A Tritec Motors, joint venture formada originariamente pela BMW e Chrysler, conseguiu cancelar uma autuação de R$ 124 milhões no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). A companhia conseguiu provar que cumpriu o índice mínimo de conteúdo nacional exigido em regime automotivo de 1996, em troca de benefícios fiscais. Segundo advogados, essa é a primeira decisão da Câmara Superior do Carf – última instância do órgão – sobre o assunto.
Os conselheiros mantiveram decisão de 2007 da 1ª Câmara do Conselho de Contribuintes (hoje Carf). Na ocasião, eles entenderam que a Receita Federal não poderia considerar apenas as peças para definir o índice de nacionalização. Deveria também entrar no cálculo o projeto de engenharia, o desenho gráfico do motor e a mão de obra utilizada, além da própria linha de produção. “Nossa tese, que foi aceita, é de que o laudo pericial não poderia se basear apenas no critério ferro contra ferro, mas também no custo do processo produtivo”, afirma Tarcísio Kroetz, do escritório Hapner Kroetz Advogados, que representou a Tritec no processo.
A fabricante de motores – hoje de propriedade da Fiat – aderiu ao regime automotivo do governo Fernando Henrique Cardoso para obter redução de 90% no Imposto de Importação sobre compras de matérias-primas. Em troca, comprometeu-se a ter produtos com conteúdo nacional mínimo de 27% em 1999, primeiro ano de funcionamento de sua fábrica em Campo Largo, na região metropolitana de Curitiba. Até 2002, o índice de nacionalização teria que alcançar 35%. O acordo em relação aos percentuais foi firmado com o então Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo (MICT) e com a Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq).
Mas uma perícia exigida pela Receita Federal apontou que 90% das peças dos motores produzidos pela Tritec eram importadas. Com isso, a companhia foi autuada em 2003, e obrigada a pagar R$ 19 milhões de imposto com multa de 75% de juros que, na época, somavam R$ 15 milhões.
Na decisão agora mantida pela Câmara Superior, o relator do caso, conselheiro Luiz Roberto Domingo, considerou ainda que a perícia foi “simplória” por não analisar o impacto dos custos de produção no índice do conteúdo nacional. “O laudo técnico restringiu-se à simplicidade de quem vê e não daquele que deveria saber, em termos técnicos, como é calculado o custo de um produto final”, diz na decisão.
Com o entendimento favorável à Tritec, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) recorreu à Câmara Superior com a alegação de que a decisão contrariava a prova elaborada na perícia. Porém, o relator do processo, conselheiro Júlio César Alves Ramos, não conheceu o recurso por questões processuais. Mas confirmou o raciocínio da decisão anterior no sentido de que o laudo produzido não seria consistente. “Não há qualquer fundamentação técnica aduzida pelo engenheiro para a conclusão por ele extraída”, afirma o conselheiro. Como o contribuinte saiu vitorioso, a Fazenda Nacional não pode recorrer à Justiça.
Apesar de a decisão da Câmara Superior ser baseada, principalmente, em questões apenas formais do trâmite do processo, tributaristas a consideram um bom precedente em termos de estratégia processual. “Indústrias do setor que perderem a briga em instâncias inferiores poderão utilizar o acórdão da Tritec para recorrer à Câmara Superior”, diz Alberto Daudt de Oliveira, do escritório Dault, Castro e Galotti Olinto Advogados. Atualmente, o requisito para recorrer à última instância do órgão é a apresentação de decisões diferentes sobre um mesmo assunto.
A decisão, segundo advogados, também é relevante por exigir perícias fundamentadas e técnicas na discussão sobre conteúdo nacional. “Laudos técnicos são provas importantes. Sempre que possível devem ser feitos por órgãos de engenharia independentes”, afirma Fernando Ayres, advogado do escritório Mattos Filho. Para José Eduardo Tellini Toledo, sócio do Gaudêncio, MCNaughton e Toledo Advogados, o entendimento pode ser usado para contestar laudos “simplistas”.
Procurada pelo Valor, a PGFN não retornou até o fechamento desta edição.
Por Bárbara Pombo | De Brasília
Valor Econômico
Fonte: tributario.net