O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) está adotando medidas rígidas contra escritórios estrangeiros que atuam no Brasil. No primeiro julgamento nacional da entidade sobre a associação entre uma banca brasileira e uma americana, a OAB puniu dois advogados – um do Rio de Janeiro e outro de São Paulo – com a suspensão por quatro meses do exercício profissional. Eles são acusados de se associarem irregularmente a um grande escritório de Miami. Ainda cabe recurso da decisão, que tramita em sigilo, e por esse motivo os nomes dos profissionais não foram divulgados pelo Valor.

O caso teve origem em São Paulo e foi levado à OAB por uma denúncia de um escritório da capital contra ex-sócios – o fato também resultou em um litígio societário, com decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Os autores da denúncia alegaram que não concordavam com os rumos da parceria com o escritório estrangeiro, segundo informações do processo no STJ. A sociedade se dissolveu e representantes do escritório entraram com uma denúncia contra os antigos sócios na OAB.

Ao analisar o processo, a turma do Conselho Federal da Ordem responsável pelas discussões éticas e disciplinares decidiu agravar as penas anteriormente aplicadas pela seccional paulista da OAB, que havia decidido pela censura dos advogados. “Estava ocorrendo uma advocacia por estrangeiros dentro de um escritório nacional, o que é absolutamente vedado”, afirma a conselheira da OAB Márcia Melaré. A turma entendeu que houve violação ao Provimento nº 91 da Ordem, de 2000, que regulamenta a atividade de consultores em direito estrangeiro no Brasil.

Segundo Márcia, escritórios de outros países podem atuar no Brasil somente como consultores em direito estrangeiro, desde que façam cadastro na OAB. “Qualquer outra forma de associação que dê margem para que estrangeiros advoguem no Brasil não é permitida”, diz. De acordo com ela, as bancas que fizerem esse tipo de parceria devem manter independência uma das outras. “Os escritórios não podem ocupar o mesmo local e um não pode estar vinculado ao outro, ou seja, o estrangeiro não tem o poder de comandar ou influenciar a gestão do escritório nacional.”

A decisão do Conselho Federal estipula que deve haver “total separação” entre firmas de advocacia estrangeiras e escritórios brasileiros. Também concluiu que houve “farto material probatório da intromissão da firma estrangeira nas decisões da sociedade brasileira”. Segundo os conselheiros, esse entendimento visa “preservar a soberania da advocacia brasileira”.

Os advogados punidos, no entanto, informaram que entrarão com recurso, para que o caso seja analisado pelo órgão especial do Conselho Federal da OAB, formado por 27 conselheiros. Um deles afirma que a parceria com a banca estrangeira terminou em 2005 e não violou o regimento da OAB. “Não houve subordinação nenhuma dos advogados brasileiros aos americanos”, diz. Ele reconhece que os dois escritórios ocupavam o mesmo prédio. O fato, segundo ele, se justifica pela necessidade de troca de informações. “O que me desagrada na decisão é que ela subestima o advogado brasileiro, presume que ele será inferiorizado perante o estrangeiro, e eu não acredito nisso.”

A defesa do outro advogado afirma que o próprio escritório que entrou com a reclamação já tinha se associado à banca americana, antes de seu cliente fazer parte da sociedade. Segundo afirma, há diversos grandes escritórios com associações ainda mais profundas com bancas estrangeiras. “A Ordem só passou a tomar uma posição mais rígida com relação ao tema a partir do ano passado”, afirma.

Em 2010, a Turma Deontológica do Tribunal de Ética da OAB paulista entendeu que seria terminantemente proibida as associações, uniões e parcerias entre escritórios brasileiros e estrangeiros, ao analisar uma consulta formulada pelo Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa). A decisão foi posteriormente mantida pela 4ª Câmara Recursal da seccional paulista.

Segundo o vice-presidente do Conselho Federal da OAB e presidente do Órgão Especial do Conselho, Alberto de Paula Machado, como o tema é de grande repercussão para a advocacia, ele poderá remeter o caso diretamente ao pleno para analisar o processo. No pleno, seriam 81 conselheiros federais. “Assim, podemos promover um amplo debate sobre o assunto, que precisa de uma resposta definitiva o mais rápido possível”, afirma.

Além desse caso, o Conselho Federal da Ordem está prestes a analisar os termos da consulta feita pelo Cesa à OAB paulista. A Comissão de Sociedades de Advogados e a Comissão de Assuntos Internacionais estão elaborando parecer sobre o tema. A OAB também deve editar uma nova resolução, com novas regras.

Fonte: Valor Economico