Prefeitura deixará de arrecadar R$ 420 mi, que também dariam para construir cem escolas

Caso o projeto de isenção fiscal para o futuro estádio do Corinthians (o Fielzão) seja aprovado, nada menos que R$ 420 milhões deixarão de entrar nos cofres da cidade de São Paulo. O dinheiro que a administração municipal pode deixar de arrecadar bancaria a construção de 787 UBSs (Unidades Básicas de Saúde), de 420 creches ou ainda de cem escolas de ensino fundamental na capital paulista.

O cálculo para o número de UBSs foi feito com base no anúncio do Ministério da Saúde, na quinta-feira (16), da liberação de R$ 4,3 milhões para a construção de 17 UBSs em oito Estados. A mais cara delas, em Itaquaquecetuba, no interior de São Paulo, comporta quatro equipes de saúde da família e custa 533,33 mil.

Para Adib Jatene, ex-secretário de Estado da Saúde de São Paulo e ex-ministro da Saúde, os R$ 420 milhões que a prefeitura pretende dar de isenção fiscal ao Fielzão “farão falta para a cidade, que sofre com a falta de médicos e unidades de saúde”. Segundo ele, a verba poderia ser usada, por exemplo, para manter 700 equipes de saúde da família durante um ano. O número também seria suficiente para aumentar a abrangência do programa, que, atualmente, cobre apenas 43% da população.

– Com R$ 420 milhões dava pra colocar o programa Saúde da Família em todas as áreas de São Paulo.

Jatene cita como exemplo a situação do bairro de Brasilândia, na zona norte da cidade, que tem 418 mil pessoas. Segundo ele, existem 64 equipes na região e faltam 50 para completar o serviço médico que atende em domicílio.

– Isso significaria a construção de 11 UBSs, e custaria R$ 30 milhões por ano.

Hospitais
No início deste mês, a Prefeitura de São Paulo anunciou a primeira PPP (Parceria Público-Privada) da área de saúde. Entre as promessas feitas, está a construção de três hospitais até o final de 2012. Mas para ex-secretário da Saúde, o investimento é pouco perto da necessidade da cidade.

– Nós temos uma deficiência nas áreas mais periféricas. No mínimo, precisariam de 20 hospitais de 200 leitos. A prefeitura se dispõe a construir três.

Durante o anúncio da construção dos hospitais, o secretário municipal de Saúde, Januario Montone, afirmou que serão destinados mais de R$ 1 bilhão para a construção dos três hospitais. Com o dinheiro da isenção do Fielzão seria possível construir mais um hospital desse mesmo porte na cidade, com capacidade para atender 240 mil pessoas no setor de urgência por ano.

Escolas

A verba que a administração municipal pode deixar de arrecadar também serviria para a construção de cem escolas municipais, que atenderiam, cada uma, cerca de 700 alunos de regiões da periferia de São Paulo. O cálculo foi feito com base no valor gasto (R$ 4,2 milhões) pela administração municipal na construção da Emef (Escola Municipal de Ensino Fundamental) M’Boi Mirim 3, na zona sul da capital, em 2009.

Atualmente, a prefeitura possui 2.535 escolas municipais. No final de 2010, Gilberto Kassab (PSD) prometeu, até 2012, a restauração de 901 unidades dentro do Programa de Reforma das Escolas Municipais: o equivalente a 35% do total. Tomando como exemplo a requalificação da Emei (Escola Municipal de Ensino Infantil) Santo Dias da Silva, que custou R$ 150 mil aos cofres municipais, a prefeitura poderia estender os reparos para as outras 1.634 unidades de educação e ainda ter dinheiro em caixa para realizar obras em outras mil escolas com os R$ 420 milhões do Fielzão.

Creches

Outra promessa da gestão de Kassab é por um fim ao déficit de vagas em creches na cidade de São Paulo. Segundo a Secretaria Municipal de Educação, a fila de espera pela matrícula nessas unidades é gigantesca: 127 mil crianças anda não são atendidas pela Prefeitura de São Paulo. Mas a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2012 indicou que a administração não irá cumprir esta e outras quatro metas previstas para melhorar a vida do paulistano.

Em agosto de 2010, a prefeitura fechou um contrato de R$ 1,8 milhão para a construção do CEI (Centro de Educação Infantil) Jardim Centenário, na avenida Parada Pinto, na zona norte. Colocando como exemplo esta creche, o prefeito poderia colocar de pé cerca de 233 unidades de educação para crianças de 3 a 5 anos de idade com o dinheiro da isenção do estádio. O número de vagas em cada creche varia de acordo com a região da cidade. Mas considerando que a média de vagas no bairro Cachoeirinha, também na zona norte, é de 148, essas unidades que deixam de ser construídas abrigariam cerca de 34 mil crianças.

A pesquisadora do grupo de educação da Rede Nossa São Paulo Samantha Neves defende que a ampliação das creches da capital paulista deveria ser uma das prioridades emergenciais no atendimento da rede do ensino da cidade. Ela ressalta que o número de crianças que aguardam na fila pode ser ainda maior, porque muitos pais deixam de procurar as creches por saberem que não há vagas.

– O problema já se arrasta por 30 anos. A ampliação do atendimento nas creches continua não sendo prioridade do poder público e, por isso, se agrava cada vez mais.

Samantha usa como base os dados do documento Custo Aluno Qualidade, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, de 2006, para também fazer uma projeção do impacto dos R$ 420 milhões na rede de ensino municipal. O estudo mostrou que o custo médio nacional para a construção de uma creche com capacidade para 120 alunos seria de R$ 1 milhão. O valor inclui também a manutenção e a operação da unidade.

A partir desses dados, seria viável então fazer a construção de 420 creches e atender a 50.400 crianças que ainda são excluídas do atendimento da prefeitura.

A pesquisadora também chama a atenção para a “necessidade de fortalecer a educação de jovens e adultos na cidade”. Em São Paulo, segundo o Censo de 2000, o número de pessoas com mais de 15 anos que não sabem ler e escrever corresponde a 5% da população.

– Isso representa 380 mil pessoas que ainda não sabem ler e escrever. Além disso, temos percebido em âmbito nacional uma queda no número de matrículas nos cursos para jovens e adultos. Entre outros motivos, isso se explica pela falta de investimento do poder público.

Outro lado

A Prefeitura de São Paulo afirmou que não irá investir verba do Tesouro Municipal na construção do estádio. De acordo com o órgão, o objetivo é beneficiar a zona leste e que estudos mostram que, em longo prazo, o desenvolvimento do novo polo econômico gerará arrecadação fiscal superior ao incentivo.

A assessoria afirmou ainda que a prefeitura, ao enviar o projeto de lei à Câmara, apenas pretende adaptar a legislação existente de incentivo aos investimentos na zona leste. O incentivo fiscal é um instrumento disciplinado no Município de São Paulo desde 2004, antes da escolha do Brasil como país sede da Copa.

Fonte: R7