria inadimplência”, afirma, lembrando que o Estado de São Paulo não terminou de pagar os precatórios que deveriam ser quitados até o final de 1998. “A própria Fazenda falar que não quer aceitar um título que ela mesma emitiu e que foi determinado o pagamento em sentença judicial transitada em julgado é absurdo”, diz.
De acordo com o advogado, o acréscimo que eventualmente a empresa conseguir com o deságio do título adquirido deve ser declarado como receita da empresa e, como tal, tributado por representar um ganho de capital.
Onizuka afirma que os valores dos precatórios ainda serão alvo de diversas polêmicas e discussões no Judiciário. “A decisão do STJ não foi uniforme e definitiva”, diz. O caso do supermercado paulista, que está no TJ-SP, pode também subir ao tribunal e, se o processo cair em outra Turma, a decisão pode ser diferente.
Andréia Henriques – DCI – Legislação