Em média, indústria recebe o pagamento por uma mercadoria 49 dias após recolher os tributos
Marta Watanabe

Cerca de 60 dias depois que copos e utensílios de vidros deixam a fábrica de Suzano ou da capital paulista rumo a algum ponto de venda dos clientes varejistas, a fabricante Nadir Figueiredo recebe o valor da venda dos produtos. Isso, em média. Grandes supermercados às vezes negociam prazos maiores. No caso da Fidalga, fabricante de escovas, o prazo médio de 60 dias costuma se aproximar dos três meses quando o varejista conta o prazo de pagamento ao fornecedor somente a partir da entrega das mercadorias.

Mesmo demorando 60 ou 90 dias para receber pelas mercadorias, porém, as duas companhias recolhem os tributos devidos pela venda dos produtos até o fim do mês seguinte. Ou seja, pagam os tributos antes de ter recebido pela venda que deu origem à cobrança dos impostos e contribuições.

Nem sempre, porém, há recursos em caixa para pagar os impostos. Nesse caso, a alternativa para não cair na inadimplência é ir para o mercado financeiro e usar o empréstimo para ficar em dia com o Fisco.

Atualmente o descompasso entre o prazo para recolhimento de tributos e o recebimento das vendas para a indústria de transformação é, em média, de 49 dias. Isso criou, em 2010, um custo financeiro total de R$ 8,9 bilhões ao longo de toda a cadeia produtiva da indústria de transformação.

Os cálculos são do Departamento de Competitividade e Tecnologia (Decomtec) da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e servem de base para um documento que será encaminhado hoje pela entidade ao governo federal. A Fiesp considerou o custo relativo aos juros no crédito tomado para pagamento dos impostos e também o custo financeiro no uso de capital próprio, em razão da perda de rentabilidade sofrida pelo recurso não estar mais disponível. O cálculo também levou em conta o impacto do repasse do custo financeiro nos preços.

A Fiesp deve pedir ao governo federal prorrogação em 60 dias dos prazos de pagamentos de tributos. O pleito será levado também aos Estados. Para que o impacto na arrecadação seja amenizado, a Fiesp propõe que a cada mês o prazo seja alongado em cinco dias além do vigente. Assim em 12 meses podem ser atingidos os 60 dias.

Segundo levantamento da Fiesp, as indústrias recebem o pagamento dos clientes 55 dias após as vendas, em média. O ciclo médio de produção da indústria de transformação é de 72 dias. Levando em conta que há tributos gerados desde o início do ciclo de produção – os tributos pagos sobre a folha de salários, por exemplo -, o descompasso entre o recolhimento do tributo e o recebimento da venda pode chegar a 127 dias.

“Nem sempre eu preciso recorrer ao mercado financeiro. Mas mesmo quando eu não faço isso, há uma perda, porque a disponibilidade de caixa poderia ser aplicada para outras coisas, como investimento”, diz Raul Antonio de Paula e Silva, 1º secretário do conselho de administração da Nadir Figueiredo. Ele lembra que a empresa planeja dobrar a capacidade de produção da fábrica mantida em Suzano, no interior paulista. “Se eu não tivesse esse custo com o pagamento dos tributos, eu poderia estar com esse projeto em estágio mais adiantado.”

Silva explica que a empresa já investiu R$ 35 milhões para a construção de um local de armazenamento para produtos acabados. A fábrica em Suzano, que atualmente produz 190 mil toneladas diárias, deverá ter capacidade de produção dobrada no fim de 2013 ou início de 2014. “Sem a necessidade de antecipar os impostos, eu poderia adiantar isso em cerca de seis meses”, diz.

Manolo Canosa Miguez, presidente da Escovas Fidalga, também diz que, de qualquer forma, o pagamento adiantado de tributos tira o fôlego da empresa. A Escovas Fidalga recorre ao mercado financeiro em momentos tradicionalmente de menor disponibilidade de caixa. “O fim de ano, quando precisamos pagar o 13º salário, é um bom exemplo”, diz. “Quando há caixa não precisamos de crédito, mas com o recurso comprometido com os impostos, deixamos de fazer uma inovação ou melhoria tecnológica”, afirma.

Miguez lembra que um dos tributos mais pesados é o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) cobrado pelos Estados. Principalmente em razão da substituição tributária, que faz a indústria atualmente antecipar para as Fazendas estaduais o imposto que vai ser recolhido pelo varejista. “Nós na verdade estamos financiando o varejista. Porque pagamos para ele o imposto que vai dentro do preço da mercadoria. Mas nós recebemos somente depois de 60 ou 90 dias.” Segundo ele, a antecipação de ICMS tira de 13% a 16% da disponibilidade de caixa mensal da fabricante de escovas.

Paulo Skaf, presidente da Fiesp, lembra que o “descasamento” entre as datas de recolhimento do imposto e de faturamento tem origem no período de alta inflação. Antes, explica, os tributos chegavam a ter prazo de recolhimento de 120 dias. E os prazos de pagamento das vendas eram igualmente dilatados. “Quando a inflação passou a aumentar, as empresas passaram a dar prazo menor de pagamento e o governo também reduziu o prazo para pagamento dos impostos”, diz Skaf. “O problema é que depois a inflação foi reduzida e as empresas voltaram a dar maior prazo aos clientes, mas o governo não voltou a dar mais tempo para pagar tributos.”

“O descasamento traz um custo financeiro que é repassado aos preços”, diz José Ricardo Roriz Coelho, diretor do Decomtec. O levantamento da Fiesp mostra que 0,61% do preço final dos produtos industriais decorre do carregamento desse custo. O impacto é maior em razão da pesada carga tributária e dos juros elevados.

“Quem perde mais é a empresa média”, diz Silva, da Nadir Figueiredo. “Há linhas de crédito especiais para as pequenas empresas e as grandes companhias têm capacidade de negociação. As médias não possuem nenhuma das duas vantagens.”

Quando se trata de competitividade e concorrência com importados, diz Roriz, a tendência é de perda para toda indústria brasileira. “O descasamento entre o pagamento de impostos e o recebimento pelas vendas contribui para tirar a competitividade, mas é um problema simples de ser resolvido.”

A prorrogação em 60 dias dos prazos para pagamento em impostos amenizaria o problema do descasamento, diz Roriz. Segundo o estudo, com a medida, 45,7% dos tributos recolhidos pela indústria ainda seriam pagos antes do recebimento das vendas. Mas restariam 54,3% que poderiam ser aplicados na produção industrial.

ICMS é o tributo que mais pesa

Atualmente as indústrias recolhem 93,5% do seus tributos antes de receber pelas vendas. Segundo estudo da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), a cobrança que mais pesa no setor é feita pelos Estados, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), responsável por 28,9% do valor total recolhido.

O ICMS acaba tendo impacto sobre as indústrias tanto durante o processo de produção, na compra de insumos, quanto na distribuição de mercadorias, quando é devido sobre as vendas. O ICMS deve ser recolhido até o dia 9 do mês subsequente ao do fato que deu origem ao pagamento do imposto. Quando se trata do ICMS devido sobre a compra de insumos, o imposto é recolhido 56 dias antes do recebimento da venda da mercadoria. No caso do ICMS que a indústria recolhe sobre a venda, o descompasso diminui para 31 dias. O estudo da Fiesp não levou em consideração o efeito da substituição tributária, mecanismo que antecipa na indústria a cobrança do imposto para toda a cadeia comercial e que contribui para aumentar ainda mais o descasamento de prazos.

A Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) é o segundo tributo que mais pesa para a indústria e corresponde a 15,8% da carga. De forma semelhante ao ICMS ele tem sua carga dividida como custo de produção e de venda para a indústria. Calculada sobre a folha de salários, a contribuição ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) pesa menos no total da carga tributária – 12,8% -, mas tem a desvantagem de estar totalmente atrelada ao estágio da produção. Isso faz com que ela seja recolhida 92 dias antes de a empresa receber pela venda do produto fabricado. O Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) é o tributo mais antecipado, recolhido 114 dias antes da venda, mas é o que menos pesa na carga da indústria. (MW)

Indústria e Fazenda debatem substituição tributária

A Secretaria da Fazenda de São Paulo e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) irão montar em conjunto cinco grupos para estudar questões tributárias que vão desde substituição tributária até mudanças legislativas. A informação é do presidente da entidade, Paulo Skaf. Segundo ele, a formação dos grupos foi resolvida em almoço com o secretário de Fazenda, Andrea Calabi. Os grupos deverão começar a ser montados esta semana e terão membros da Fiesp e da Fazenda. Procurada, a Secretaria da Fazenda confirma a criação de grupos para estudar questões tributárias e diz que os temas deverão passar por “ajustes”.

O presidente da Fiesp diz que um dos grupos analisará o aperfeiçoamento da substituição tributária, sistema de recolhimento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) pelo qual a indústria antecipa o imposto devido nas etapas seguintes de comercialização da mercadoria. Segundo Skaf, a entidade não pede a eliminação da sistemática, mas a revisão para “segmentos nos quais há distorções”. Ampliada na gestão anterior, a substituição tributária foi uma das marcas do governo José Serra (PSDB) e alvo de atritos entre a Fazenda e as empresas.

Outro dos cinco grupos será “emergencial”, para analisar a proposta do senador Romero Jucá (PMDB-RR) para uma nova resolução que deverá alterar as alíquotas de ICMS sobre operações interestaduais de mercadorias procedentes do exterior. A proposta do senador estabelece alíquota zero para essas transferências. Atualmente, a operação interestadual é tributada com alíquotas de 7% ou 12%.

Isabela Schenberg Frascino, do escritório Levy & Salomão, explica que a alíquota zero valeria somente para os casos em que a mercadoria importada do exterior não passa por processo de industrialização e é remetida a outro Estado diretamente pelo importador. A ideia da proposta, diz, é neutralizar os incentivos fiscais dados por alguns Estados na importação de produtos.

Com alíquota zero, diz Isabela, quem recebe a mercadoria no Estado de destino deixa de aproveitar o crédito de 7% ou 12% da transferência interestadual, o que pode tornar a operação desinteressante.

Skaf lembra, porém, que a proposta pode prejudicar os produtos nacionais, porque criaria uma carga tributária menor sobre os importados na comparação com os fabricados internamente. Principalmente quando se leva em conta a comercialização por empresas que não tomam crédito de ICMS, como as empresas do Simples. “Como elas não tomam o crédito, a compra do importado com alíquota interestadual zero pode ser interessante.” Segundo ele, a ideia do grupo emergencial é estudar uma proposta de alteração do texto. Para Skaf, pode-se aproveitar a mudança de alíquotas interestaduais para começar a estabelecer uma cobrança de ICMS mais voltada ao destino do que à origem.

Além da substituição tributária e da proposta de alteração da alíquota interestadual, os grupos conjuntos também deverão estudar temas como programa de parcelamento de impostos, desoneração de investimentos e reforma tributária, o que englobaria também questões de guerra fiscal. (MW)

Fonte:Valor Econômico