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Em decisão recente, o Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo (TIT) afastou a responsabilidade dos sócios por infrações tributárias imputadas à sociedade a qual integravam, em um caso em que se discutia a responsabilidade pelo recolhimento do ICMS na aquisição de mercadorias de fornecedor inidôneo.

No caso em referência [1], o Auto de Infração e Imposição de Multa (AIIM) foi lavrado mediante a acusação de recebimento de mercadorias desacompanhadas de documentação fiscal hábil.

Consta do processo que o Fisco Estadual teria encontrado evidências de que o estabelecimento remetente das mercadorias não existiria de fato. Por esse motivo, a empresa foi declarada inidônea e teve a sua inscrição estadual e documentos fiscais anulados, inclusive os documentos questionados no AIIM, anteriores à declaração de inidoneidade.[2]

Ao mesmo tempo, o Fisco também teria encontrado indícios de irregularidades em relação ao estabelecimento autuado (adquirente das mercadorias), no que se refere ao encerramento da empresa e a própria existência do estabelecimento no endereço informado nos cadastros públicos.

Nesse contexto, o Fisco autuou a empresa adquirente das mercadorias, exigindo-lhe, na condição de devedor solidário, o recolhimento do ICMS devido nas operações [3], e incluiu no polo passivo da autuação os sócios que integravam seu quadro social à época das operações, também na condição de responsáveis solidários.

Tanto a empresa quanto os sócios se defenderam da autuação.

A empresa alegou, em síntese, que os documentos fiscais seriam válidos, pois o fornecedor encontrava-se em situação cadastral regular à época em que foram emitidos, não sendo cabível a atribuição de efeitos retroativos à decisão declaratória de inidoneidade. Acrescentou que não teve interesse comum na situação que deu origem a autuação e que não poderia ser responsabilizada pelo tributo eventualmente não recolhido pelo fornecedor, pois o Fisco não comprovou que a empresa agiu com dolo.

Por sua vez, além de endossar os argumentos da empresa, os sócios sustentaram que não poderiam ser responsabilizados pelo débito tributário, pois não mais integravam o quadro social da empresa autuada, e não teriam agido com excesso de poder, infração à lei ou ao contrato social.

Em decisão de primeira instância, o julgador tributário manteve a exigência fiscal, por entender que seria aplicável à empresa a hipótese de responsabilidade solidária prevista no art. 9º da Lei n. 6.374/89, segundo a qual se presume o interesse comum do adquirente de mercadoria em operação realizada sem documentação fiscal.[4] No entanto, excluiu os sócios do polo passivo da autuação, sob o fundamento de que o Fisco não teria comprovado a sua participação em fraude, simulação ou conluio que justificasse a atribuição de responsabilidade solidária, nas hipóteses autorizadas pelo Código Tributário Nacional (CTN).[5]

A discussão a respeito da responsabilidade dos sócios foi então submetida à apreciação do Tribunal de Impostos e Taxas.[6]

Em sua manifestação, a Representação Fiscal pleiteou a reinclusão dos sócios no polo passivo, alegando que o estabelecimento autuado teria sido desativado de maneira irregular, o que ensejaria a aplicação da regra de atribuição de responsabilidade solidária prevista no art. 10, XIII, \”d\” da Lei n. 6.374/89.[7]

O processo foi julgado pela 10ª Câmara Julgadora. Por força do voto de desempate atribuído ao presidente da Câmara, prevaleceu o entendimento de que a responsabilidade solidária dos sócios deveria ser afastada, em virtude de não constar no AIIM a capitulação legal que a justificasse.

Ao final do processo, a decisão proferida pela 10ª Câmara Julgadora prevaleceu. Em decisão unânime proferida no início do mês de abril (04/04/2017), a Câmara Superior do TIT deixou de conhecer do Recurso Especial interposto pela Fazenda Pública, por entender que não preencheria os requisitos de admissibilidade previstos na legislação.[8]

Independentemente de qualquer juízo de valor a respeito da situação fática retratada acima, essa decisão ganha relevância em um contexto em que o Fisco, no ímpeto de garantir a arrecadação, avança cada vez mais sob o patrimônio de terceiros, visando atribuir-lhes a responsabilidade por infrações tributárias, mesmo sem respaldo legal e sem comprovar os fatos e a conduta efetiva dos envolvidos.

Com efeito, a atribuição de responsabilidade por débitos tributários deve ser balizada pelas regras previstas no CTN. O tributo somente pode ser exigido de terceiros nas hipóteses e limites estabelecidos na legislação.

É essencial que, tanto o Fisco como os tribunais, observem essas normas com zelo e rigor, sob pena de ocorrer a \”banalização\” das regras de responsabilidade tributária e, consequentemente, a oneração ilegítima de contribuintes.

A título de exemplo, merece especial cautela a aplicação da hipótese de responsabilidade solidária, prevista no art. 124 do CTN. [9] Esse dispositivo, que é reproduzido \”com adaptações\” no art. 9º, XI e XII da Lei n. 6.374/89, não autoriza a atribuição de responsabilidade solidária a um contratante, em razão do mero inadimplemento de obrigação tributária devida pela(s) outra(s) parte(s) envolvida(s) no negócio jurídico.

Em outras palavras, segundo a regra do art. 124 do CTN, a mera realização de um negócio jurídico não é motivo suficiente para se atribuir a um contribuinte, a condição de responsável solidário por tributo devido em decorrência de infração cometida pela(s) outra(s) parte(s) contratante.

Deve-se destacar que a solidariedade disciplinada nesse dispositivo não é entre responsáveis, mas entre pessoas que tenham a obrigação de cumprir a obrigação tributária como contribuintes. O interesse comum destas pessoas está diretamente relacionado ao fato gerador (à situação que o constitua), o que as torna contribuintes por igual em relação à respectiva e única obrigação tributária.

São os casos, por exemplo, dos condôminos em relação ao imposto sobre a propriedade do bem tido em condomínio, e de dois prestadores de um mesmo serviço em relação ao ISS. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ao decidir a apelação em mandado de segurança n. 94.04.55046-9, em 27.10.1999, foi preciso a este respeito, consignando que o interesse comum das pessoas não é revelado pelo interesse econômico no resultado ou no proveito da situação que constitui o fato gerador da obrigação principal, mas pelo interesse jurídico, que diz respeito à realização comum ou conjunta da situação que constitui o fato gerador.

Na hipótese ora analisada, o vendedor e o adquirente não se encontram no mesmo pólo da relação obrigacional, de modo que a atribuição de responsabilidade solidária não tem respaldo no ordenamento jurídico.

Sob outra perspectiva, a responsabilização pessoal do agente ou a responsabilização de terceiros somente é cabível nas hipóteses e condições previstas nos arts. 134135137 do CTN. No caso da responsabilidade (pessoal ou de terceiros) [10] por infrações, exige-se uma investigação rigorosa a respeito da conduta dos envolvidos e a comprovação de que esses teriam conspirado para o resultado ilícito, agindo com dolo, fraude ou simulação.

Como vêm reconhecendo os tribunais, em especial o Superior Tribunal de Justiça (STJ), não se pode responsabilizar um contribuinte pelo tributo devido em decorrência de infração atribuível a outrem, sem que se realize uma investigação cautelosa a respeito de sua boa-fé. [11]

Diante disso, é importante que o Tribunal de Impostos e Taxas aprecie com cautela as autuações que atribuam a terceiros a responsabilidade por infrações tributárias, avaliando sempre, a existência de provas capazes de demonstrar a ocorrência do ilícito, a conduta e a boa-fé dos envolvidos, zelando, assim, pela observância das regras de responsabilidade previstas no CTN.

1Processo relativo ao AIIM 4.068.446-5. Além desse processo, há notícia de que a mesma matéria é objeto de outros processos do mesmo contribuinte: AIIM 4.068.444-1, 4.068.445-3, 4.068.443-0 e 4.068.447-7.

2Como é comum nesses casos, o Fisco conferiu efeitos retroativos à decisão declaratória de inidoneidade. Embora a decisão tenha sido publicada em 17/09/2014, a empresa fornecedora foi considerada irregular desde 30/07/2010, data da concessão da inscrição estadual. As operações questionadas no AIIM teriam sido realizadas em 2012.

3Acrescido de juros e multa.

Artigo 9º – São responsáveis pelo pagamento do imposto devido:

(…)

XI – solidariamente, as pessoas que tenham interesse comum na situação que dê origem à obrigação principal;

XII – solidariamente, todo aquele que efetivamente concorra para a sonegação do imposto.

(…)

Parágrafo único – Presume-se ter interesse comum, para os efeitos do disposto no inciso XI, o adquirente da mercadoria ou o tomador do serviço em operação ou prestação realizadas sem documentação fiscal.

5No caso, as hipóteses de responsabilidade de terceiros e responsabilidade pessoal do agente, previstas nos artigos 134135, 136137138 do CTN.

6Segundo consta, a empresa autuada não recorreu. Todavia, por se tratar de decisão parcialmente desfavorável à Fazenda Pública, houve recurso de ofício.

Artigo 10 – São também responsáveis:

(…)

XIII – solidariamente, a pessoa natural, na condição de sócio ou administrador, de fato ou de direito, de pessoa jurídica, pelo débito fiscal desta última quando: (Inciso acrescentado pela Lei 13.918, de 22-12-2009; DOE 23-12-2009)

(…)

d) o estabelecimento da pessoa jurídica tiver sido irregularmente encerrado ou desativado;

8A decisão entendeu que a decisão de segunda instância foi proferida com base conjunto probatório dos autos, e não restou caracterizada no recurso, a divergência de interpretação necessária para o conhecimento, nos termos do art. 49 da Lei n. 13.457/09.

Art. 124. São solidariamente obrigadas:

I – as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal;

II – as pessoas expressamente designadas por lei.

Parágrafo único. A solidariedade referida neste artigo não comporta benefício de ordem.

10Arts. 135137 do CTN.

11Vide a esse respeito, a decisão proferida pelo STJ no julgamento do RESP n. 1.305.856-SP. Ainda a privilegiar a investigação a respeito da boa-fé do contribuinte, destacamos a Súmula 509, e decisões relacionadas.

Silvio José Gazzaneo Junior
Gabriel Miranda Batisti

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