O mandado de segurança tem consistido em formidável instrumento utilizado pelos contribuintes como ação tributária apropriada à defesa em face de atos ilegais das autoridades tributárias, a exemplo de ilegítimas recusas à expedição de certidões negativas, inscrições em cadastros de inadimplentes, retenções de mercadorias e a cobrança indevida de tributos e multas, além do questionamento de leis tributárias e das interpretações do Fisco a respeito da cobrança de certos tributos.
Assim é que tanto a literatura especializada quanto a jurisprudência passaram a admitir, também, a ação mandamental como medida judicial por meio da qual o contribuinte pode pleitear a declaração de seu direito à compensação de recolhimentos tributários indevidos. Esse entendimento foi consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) por meio da edição da Súmula nº 213: “O mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária”. É evidente que o Poder Judiciário, nesse caso, limita-se a declarar o direito à compensação, de modo que compete à administração tributária o exame dos números da compensação.
Não obstante à clareza dessa serventia do mandado de segurança – consolidada na jurisprudência -, os contribuintes vêm se deparando, em tempos recentes, com inúmeras incertezas relacionadas à compensação tributária pela via mandamental.
Um primeiro golpe veio com a edição da nova Lei do Mandado de Segurança – Lei nº 12.016, de 2009. Entre outras disposições inconstitucionais, a nova lei facultou ao juiz a possibilidade de exigir caução para deferir medida liminar (art. 7º, III) e estipulou que “não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de créditos tributários (…)” (art. 7º, § 2º). O prejuízo resultante do amesquinhamento da função da liminar é indiscutível: medida acautelatória que é, não pode ficar subordinada à garantia em dinheiro, sendo imperiosa sua concessão toda vez que estiverem presentes os requisitos autorizadores.
No que tange à limitação do deferimento de liminar em matéria de compensação, a disposição da nova lei, apenas aparentemente, atenderia o entendimento, originalmente afirmado pela Súmula nº 212 do STJ e depois consolidado no art. 170-A do Código Tributário Nacional, de que a compensação tributária não pode ser deferida por medida liminar. No entanto, é fundamental debruçar um segundo olhar sobre a redação do art. 7º, § 2º da Lei, o qual estipula que “não será concedida medida liminar que tenha por objeto compensação tributária”. É perceptível o uso de linguagem extremamente aberta que dá margem a interpretações restritivas à concessão da liminar: seria de todo implausível aplicar o dispositivo, por exemplo, para indeferir liminar que pretenda suspender a exigibilidade de débito resultante da rejeição, por parte da administração tributária, de uma compensação administrativa realizada pelo contribuinte com base em decisão judicial transitada em julgado? A provocação é pertinente por revelar que esta regra, se lida de forma equivocadamente extensiva, pode acarretar o absoluto afastamento do uso do poder geral de cautela judicial na compensação tributária.
A par das regras de constitucionalidade duvidosa da nova lei, merece destaque e exige profunda discussão crítica uma recente decisão proferida pela 1ª Turma do STJ nos autos do ROMS nº 24.865, publicada em agosto de 2010. Nesse precedente, o STJ entendeu, com alegado fundamento em uma súmula do Supremo Tribunal Federal (STF) – aprovada em 1963 (!) e relativa à nomeação de aprovados em concursos públicos -, que o mandado de segurança não poderia produzir efeitos patrimoniais pretéritos, de modo que somente seria viável a declaração do direito à compensação dos indébitos recolhidos após a impetração da ação mandamental.
O posicionamento apresenta duas fragilidades claras. A primeira consiste em que a concessão da segurança para declarar o direito à compensação do indébito é imperativa sempre que um ato coator relativo à cobrança indevida de um tributo for demonstrável por meio de prova pré-constituída, não havendo qualquer razão que deslegitime sua eficácia retroativa. A segunda, de ordem lógica e pragmática, mas igualmente válida, tem a ver com a completa falta de sentido em se impetrar mandado de segurança para ter declarado o direito à compensação de indébitos que sequer foram recolhidos! De todo modo, a decisão parece ser uma manifestação isolada do tribunal, tendo em vista sua jurisprudência reiterada em defesa da possibilidade de compensação, via mandado de segurança, de indébitos pagos anteriormente à sua impetração. Tanto é que a própria 1ª Seção do STJ, apenas três meses antes dessa decisão, havia proferido uma decisão muito bem fundamentada nesse sentido (ERESP nº 1.020.910-RS).
Conquanto seja improvável a sustentação dessa decisão no âmbito da 1ª Seção do STJ, ela sugere uma sistemática e perigosa tendência de redução do escopo do mandado de segurança em matéria tributária, além de representar mais um passo no sentido de restringir a própria compensação tributária. O diálogo saudável entre a Corte e o restante da comunidade jurídica é fundamental para aplacar os efeitos das confusões decorrentes da frequente prolação de decisões contraditórias pelo tribunal.
Breno Kingma e Daniel Sternick são, respectivamente, sócio e advogado da área tributária de Vieira, Rezende, Barbosa e Guerreiro Advogados
Fonte: Valor Econômico
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