Muito se tem discutido acerca do alcance e conteúdo da não comutatividade do PIS/COFINS e PIS/COFINS-importação.

Examinemos a questão à luz do § 12, do art. 195 da CF incluído pela Emenda Constitucional nº 42/03 e da legislação vigente para saber se trata de um princípio constitucional ou uma técnica de tributação, bem como os e demais aspectos conexos.

A Lei nº 10.637, de 30-12-2002, fruto da conversão da MP nº 66, de 29-8-2002, estabeleceu a tributação não cumulativa para o PIS para os setores especificados, aumentando a alíquota de 0,65% para 1,65%.

A Lei nº 10.833 de 29-12-2003, resultado da conversão da MP nº 135, de 30-10-2003, estabeleceu a tributação não cumulativa da COFINS para os setores especificados, aumentando a alíquota de 3% para 7,6%.

Finalmente, a Lei nº 10.865, de 30-4-2004 que resultou da conversão da MP nº 164, de 29-1-2004, instituiu o PIS-importação e a COFINS-importação não cumulativo mediante a aplicação das alíquotas de 1,65% e 7,6%, respectivamente.

O § 12, do art. 195, da CF introduzido pela EC de nº 42, de 19-12-2003 tem a seguinte redação:

“A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não cumulativas.”

A doutrina vem discutindo se a não cumulatividade dessas contribuições sociais tem ou não fundamento constitucional. A tese que sustenta a inexistência de fundamento constitucional baseiam-se em três razões adiante mencionadas:

as legislações antecederam a previsão do § 12, do art. 195 da CF no que diz respeito às duas primeiras contribuições de seguridade social;
o § 12 não contém densidade jurídica suficiente para a implementação do princípio da não cumulatividade;
o § 12 não seria aplicável à contribuição do PIS/COFINS-importação que se resume em uma única operação, que tem como fato gerador a entrada de bens estrangeiros no território nacional ou o pagamento, o crédito, a entrega, o emprego ou a remessa de valores a residentes ou domiciliados no exterior como contraprestação do serviço prestado (art. 3º).

A primeira objeção não me parece pertinente. Sé é verdade que não havia previsão de não cumulatividade antes da Emenda 42/03 é verdade, também, que não havia qualquer vedação constitucional expressa ou implícita que proibisse o legislador ordinário de conferir a não cumulatividade das contribuições sociais referidas. Após a Emenda nº 42/03 a não cumulatividade passou a ser obrigatória.

A segunda objeção, consistente na falta de densidade jurídica do § 12, do art. 195 da CF, também não é suficiente para afastar o fundamento constitucional da não cumulatividade. A Lei Maior conferiu ao legislador ordinário a faculdade de definir com margem de discrição os setores da atividade econômica a serem submetidos ao regime não cumulativo. Margem de discrição, evidentemente, não dispensa a observância dos princípios constitucionais tributários, como o da isonomia que em última análise resulta do princípio da razoabilidade, um limite imposto à ação do próprio legislador.

A terceira objeção, de fato, é pertinente. Em princípio, difícil pensar em não cumulatividade do PIS/COFINS-importação em que há uma única incidência. A não cumulatividade pressupõe várias operações onde há incidência de tributos. Pressupõe tributação em cascata que o princípio da não cumulatividade visa eliminar. Pode-se, contudo, argumentar que se houver uma única incidência na entrada do produto ou do serviço importados não haverá tributação cumulativa, com ou sem previsão constitucional. Tributo de incidência monofásica é uma forma de manifestação da tributação não cumulativa. É o caso do PIS/COFINS-importação, pois não se pode cogitar de fase anterior à importação em razão do princípio da territorialidade das normas legais.

Não há, pois como afastar o fundamento constitucional da não cumulatividade. O que se pode discutir é se a não cumulatividade de que trata o § 12, do art. 195 da CF é a mesma do IPI e do ICMS, onde ela aparece como um princípio constitucional de aplicação cogente, ou de simples técnica de tributação dependente de regulamentação.

Para muitos autores, como Hugo de Brito Machado, Yoshiaki Ichihara e Marilene Talarico Martins Rodrigues, dentre outros, a não cumulatividade do PIS/COFINS é a mesma do estabelecido constitucionalmente para o ICMS e IPI apesar de as legislações dessas contribuições sociais serem anteriores ao advento da EC nº 42/03 que introduziu a não cumulatividade para essas contribuições. A faculdade do legislador ordinário residiria para esses autores apenas na eleição dos setores da atividade econômica a serem tributados pelo regime não cumulativo.[1] Para eles o fundamento constitucional da não cumulatividade dessas contribuições sociais deve ser buscado no princípio da não cumulatividade do ICMS e do IPI.

Humberto Ávila, também, na palestra inaugural do XXXVIII Simpósio Nacional de Direito Tributário, que tratou de temas controvertidos do PIS/COFINS, entendeu que a não cumulatividade prevista no § 12, do art. 195 da CF é um princípio constitucional e como tal é inconstitucional as contribuições sociais – PIS/COFINS – que sejam cumulativas.[2] Foi muito além da dicção do § 12, do art. 195 da CF que não determinou a aplicação do regime não cumulativo indistintamente a todos os setores da atividade econômica.

Se for um princípio constitucional, a não cumulatividade de que trata o § 12 deveria permitir a compensação da contribuição cobrada na anterior operação de faturamento ou receita, inclusive, com destaque de seu valor na respectiva nota fiscal. Entender o contrário seria desconstitucionalizar o princípio da não cumulatividade que está no art. 153, § 3º, II e no art. 155, § 2º, I da CF.

Sabidamente, as Leis nºs 10.637/02 e 10.833/03 não adotaram a mesma sistemática utilizada pelo legislador constituinte original, pois não permitem a compensação das contribuições incidentes nas etapas anteriores com aquelas devidas nas operações posteriores. Pelo contrário, prescrevem a apuração do montante das contribuições devidas para ao depois procederem aos descontos dos créditos correspondentes à aplicação das alíquotas indicadas na legislação sobre o valor dos bens, serviços e demais despesas incorridas durante o mês.

Mesmo porque a não cumulatividade dessas contribuições sociais foi instituída antes da determinação constitucional de definir os setores da atividade econômica a serem tributados pelo regime não cumulativo. Assim, descabe falar em vinculação do legislador infraconstitucional à hipótese de incidência dessas contribuições para traçar os parâmetros da não cumulatividade, isto é, considerando o faturamento ou a receita bruta, como sustentado por alguns autores apegados ao regime não cumulativo do IPI/ICMS. E mais, além de definir os setores atingidos pelo regime não cumulativo dele excluiu de antemão as pessoas jurídicas tributadas pelo imposto de renda com base no lucro presumido, assim como as empresas optantes do SIMPLES, independentemente do tipo de atividade econômica exercida, consoante escrevemos.[3]

Entretanto, indubitável que a finalidade da não cumulatividade nos termos previstos na Constituição é a de livrar produtos e serviços da superposição de cargas tributárias eliminando as chamadas incidências em cascatas. Dessa forma, a legislação ordinária não pode deixar de reconhecer, para os setores definidos, o direito de deduzir todos os créditos e as despesas necessárias à geração de receitas sobre as quais incidem as contribuições. Do contrário, a não cumulatividade mediante a elevação das alíquotas para 1,65% e 7,6%, para o PIS e para a COFINS, respectivamente, não passaria de mero expediente utilizado pelo legislador constituinte derivado para promover o aumento brutal da carga tributária, na contramão da situação conjuntural que está a exigir a diminuição da pressão tributária na busca do desenvolvimento econômico do País.

E sabidamente, a intenção do legislador constituinte, ao prescrever o regime não cumulativo para os setores que venham a ser definidos por lei visou desonerar produtos e serviços incentivando o desenvolvimento desses setores, impondo-se, dest’arte, a dedução de todos os insumos. O grande problema é que não há na legislação ordinária a definição dos insumos passíveis de dedução na apuração do montante da contribuição social a ser recolhida. Daí a dificuldade e a insegurança jurídica gerando intermináveis discussões administrativas e judiciais.

O certo é que a mais Alta Corte do País já decidiu pela recepção das Leis nºs. 10.637/02 e 10.865/03. Só resta à jurisprudência definir os contornos dessa técnica de tributação não cumulativa.

O alcance e o conteúdo da não cumulatividade das contribuições sociais na forma prevista no § 12, do art. 195 da CF serão definidos pelo STF que irá analisar o conceito de insumos para o efeito da obtenção do resultado não cumulativo do PIS e da COFIN no Agravo em Recurso Extraordinário em que já reconheceu a existência de repercussão geral.[4]

Notas:

[1] O posicionamento desses autores e de outros no mesmo sentido foram expostos no XXXVIII Simpósio Nacional de Direito e acham-se publicados no livro Pesquisas tributárias – aspectos polêmicos de pis-cofins. São Paulo: Lex Magister 2013.

[2] In Pesquisas tributárias, aspectos polêmicos do imposto de renda e proventos e qualquer natureza. São Paulo: Lex Magister, 2014, p. 25.

[3] Cf,. nosso Direito financeiro e tributário, 23 ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 367.

[4] ARE nº 790928, Relo. Min. Luiz Fux, DJe de 4-9-2014.

Autor:
Kiyoshi Harada
Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
Academia brasileira de direito, 13/1/2015