Réus não comprovaram que dificuldades financeiras inviabilizavam a existência do negócio

A Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) condenou três proprietários de uma empresa pelo crime de apropriação indébita previdenciária (168-A do Código Penal).

De acordo com a denúncia, na condição de sócios gerentes de uma empresa de ferramentaria, teriam deixado de recolher contribuições previdenciárias descontadas dos pagamentos efetuados a segurados empregados no período de outubro de 2001 a agosto de 2004 e dos segurados contribuintes individuais no período de março de 2004 a agosto de 2004.

A ausência de recolhimento das contribuições previdenciárias constituiu um crédito tributário no valor de R$ 47.719,67 em dezembro de 2004.

A sentença de primeiro grau julgou parcialmente procedente a ação penal para absolver dois dos réus e condenar apenas um deles pela prática do delito. Houve recurso do Ministério Público Federal (MPF) pretendendo a condenação dos réus absolvidos em primeiro grau, já que a autoria delitiva ficou demonstrada também em relação a eles. Houve, ainda, recurso do réu condenado em primeiro grau, requerendo a aplicação da prescrição, e alegando em sua defesa a inexigibilidade de conduta diversa e estado de necessidade.

A Turma julgadora, ao analisar a questão da prescrição, posicionou-se no sentido de que o delito previsto no artigo 168-A do Código Penal é formal e não exige a constituição definitiva do crédito tributário. Basta que o agente tenha deixado de recolher as contribuições previdenciárias para que o crime se aperfeiçoe. Assim, a turma assentou que nem entre a data mais remota dos fatos (outubro de 2001) e o recebimento da denúncia (5/3/2008), nem entre esta data e a prolação da sentença condenatória transcorreu o lapso temporal superior a doze anos, não se podendo falar na prescrição da pretensão punitiva estatal.

A materialidade do delito ficou demonstrada pelo Relatório Fiscal de Lançamento de Débito, explicitando que a empresa deixou de repassar aos cofres da Previdência o valor das contribuições descontadas dos salários de segurados empregados e dos contribuintes individuais.

Já autoria do delito restou demonstrada em relação a todos os acusados. Um deles confessou em seu interrogatório judicial ser o responsável pela gestão da empresa e pela decisão de não promover recolhimentos das contribuições previdenciárias. Os outros dois sócios formavam com ele a diretoria da empresa autuada, cujo contrato social prescreve em suas cláusulas a responsabilidade dos três por praticar todos os atos necessários ao desenvolvimento dos negócios sociais. “De se ver, assim,”, diz a decisão, “que por meio do contrato social, os três acusados assumiram o dever de zelar pela observância da lei e praticar os atos necessários ao desenvolvimento dos atos negociais da empresa (função de garantidor da não ocorrência do resultado lesivo), tendo, ainda, os poderes necessários para impedir o resultado, razão pela qual todos são penalmente responsáveis pela apropriação indébita previdenciária descrita na inicial acusatória”.

Em relação ao alegado estado de necessidade e inexigibilidade de conduta diversa, o colegiado explica que as dificuldades financeiras da empresa devem ser de tal ordem que coloquem em risco a própria existência do negócio, o que não se verifica no caso. Os balanços patrimoniais apresentados não estão aptos a demonstrar quais as despesas eleitas para quitação em detrimento de outras, entre elas, o repasse das contribuições previdenciárias. A documentação contábil apresentada se refere a outra empresa, uma holding, esta sim em precariedade financeira.

O juízo de primeiro grau assinalou que nosso sistema legal prevê um mecanismo voltado a auxiliar empresas que enfrentam dificuldades financeiras: a recuperação judicial. Por meio desse instituto, poderia a empresa dos réus ter equacionado suas dificuldades de caixa dentro da lei, ganhando prazo para o pagamento de seus credores e, dessa forma, ter novo fôlego para saldar seus deveres tributários. Mas não o fez, preferindo, a seu próprio critério, decidir quem e como pagar. Além disso, a empresa teve chance de saldar sua dívida aderindo ao programa de recuperação fiscal instituído pela Lei nº 11.941/2009. Mas ainda assim, a empresa não honrou seu compromisso, pois acabou sendo excluída do programa. Enquanto dele participou desfrutou da procrastinação do processo criminal por longo tempo, enquanto se limitava a pagar a quantia de R$ 100,00 mensais aos cofres públicos. Quando seu débito foi consolidado e as parcelas mensais se tornaram mais realistas, deixou de pagá-las.

A decisão observa que, “do longo período abarcado na fiscalização é possível notar que os réus fizeram da apropriação previdenciária um modo de agir empresarial e não um recurso extremo para manutenção das atividades durante um período excepcional de crise”.

Assim, tendo ficado comprovado o dolo, a autoria e a materialidade do delito, não tendo sido demonstrada a exclusão da ilicitude ou culpabilidade por estado de necessidade ou inexigibilidade de conduta diversa, o TRF3 condenou todos os acusados.

A decisão está amparada por precedentes jurisprudenciais do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. Processo nº 2007.61.02.015516-1/SP.

Fonte: TRF3 – 28/01/2015 –