O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar ontem um caso que pode ser um divisor de águas quanto à aplicação, pelo Brasil, de tratados internacionais sobre matéria tributária. Trata-se de um processo da Volvo, que discute a cobrança de Imposto de Renda na fonte sobre o lucro remetido a sócio na Suécia, durante a vigência de um acordo entre os dois países para evitar a bitributação.

O julgamento começou com um voto do relator, ministro Gilmar Mendes, dando ganho de causa à União. Para o ministro, o acordo não se aplicaria ao caso concreto. Mas o voto foi comemorado pelas empresas, já que Mendes concluiu que os tratados internacionais em matéria tributária têm hierarquia superior às leis. Isso significa que esses acordos entre países não podem ser revogados por leis tributárias internas, publicadas posteriormente. O julgamento foi interrompido por um pedido de vista do ministro Dias Toffoli.

O caso da Volvo envolve a aplicação de uma convenção internacional firmada entre o Brasil e a Suécia em 1975. A cláusula de não discriminação, prevista no artigo 24, diz, em resumo, que os nacionais de um Estado não ficarão sujeitos, no outro país, a tributação diferente da aplicada aos nacionais desse segundo país.

A discussão surgiu porque a Lei nº 8.383, de 1991, isentou os lucros distribuidos a residentes no Brasil do IR. Mas o artigo 77 da mesma lei previa a cobrança de 15% de IR sobre a remessa de lucros a residentes no exterior.

O processo envolve a remessa de lucros da Volvo, em 1993, à sócia na Suécia. Enquanto os resultados distribuidos à acionista brasileira foram isentos, a Receita exigiu a tributação dos lucros remetidos ao exterior. A Volvo entrou na Justiça alegando descumprimento do tratado e violação ao princípio da isonomia. “A convenção pretende evitar qualquer forma de discriminação entre os nacionais de um país e outro”, argumentou o advogado Carlos Eduardo Caputo Bastos, que defendeu a Volvo no STF.

Já a União sustentou que o tratado com a Suécia não se aplica ao caso concreto. “O critério usado pela lei brasileira para conceder a isenção do IR foi a residência no Brasil, e não a nacionalidade”, afirmou Cláudia Trindade, coordenadora da atuação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional no Supremo. Segundo ela, o tratado não estende a isenção aos residentes na Suécia. Ou seja, a intenção da convenção seria evitar tratamento diferente dentro do mesmo país, tendo como base a nacionalidade.

A Volvo perdeu em primeira e segunda instâncias. Mas ganhou no Superior Tribunal de Justiça (STJ), com base no argumento de que os tratados internacionais têm hierarquia superior às leis nacionais. A União recorreu ao STF argumentando que, apesar da supremacia do tratado, ele não se aplicaria ao caso específico.

Embora o julgamento tenha apenas começado, advogados chamaram a atenção para o voto de Gilmar Mendes: “foi a primeira vez que um ministro do Supremo se pronunciou, de maneira expressa, sobre a hierarquia dos tratados internacionais de bitributação”, diz o advogado Rodrigo Rigo Pinheiro, do Braga e Moreno Consultores e Advogados.

Segundo o advogado André Martins de Andrade, do Andrade Advogados Associados, o entendimento de Mendes, se confirmado, terá impacto em várias outras ações que discutem a cobrança de IR sobre lucros remetidos a países com os quais o Brasil mantém tratados de não bitributação. “A Fazenda tem uma venda nos olhos em relação aos tratados internacionais, e vem autuando as empresas apesar desses acordos”, diz. Um exemplo, segundo ele, é o caso das controladas e coligadas em países com os quais o Brasil tem tratados para evitar a bitributação – que ainda será avaliado pelo STF.

Maíra Magro – De Brasília