A imprescindível reforma tributária apresenta importantes desafios a serem enfrentados pelo Brasil. Dentre eles, o de simplificar o sistema de arrecadação, torná-lo mais justo para o contribuinte e adequado aos princípios federativos, melhorando a competitividade dos produtos brasileiros e pondo fim à guerra fiscal.
A primeira questão a ser revista no processo diz respeito à carga tributária, aparentemente muito elevada, que onera demasiadamente a produção. É preciso fazer um verdadeiro orçamento das necessidades da União, dos estados e dos municípios, para se chegar à receita adequada de impostos e taxas, mantendo-se ou se reduzindo o montante recolhido à sociedade.
Também é necessário solucionar a injustiça tributária observada nas alíquotas do ICMS e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Embutidas nos preços dos produtos e serviços, privilegiam quem tem maior renda, pois, ao fazer qualquer compra, o indivíduo que ganha 10 salários mínimos paga o mesmo que aquele que recebe apenas um.
É preciso calcular as necessidades dos entes federativos para chegar à receita adequada de impostos e taxas
A mesma lógica perversa ocorre na distribuição das receitas aos estados. Sob o manto do regime federalista, o sistema de partilha dos recursos arrecadados, via fundos de participação dos estados (FPE) e dos municípios (FPM), privilegia os que têm economia menos desenvolvida, estimulando aquilo que poderíamos chamar de “preguiça tributária”.
Do montante arrecadado por São Paulo, em Imposto de Renda e IPI, por exemplo, apenas cerca de 2% retornam aos cofres do estado e de seus municípios. O restante é distribuído às unidades federativas que menos produzem. Esse sistema torna-se permissivo à medida que não existem mecanismos que estimulem e induzam todos os estados a promover iniciativas mais eficazes para melhorar sua arrecadação.
Nas transações do comércio interestadual, as regras de distribuição da receita do ICMS divididas entre origem e destino da mercadoria também foram concebidas para permitir aos estados menos desenvolvidos arrecadar mais. Porém, uma empresa que se instale em um desses estados que concede benefícios, ao receber vantagens fiscais do tipo crédito presumido, no ato da venda, permite que as organizações compradoras – muitas vezes pertencentes ao mesmo conglomerado corporativo – façam uso de um crédito correspondente a um imposto que não foi pago. Por conta dessa distorção, o estado de São Paulo está cobrando e busca receber cerca de R$ 9 bilhões entre impostos, juros e multas de empresas que adquiriram mercadorias oriundas de estados que aplicam esse artifício.
Para as unidades federativas menos desenvolvidas, torna-se extremamente vantajoso, em curto prazo, atrair novas empresas por meio do abatimento da base de cálculo, diferimento (pagamento parcelado) e remissão do ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços), principal tributo estadual. Uma vez que se trata de uma receita que não existia anteriormente, não estão abrindo mão de arrecadação. Há compensações imediatas, por conta da geração de emprego e renda.
Em longo prazo, porém, as consequências podem ser muito negativas, pois há empresas que até abandonam o local quando vence o período de concessão do benefício fiscal e nem sempre se confirmam, ao longo do tempo, as expectativas de criação e manutenção de postos de trabalho. Ademais, sempre há o custo da contrapartida do poder público na infraestrutura, exigindo investimentos, muitas vezes realizados a fundo perdido.
Todos esses problemas são graves e se constituem na base da chamada guerra fiscal, que prejudica muito o Brasil, à medida que estabelece regras tributárias muito distintas nas várias regiões de nosso imenso território. Com certeza, tais disparidades causam estranheza nos investidores, em especial de outras nações, que nem sempre entendem como o mesmo país pode ter tamanha disparidade no tocante à cobrança de impostos. Ou seja, trata-se de algo negativo que vai na contramão do objetivo de se estabelecer um ambiente cada vez mais propício aos negócios e ao crescimento econômico.
Outra vertente perniciosa da guerra fiscal é a atração de investimentos, por alguns estados, por meio da isenção/redução do ICMS para o ingresso em seus portos de produtos importados. A danosa prática soma-se ao câmbio sobrevalorizado e aos demais conhecidos ônus do “Custo Brasil” como fator prejudicial à competitividade da indústria de transformação, cujo déficit na balança comercial, em 2010, superou a US$ 70 bilhões. Dados da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) mostram que, de 2001 a 2010, o país perdeu R$ 55 bilhões em arrecadação e deixou de criar 770 mil empregos em decorrência do aumento do consumo interno de mercadorias estrangeiras.
Uma solução seria cobrar o ICMS apenas no estado de destino dos importados e cumprir a legislação unificada para o imposto. Não se pode mais continuar convivendo com tamanha discrepância.
Para nós, agentes fiscais de renda, que convivemos cotidianamente com os escombros da guerra fiscal, é essencial debater o tema com a sociedade brasileira. Nesse contexto, é grande a expectativa de que o governo e o Congresso Nacional realizem a reforma tributária, simplificando o sistema de impostos, tornando-o mais justo e menos oneroso para o contribuinte e estimulando a competitividade dos setores produtivos nacionais.
Ivan Netto Moreno, Valor Econômico