O Superior Tribunal de Justiça (STJ) iniciou o julgamento de uma disputa bilionária entre os Fiscos estaduais e as concessionárias de telefonia. Há nove anos, as concessionárias tentam na Justiça ver reconhecida a possibilidade de aproveitar créditos do ICMS decorrentes da aquisição de energia elétrica, necessária ao processo de telecomunicação.
A 1ª Seção analisa um recurso proposto pelo Estado do Rio Grande do Sul contra a Brasil Telecom, que saiu na frente no único voto proferido até agora pelo ministro Luiz Fux. O julgamento, interrompido por um pedido de vista, deve influenciar centenas de ações de concessionárias que tramitam na Justiça.
Apesar de não ter sido apresentado um levantamento preciso do impacto financeiro da disputa, trata-se de um passivo bilionário, acumulado desde 2001, ano em que os Estados passaram a negar a possibilidade de uso dos créditos do ICMS.
A mudança nas regras, até então vigentes, foi estabelecida pela Lei Complementar nº 102, de 2000. A norma alterou o artigo 33 da Lei Complementar nº 87, de 1996, e determinou que a energia elétrica só geraria créditos quando utilizada em processo de industrialização. Até então, a norma permitia o aproveitamento de crédito decorrente do uso de energia de forma ampla. A maioria das concessionárias, porém, continuou a usar os créditos. O fato resultou nas autuações fiscais discutidas atualmente no Judiciário.
As empresas defendem que o Decreto nº 640, de 1962, equiparou o setor à atividade industrial e, por esse motivo, poderiam ser enquadradas nas hipóteses de direito ao aproveitamento de créditos do ICMS incidente na compra de energia elétrica.
No caso da Brasil Telecom, o Estado do Rio Grande do Sul tenta modificar um acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) que adotou esse entendimento. De acordo com a advogada Misabel Derzi, do escritório Sacha Calmon Misabel Derzi Advogados, que defende a Brasil Telecom, a energia é essencial à telecomunicação. E, por isso, se enquadra no conceito de insumo estabelecido na Lei Complementar nº 87.
Segundo Misabel, somente por meio da transformação física e mecânica da energia elétrica em pulsos é possível produzir sons e realizar a comunicação. “O Brasil adotou o princípio da não cumulatividade de impostos, e isso tem que ser respeitado”, diz. Na opinião do advogado André Mendes Moreira, do Sacha Calmon, outros entendimentos já tomados pelo STJ poderiam ser comparados à situação. “O STJ entendeu que empresas de serviço de transportes têm direito ao crédito do ICMS gerado na aquisição de óleo combustível, por se tratar de um insumo essencial para a atividade”, afirma Moreira.
Os Estados, por sua vez, alegam que, para ser considerado industrial, o setor de telecomunicações deveria realizar verdadeira transformação da matéria-prima, o que não ocorreria. De acordo com o procurador do Estado do Rio Grande do Sul, Romero Jobim Neto, o serviço de telecomunicação representa uma prestação de serviços e não uma industrialização, conforme o conceito definido no Código Tributário Nacional (CTN). “O insumo tem que ser submetido a uma operação que modifique sua natureza, o que não acontece no caso”, diz Neto.
O ministro Luiz Fux, relator do processo, foi favorável à tese da empresa, por entender que a energia passa por um processo de industrialização. “A energia é utilizada como insumo necessário às concessionárias de telecomunicação e inerente à prestação de serviços”, afirma. Apesar do pedido de vista antecipada do ministro Hamilton Carvalhido, o ministro Herman Benjamin chegou a anunciar um posicionamento favorável ao Fisco. Em seguida, porém, declarou que poderia ser convencido do contrário.
Luiza de Carvalho | De Brasília – Valor Econômico