Estudo revela que novas regras elevaram a associação entre o lucro das companhias e o desempenho das ações
O trabalhoso processo de migração para o padrão internacional de contabilidade IFRS aparentemente não está sendo em vão. Estudo acadêmico publicado em janeiro revelou que as informações contidas nos balanços das empresas ganharam relevância a partir de 2008, depois das mudanças de normas contábeis decorrentes da edição da Lei 11.638, de 2007. Melhorou a qualidade da contabilidade, o que significa que os demonstrativos financeiros passaram a ser documentos mais úteis, tendo uma ligação mais próxima com o valor das ações.
Segundo a tese de doutorado defendida no fim de janeiro pelo professor João Batista Nast de Lima, na Universidade de São Paulo (USP), a adoção da etapa intermediária entre o modelo contábil brasileiro e o IFRS aumentou a associação existente entre os resultados das companhias e o preço das ações negociadas na BM&FBovespa.
No período de 1995 a 2007, o lucro e o patrimônio líquido divulgados no balanço anual das companhias explicavam 16% dos preços de uma ação – sendo o restante determinado por outros fatores, como macroeconomia, questões setoriais etc.
Com as novas regras contábeis, segundo o estudo, esse índice, chamado tecnicamente de coeficiente de determinação, aumentou para de 47% em 2008 e foi de 23% no período de 2008 a 2009.
Quando foram analisados os balanços trimestrais, o índice foi de 5,5% com as práticas contábeis antigas, subiu para 19% em 2008 e ficou em 17,5% no intervalo entre 2008 e 2009.
O estudo também analisou a variação do lucro e do patrimônio entre diferentes períodos e o retorno das ações nesse intervalo.
Os resultados também mostraram que as novas regras elevaram a associação entre a variação dos dados contábeis e das cotações dos papéis na bolsa.
A amostra observada foi de 107 empresas, que participaram do índice Ibovespa em algum momento durante o período de 1995 a 2009. No total, foram 2.277 balanços observados.
O método usado para essa verificação é o mesmo que os médicos usam para dizer que o colesterol ou o hábito de fumar aumentam o risco de uma pessoa ter infarto ou câncer, por exemplo.
Intuitivamente, é possível imaginar que uma companhia que apresente lucros grandes e crescentes tenda a valer mais com o tempo. Da mesma forma, se o lucro diminui ou se a companhia tem prejuízo, seu valor de mercado deveria ser menor.
No entanto, isso nem sempre é verdade. O estudo destaca que qualidade da informação contábil depende não apenas das normas usadas em determinado país, mas também de fatores institucionais como o estágio de desenvolvimento do mercado de capitais, a estrutura de capital das empresas, a concentração da propriedade e o sistema tributário vigente.
Assim, se as empresas usam pouco o mercado para se financiar, elas tem menos incentivo para divulgar suas informações com melhor qualidade. Se a contabilidade societária é a mesma usada para fins fiscais, as companhias podem tentar usar artifícios para reduzir o lucro – ainda que a operação vá bem -, para pagar menos impostos.
Essa era a realidade existente no Brasil até 2007, combinada também com um modelo de contabilidade que privilegiava a forma e não a essência econômica. Em resumo, segundo Nast de Lima, o Brasil tinha todas as características que levavam a uma informação contábil de baixa qualidade.
Não por acaso, era bastante comum – na verdade, ainda é – se ouvir a expressão “meramente contábil” para se referir a impactos relevantes, como a desvalorização cambial, que reduziam o lucro líquido das empresas.
O outro lado da moeda é que as divulgações dos executivos se baseavam principalmente em indicadores de resultado “ajustados” e não auditados, o que reduz a confiabilidade dos números e dificulta a comparação de empresas diferentes pelos investidores.
A Lei 11.638 mudou basicamente dois pontos: dissociou a contabilidade societária da fiscal e abriu o caminho para a migração para o padrão de contabilidade internacional IFRS, cujo objetivo declarado é informar o investidor.
“Temos ainda alguns fatores [que favorecem a informação contábil de baixa qualidade] que permanecem. Eu quis verificar se o regramento novo conseguiria romper essa baixa informatividade”, afirma o pesquisador, que foi orientado por Alexandro Broedel, diretor da CVM e também professor da USP. A conclusão do estudo é que essa melhora de fato ocorreu.
Fonte: Valor Economico