Este é o cenário atual, no qual se discute qual deve ser o tratamento tributário definitivo frente à nova contabilidade.
Jimir Doniak Jr
A contabilidade no Brasil passa por profunda modificação desde a Lei nº 11.638, de 2007, consistente em adotar as normas internacionais (IFRS). O intuito é gerar demonstrações financeiras adequadas à substância econômica da sociedade, além de permitir a comparabilidade entre empresas de diferentes países. Já na esfera fiscal, foi criado o Regime Tributário de Transição (RTT), de modo a evitar efeitos fiscais derivados do novo tratamento contábil. Não se trata de solução definitiva e a persistência dessa situação transitória por vários anos gera custos para as empresas, as quais têm mantido apurações paralelas (contábil e fiscal), sem saber o que ocorrerá no futuro.
Este é o cenário atual, no qual se discute qual deve ser o tratamento tributário definitivo frente à nova contabilidade. No passado, as demonstrações financeiras eram tidas como base segura para possibilitar a apuração de diversos tributos. Desse modo, as esferas contábil e fiscal tinham proximidade. Contudo, o rápido exame de características das normas derivadas das IFRS leva a questionamentos quanto ao limite de utilização da contabilidade como base para a apuração de tributos.
A nova contabilidade é calcada, fundamentalmente, na visão econômica dos fatos. Por exemplo, não se trata de registrá-los em função de sua natureza jurídica. Uma empresa pode ser a proprietária jurídica de certo bem, mas este não constar em seu balanço patrimonial. Inversamente, outro direito, distinto do de propriedade, talvez deva ser registrado no ativo da sociedade, se ele garantir os benefícios, riscos e controle desse bem.
Por se amparar nessa visão econômica, a contabilidade passa a ser dotada de maior dose de subjetividade e imprecisão. Daí a utilização de critérios como valor justo, valor em uso, “impairment” e outros.
A sistemática das normas contábeis internacionais, pautada mais em princípios do que em regras, reforça a subjetividade. Os princípios são menos determinados do que as regras. Desse modo, possibilitam maior atenção à situação individual, mas dificultam a padronização de tratamento.
Outro ponto a destacar é a visão mais prospectiva do novo sistema contábil. Não se deve mais entender as demonstrações financeiras como “retratos do passado”. Elas devem prestar-se também a dar visão prospectiva da atividade empresarial sobre seu futuro.
Por fim, em uma sociedade em constante e rápida transformação, é inviável que as normas contábeis sejam submetidas ao lento processo de aprovação de leis pelo Poder Legislativo. Por isso, elas passaram a ser definidas por órgão técnico (Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC), sendo aprovadas pela CVM.
As normas contábeis internacionais reforçam a subjetividade
Feito esse panorama, retoma-se a dúvida quanto à utilização, na esfera tributária, das normas contábeis internacionais adotadas pelo Brasil. Por exemplo, seria inadmissível que normas contábeis não contidas em lei, mas meramente aprovadas por CPC e CVM, integrem a apuração da base de cálculo de tributos ou seria aceitável uma legalidade mitigada, em que a norma tributária limitar-se-ia a remeter aspectos essenciais da formação da base de cálculo às normas aprovadas por tais órgãos técnicos?
Outra questão: a apuração de resultados contábeis pautada pela mencionada visão prospectiva das demonstrações financeiras seria compatível com os parâmetros que pautam a tributação da renda e da receita? O IR tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda. Ou seja, mede-se a renda adquirida e para isso olha-se o passado, sem se importar com expectativas futuras.
Ainda mais: grande parte de todo o arcabouço jurídico-tributário (constitucional e legal) parte da necessidade de fornecer um elevado nível de segurança e certeza. Assim é não somente por interesse da sociedade, para proteção contra o Estado, mas por necessidade deste, o qual carece de normas objetivas e padronizadas que possibilitem a praticidade na arrecadação. Normas contábeis principiológicas e subjetivas atenderiam a esses anseios da atividade de tributação?
Finalmente, o tratamento definitivo dos eventuais efeitos tributários das normas contábeis internacionais não deve resultar em perda da garantia de demonstrações financeiras das empresas brasileiras mais confiáveis e sucetíveis de serem comparadas com empresas em diferentes países. Não é aceitável que a contabilidade volte a sofrer interferência de regras de conteúdo fiscal.
Perceptível a complexa atividade de compatibilizar as normas tributárias à contabilidade internacional. O desafio é comparável ao do momento de criação da Lei das S.A e do Decreto-lei nº 1.598, de 1977.
Há notícias de que o Poder Executivo estaria finalizando as normas que substituirão o RTT e que em breve deverá submeter ao Poder Legislativo uma medida provisória nesse sentido. Torcemos para que os últimos anos tenham sido suficientes para encontrar o melhor tratamento possível e que exista tempo e abertura no Poder Legislativo para que o trabalho do Executivo possa, se necessário, ser aperfeiçoado.
Jimir Doniak Jr é advogado em São Paulo e Brasília, sócio de Cais, Doniak, Rangel Ribeiro e Matta Nepomuceno Advogados
Fonte: Valor Econômico/ contadores.cnt.br