Não obstante tratar-se de tema discutido há tempo, a apreciação do cabimento do instituto da prescrição intercorrente no processo administrativo tributário, em especial na órbita federal, ainda possui pontos controvertidos e inconclusivos.

Além da doutrina pouco abordar o assunto e, dentre os autores que se ocupam da descrição dessa matéria, os posicionamentos mostrarem-se contraditórios e muitas vezes inconcludentes, há ausência de norma noDecreto nº 70.235, de 06 de março de 1972, regulamentador do processo administrativo tributário no nível federal.Intercorrente, arrimados na interpretação gramatical, é algo existente e em andamento entre duas coisas, nas palavras de Aurélio Buarque Ferreira de Holanda (01). Prescrição intercorrente, de forma sucinta, é aquela que ocorre no curso do processo, ou seja, após o sujeito ativo ter dado início a tutela jurisdicional ou processo administrativo.

Com o fito de evitar a cobrança do tributo por tempo indeterminado, recentemente reconheceu-se expressamente uma situação de prescrição intercorrente no processo judicial tributário. Acrescentou-se aoartigo 40 da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980(Lei de Execuções Fiscais), o § 4º, introduzido peloartigo 6º da Lei nº 11.051, de 29 de dezembro de 2004.

Assim é que, não encontrados bens do devedor, o processo pode ser suspenso pelo período de um ano. Decorrido esse prazo, não localizado o devedor ou bens sobre os quais possa recair a penhora, o magistrado ordenará o arquivamento dos autos. Aqui se tem o termo “a quo” da contagem do prazo prescricional intercorrente. Ato contínuo, decorrido um quinquênio, depois de ouvida a Fazenda Pública, o juiz reconhece de ofício a prescrição intercorrente.

Na esfera administrativa, tal verifica-se quando, oferecidas impugnações e recursos fiscais, processos tributários, injustificadamente, permanecem durante anos inertes, normalmente por tempo superior a um lustro, sem que haja sequer uma notícia ao contribuinte. Decorridos muitas vezes mais de cinco anos do início do procedimento, os órgãos julgadores da Administração Pública no âmbito federal (Delegacias da Receita Federal de Julgamento e Conselhos Administrativos de Recursos Fiscais), o intimam de decisão desfavorável.

Nesse espeque, surge o seguinte questionamento: diante da anomia noDecreto nº 70.235/72, escoado determinado prazo sem que tenha finalizado o processo administrativo fiscal, possível a extinção do crédito tributário utilizando-se do instituto da prescrição intercorrente, em analogia ao cabimento prescrito em lei no concernente ao processo judicial?

De um lado, há autores que defendem a impossibilidade de extinção do crédito pela prescrição intercorrente no processo administrativo, elencando fatores impeditivos diversos.

Não obstante posicionamento consolidado nos Tribunais Pátrios, inclusive nos superiores, somado aos dispositivos do ordenamento jurídico nacional (artigos 151e174 do CTN) e, também, a ausência de norma, há inúmeras outras opiniões, fundamentadas escorreitamente, no nosso ponto de vista, no sentido de possibilitar a aplicação da prescrição intercorrente no processo administrativo fiscal, em especial na esfera federal.

Alicerçam-se nos mais variados motivos: princípios e garantias constitucionais; momento diverso para constituição definitiva do crédito tributário (notificação do lançamento e não esgotamento da esfera administrativa com julgamento da lide fiscal) o que possibilita o cômputo da prescrição durante o processo administrativo tributário; suspender a exigibilidade do crédito não significa suspender sua prescrição; a falta de regra é incontestavelmente preenchida pelo instituo da analogia (artigo 108, inciso I do CTN); aplicação da prescrição intercorrente não obstante o determinado nosartigos 151, inciso III e174 do CTN.

Bem verdade que no sistema tributário nacional não há indicação de regra imediata quanto à aplicação da prescrição intercorrente. Nem se nega o fato de o oferecimento de impugnação ou recursos suspender a exigibilidade do crédito tributário, bem como que o prazo prescricional só se inicia com a constituição definitiva do crédito tributário, que se dá com a finalização do processo administrativo.

Contudo, a necessidade de fixação de prazo prescricional no curso do processo administrativo se ampara na observância dos princípios e garantias constitucionais, tais como: da moralidade, eficiência, prescritibilidade, segurança jurídica, razoável duração do processo, direito de petição, dentre outros.

Ora, o instituto em comento aplicado na órbita administrativa, ou seja, um limite temporal para o processo, é uma forma de punir a desídia da Administração Pública e assegurar ao contribuinte a segurança jurídica, pois a situação indefinida do processo enquanto aguarda julgamento da impugnação ou recurso proposto não coaduna com o princípio da segurança jurídica, com a estabilidade das relações e da razoabilidade, antes os afrontam.

Se ativer a ausência de norma e, por conta disso, no não cabimento da intercorrente no processo administrativo tributário, é pensar em perpetuação do processo pela mora da Administração Pública e, consequentemente, imprescritibilidade do crédito tributário.

Assim, defendemos que deve o legislador derivado certificar a existência da prescrição intercorrente em âmbito administrativo fiscal, inclusive fixando um prazo para tanto, que entendemos ser ideal o quinquênio descrito noart. 174 do CTN.

Por fim, há indícios de mudanças na jurisprudência capaz de legitimar a aplicação do instituo em comento no processo administrativo fiscal, em especial, no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o qual julgou intolerante a paralisação do processo administrativo por mais de cinco anos, não obstante a suspensão da exigibilidade do crédito e o termo “a quo” da contagem do prazo prescricional, em atenção à prescritibilidade das relações jurídicas (02).

Notas

(01) FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. (1999), Dicionário Aurélio Eletrônico – século XXI, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, CD-ROM.

(02) APELAÇÃO. DIREITO TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NO PROCESSO ADMINISTRATIVO. ARTIGO 151, INCISO III, CTN. Durante a reclamação ou recurso administrativo, está suspensa a exigibilidade do crédito administrativo, não correndo prescrição. Entretanto, quando se está diante de incomum inércia, com a paralisação incompreensível durante onze anos, sob pena de se aceitar a própria imprescritibilidade, não há como deixar de reconhecer a prescrição. Negaram provimento. Voto vencido (TJ/RS. Apelação Cível nº 700010449726. Relatora Desembargadora Liselena Schifino Robles Ribeiro. Porto Alegre, RS, 22 de dezembro de 2004).

 Autora: Raquel Sauer Torres da Silva*

Raquel Sauer Torres da Silva*
Advogada.
E-mail:raquelsauer@yahoo.com.br

fonte: decisoes.com.br