Apesar de apelo da CVM, primeiros balanços no padrão IFRS indicam que uma minoria deve adotar novo valor para bens como terrenos, prédios, máquinas e equipamentos.
Reginaldo Alexandre, presidente da Apimec-SP: possível redução dos dividendos é preocupação dos acionistas
Apesar de a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ter recomendado fortemente que as companhias abertas brasileiras atualizassem o valor do seu ativo imobilizado em caso de distorção relevante, a maioria das empresas que já publicou o balanço conforme o padrão internacional IFRS optou por manter os números registrados até então. Entre aquelas que decidiram fazer as mudanças, tampouco houve um padrão, o que pode causar dúvidas para os investidores.
A mudança no valor de terrenos, prédios, máquinas e equipamentos tem basicamente duas consequências, sendo uma positiva e outra negativa. A parte boa é que o patrimônio líquido da companhia se eleva, o que melhora índices de endividamento, como dívida sobre o patrimônio. Do lado ruim, está o impacto que a atribuição de um novo custo para o ativo pode ter em termos de dividendos. Ao se elevar o valor dos bens do balanço, aumenta-se a despesa de depreciação registrada anualmente. Apesar de não ter efeito no fluxo de caixa, essa mudança reduz o lucro líquido societário, que é a base para distribuição de dividendos aos acionistas.
Segundo uma fonte do setor que pediu para não ser identificada, houve forte pressão dos investidores para que não houvesse a atribuição de novo custo por conta desse possível impacto nos dividendos. Reginaldo Alexandre, presidente da unidade paulista da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec-SP), admite que essa é uma preocupação dos acionistas, mas destaca que as companhias continuam com o mesmo potencial de distribuição de dividendos de antes, já que o caixa é o mesmo, e podem fazer ajustes para manter a remuneração.
“Mas pode haver empresa que paga o mínimo e que tenha intenção de diminuir o pagamento e que não fará esse ajuste. Talvez seja esse o problema que alguns acionistas eventualmente vejam”, reconhece Alexandre, destacando ainda que, no caso de mudança no valor de terrenos, que não são depreciados, só há o efeito de elevação do patrimônio.
Embora a adoção da regra não seja obrigatória, assim como no IFRS, o órgão regulador brasileiro fez uma grande defesa da prática e exigiu uma explicação das companhias que decidirem não atribuir um novo custo para terrenos, imóveis e máquinas. “A empresa terá que dizer que considera que o valor registrado no balanço está próximo do valor justo. A explicação só pode ser essa”, diz José Carlos Bezerra, gerente de normas contábeis da CVM, ressaltando que a autarquia sempre terá o poder de questionar essa avaliação. “Afirmar isso tem consequências.”
Tendo em conta a amostra de cerca de 30 empresas entre as 100 maiores por receita que já adotaram o IFRS até o terceiro trimestre, a Ernst & Young Terco identificou apenas duas que fizeram algum tipo de atualização – Suzano Papel e Celulose e Klabin, com efeitos bilionários no patrimônio. “Esse é um sinal grande de que a tendência será não fazer”, disse Paul Sutcliffe, sócio de auditoria da Ernst & Young. Fora desse grupo, a Cremer já informou em fato relevante que fará essa atualização. Na maior parte dos casos, somente olhando as notas explicativas é possível saber se houve ou não adoção.
A ocorrência de poucos casos até agora vai contra o senso comum que se tinha, antes do processo de convergência contábil, de que os valores dos bens do ativo imobilizado das companhias abertas brasileiras estariam desatualizados, uma vez que a prática mais recorrente no país era usar a tabela da Receita Federal, considerada levemente acelerada, para fazer a depreciação desses bens. Nessa tabela, um prédio passa a valer zero depois de 25 anos, máquinas e equipamentos duram de cinco a dez anos e um veículo perde todo seu valor em cinco anos.
É importante destacar que, ao contrário da possibilidade de reavaliação espontânea que existe para empresas de outros países que usam IFRS, essa é uma oportunidade única paras as companhias brasileiras aumentarem o valor do ativo e, consequentemente, do patrimônio líquido. Isso porque a Lei 11.638, de 2007, que introduziu o processo de convergência contábil, proibiu a reavaliação periódica de ativos.
“Ou faz no primeiro balanço ou não faz mais”, destaca Adeildo Oliveira, sócio da Audicont e consultor da Consul Patrimonial, que destaca ainda que o efeito tributário da mudança é zero, por estar enquadrada dentro do Regime Tributário de Transição.
O fato de a medida ser facultativa já causa arrependimentos em alguns membros do CPC. Teme-se que isso dificulte a comparação dos demonstrativos entre empresas do mesmo setor – que era o objetivo inicial do processo de convergência contábil – ou que leve à prática comum quando a reavaliação era permitida: o uso da regra somente quando for conveniente.
O sócio-líder da área de IFRS da Deloitte, Bruce Mescher, discorda dessa avaliação. “A resposta de se fazer ou não (a atribuição de um novo custo) será dada caso a caso. Para aquelas que não estão fazendo, é porque as taxas usadas nos anos anteriores eram adequadas. As empresas estavam satisfeitas com a avaliação de que os valores de custo histórico refletem mesmo a realidade econômica desses bens”, afirma o especialista.
Segundo Luciano Cunha, também sócio da Deloitte, o IFRS não tem como pretensão deixar todas as práticas contábeis iguais na data de partida, mas sim daquele momento em diante, no maior número de países possível. “No momento de transição sempre haverá legados de práticas contábeis antigas”, explica.
Fonte: Fernando Torres | De São Paulo –Valor Econômico