A CNI listou 101 propostas, iniciativas capazes de reduzir os custos, a burocracia e os riscos enfrentados pelo empresariado, além de elevar a competitividade e a produtividade da indústria brasileira.
Fernando Exman
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) decidiu aproveitar a sinalização dada pela presidente Dilma Rousseff de que há interesse do governo em alterar a legislação trabalhista para tentar impulsionar uma agenda de modernização do setor. A CNI listou 101 propostas, iniciativas capazes de reduzir os custos, a burocracia e os riscos enfrentados pelo empresariado, além de elevar a competitividade e a produtividade da indústria brasileira.
Obtido com exclusividade pelo Valor, o documento será discutido a partir de amanhã no Encontro Nacional da Indústria, em Brasília. Em uma iniciativa inédita, ele detalha, sob a ótica do setor produtivo, as diversas irracionalidades da atual legislação trabalhista. Além de apresentar as propostas, a CNI aponta os ganhos esperados com as mudanças sugeridas e quais seriam as medidas e os instrumentos necessários para executar tais alterações.
“A ideia foi trazer melhor conhecimento da realidade e de suas possibilidades de aperfeiçoamento. Buscou-se elaborar propostas equilibradas e exequíveis. Nosso objetivo é criar condições para o crescimento sustentado e gerar empregos de qualidade”, afirmou ao Valor o presidente da CNI, Robson Braga de Andrade. “Em momento algum o documento ‘101 Propostas para Modernização Trabalhista’ defende redução de salário e de direitos do trabalhador. O que se quer é a racionalidade na legislação trabalhista para que ganhem empresas e empregados juntos.”
Para a CNI, a modernização trabalhista é fundamental para garantir um maior dinamismo à indústria. Nas contas da instituição, a produtividade do setor aumentou 0,9% entre 2006 e 2011. Por outro lado, o salário médio em dólar e o custo unitário do trabalhador subiram 51,5% e 52,8% no mesmo período, respectivamente. Enquanto a produtividade cresceu apenas 3,7% entre 2000 e 2011, acrescentou a CNI, o salário médio do trabalhador calculado em dólar registrou uma apreciação de 103%.
Na visão do empresariado, porém, o aumento da produtividade só virá com inovação, a qual depende de qualificação do trabalhador, e da redução das chances de medidas que estimulem a meritocracia dentro das empresas acabarem sendo questionadas na Justiça. “O Brasil precisa aumentar a sua produtividade”, resumiu o gerente-executivo da Unidade de Relações do Trabalho da CNI, Emerson Casali.
Dados compilados pela entidade também demonstram que a indústria de transformação vem perdendo espaço na economia. Em 1985, anota a CNI, o setor correspondia a 35,8% do Produto Interno Bruto (PIB). Tal índice caiu para 14,6% em 2011. No mesmo período, a participação da indústria de transformação no mercado de trabalho passou de cerca de 25% para 17%.
O mesmo cenário é verificado numa análise do comércio exterior. Em 1992, aponta a CNI, a indústria de transformação respondia por 64,5% das exportações. Em 2011, essa parcela diminuiu para 36%. Já o coeficiente de importação do setor cresceu dos 14,1% observados em 1996 para 18,5% em 2011. A expectativa da CNI é que esse indicador, que representa o quanto do consumo interno é atendido por importados, ultrapasse 20% em 2012.
Nos últimos 12 meses até setembro, a geração de empregos na indústria de transformação caiu 90,2% em relação ao mesmo período anterior, para 24.851 vagas. Todos os seus 12 subsetores CNI registraram retração. “É uma perda de dinamismo clara. O emprego é muito relacionado ao crescimento econômico e ao investimento”, explicou Casali, para quem a concentração do emprego em grandes companhias demonstra que o Simples ajuda as pequenas empresas na área tributária, mas não na trabalhista.
Assim, o objetivo da CNI ao formular o documento foi sugerir uma forma de reduzir os custos e os riscos do empresário. As soluções envolvem diversas instituições, como os ministérios do Trabalho, da Fazenda, da Previdência, do Desenvolvimento, além dos sindicatos, da Justiça do Trabalho e o Parlamento.
Entre as propostas, 65 podem ser levadas adiante por meio de projeto de lei. Outras sete por ato normativo de ministérios. As alterações também poderiam ser feitas por decreto (seis), proposta de emenda constitucional (cinco), portaria (cinco), projeto de lei complementar (três) e novas normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho para a área de saúde e segurança. Outras 20 sugestões poderiam tomar corpo tanto por meio de atos normativos e projetos de lei como com revisões de súmulas do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
As “irracionalidades” apontadas pela Confederação Nacional da Indústria são verificadas em obrigações acessórias impostas às empresas, na forma de pagamento de benefícios, encargos previdenciários, no formato da jornada de trabalho, na forma do contrato de trabalho, nas licenças e na qualificação da mão de obra. Falar que o Brasil continua a gerar novas vagas de trabalho mesmo com esse arcabouço legal é um erro, argumentou o gerente-executivo da Unidade de Relações do Trabalho da CNI. “É o carro acelerando com o freio de mão puxado”, comentou.
Para ser mais produtiva, indústria quer menos burocracia e legislação mais flexível
Fernando Exman
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) pretende aproveitar o debate que será gerado pela apresentação das 101 propostas de modernização trabalhista para iniciar uma mobilização a fim de reduzir a rigidez da legislação, a burocracia e a insegurança jurídica enfrentada pelo empresariado e diminuir os riscos de formação de grandes passivos trabalhistas e previdenciários pelas empresas.
Conta a favor da iniciativa do setor produtivo, que tem justamente a intenção de demonstrar a complexidade desse debate e o tamanho dos obstáculos enfrentados pela indústria para se tornar mais produtiva, o plano da presidente Dilma Rousseff de promover mudanças na legislação trabalhista.
O empresariado, que terá como desafio chegar a um acordo com os sindicalistas, também trabalhará junto ao Tribunal Superior do Trabalho (TST), na tentativa de reverter algumas súmulas editadas pela Corte e garantir maior transparência e registro de audiências trabalhistas.
Algumas propostas tendem a encontrar apoio em setores do governo, como a facilitação de entrada de trabalhadores estrangeiros qualificados. Por outro lado, o próprio Executivo poderá apresentar resistências a algumas ideias, uma vez que custos das empresas poderiam ser repassados aos cofres públicos. A CNI defende, por exemplo, a redução de encargos, por prazo determinado, para que as empresas ofereçam primeiras oportunidades de emprego.
Outra ideia é a criação de um fundo antidesemprego com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), o qual ajudaria a reter os empregados em momentos de crise e quando as empresas precisarem reduzir as jornadas de trabalho. A CNI também buscará a criação de um conselho tripartite de julgamento de defesas e recursos administrativos no Ministério do Trabalho, assim como já ocorre no Ministério da Previdência e na Receita Federal.
Em outros casos, a CNI propõe que a Previdência arque, por meio de compensações tributárias, com o custo de faltas justificadas pelos trabalhadores. Há ainda propostas de redução da burocracia e de combate a fraudes, como a criação de uma carteira de trabalho eletrônica e o controle eletrônico da emissão de atestados médicos.
Por outro lado, algumas propostas podem enfrentar fortes resistências das centrais sindicais. Uma delas é a que tenta regulamentar a terceirização de qualquer tipo de atividade na indústria. Outra é a fixação de parâmetros para evitar que a regulamentação de profissões crie reservas de mercados e benefícios injustificáveis a categorias.
Uma proposta considerada polêmica no meio sindical é a de explicitar, na legislação, a inexistência de estabilidade em contratos trabalhistas assinados por prazo determinado. Para a CNI, a ausência dessa regra aumenta o risco de as empresas serem surpreendidas por ações judiciais de trabalhadoras que ficaram grávidas, por exemplo.
Além da insegurança jurídica e de maiores custos para o setor, a entidade argumenta que a falta dessa regra afeta negativamente a geração de vagas para as mulheres. A instituição também defende o fim da multa adicional de 10% sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) nos casos de demissão sem justa causa.
A CNI também advoga uma valorização das negociações coletivas e individuais. Nesse sentido, buscará a aprovação de uma proposta de emenda à Constituição, ou um projeto de lei, para garantir que a negociação coletiva tenha a mesma força da chamada tutela legal. No Congresso, outra investida da CNI será no sentido do estabelecimento de critérios legais objetivos e “adequados” para a caracterização do trabalho escravo.
Entidade projeta recuperação em 2013, caso medidas de estímulo tenham efeito
Eduardo Campos e Thiago Resende
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) trabalha com um cenário de recuperação para atividade em 2013, mas condiciona seu otimismo ao impacto das medidas de estímulo adotadas pelo governo.
No cenário-base, o avanço do Produto Interno Bruto (PIB) esperado para 2013 é de 4%, previsão alinhada à do governo e de parte dos agentes de mercado. No cenário alternativo, caso as medidas não obtenham o efeito esperado sobre a confiança do empresariado e sobre o investimento, o crescimento seria menor, de 3%. Para este ano, a CNI trabalha com crescimento de 0,9% da economia, ante projeção anterior de 1,5%.
Olhando apenas o desempenho da indústria, a CNI projeta avanço de 4,1% do PIB industrial em 2013, contra um prognóstico de retração de 0,6% em 2012. Se as coisas não saírem como o planejado, o crescimento da indústria recuaria para apenas 2,3% no próximo ano.
Os termos competitividade e investimento permearam toda a apresentação do presidente da CNI, Robson de Andrade, e do gerente-executivo de política econômica da CNI, Flávio Castelo Branco. A entidade prevê avanço de 7% do investimento em 2013, após queda projetada de 4,5% agora em 2012.
De acordo com Andrade, as medidas anunciadas pelo governo ao longo do ano para estimular a economia ainda não são suficientes. “Faltam medidas de desoneração dos investimentos”, disse. Segundo Andrade, passos importantes foram tomados, como o Reintegra, que prevê a devolução de imposto equivalentes a até 3% das receitas de exportação de bens manufaturados, e o Programa de Sustentação do Investimento (PSI), que garante juros subsidiados para compra de máquinas e equipamentos.
O presidente da CNI defende mais incentivos, como um programa nos moldes do Reintegra para os investimentos. Segundo ele, crescimento só com base no avanço do consumo não é um modelo “sustentável”.
De acordo com o Castelo Branco, o problema no Brasil não é falta de demanda, mas sim o fato de essa demanda não chegar à indústria local. Há um “vazamento” para o mercado externo. O problema, segundo o gerente-executivo, é falta de competitividade da indústria brasileira.
Castelo Branco projetou um déficit da balança comercial de bens manufaturados da ordem de US$ 100 bilhões em 2012, cifra próxima aos US$ 97 bilhões registrados no ano passado.
O presidente da CNI também manifestou preocupação com a guerra fiscal entre os Estados. A insegurança jurídica trazida pelas brigas em função de incentivos é, segundo ele, um grande entrave ao investimento.
Andrade se mostrou favorável á proposta do governo de unificar as alíquotas interestaduais de Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) em 4% e compensar os Estados por meio de dois fundos. “É uma proposta muito importante para acabar com a guerra fiscal e começar uma verdadeira reforma tributária”, disse.
O presidente da CNI cobrou, ainda, a mudança no indexador da dívida dos Estados. Alguns entes da Federação pagam 16% de juros sobre as dívidas renegociadas, mas para Andrade os governos estaduais deveriam ter o endividamento atrelado à taxa básica de juros (Selic). No entanto, essa mudança deveria ter como contrapartida o aumento dos investimentos estaduais em infraestrutura e educação.
O presidente da CNI também elogiou a proposta do governo federal para a redução do custo da energia elétrica. Para ele, não houve quebra de contratos. Com relação à remuneração das tarifas e dos ativos não amortizados, Andrade considera que o governo tem de discutir e negociar com cada empresa.
Sindicatos desistem de lutar contra o fator previdenciário
Depois de mais de dez anos de mobilizações e manifestações, as cinco maiores centrais sindicais do país (CUT, Força Sindical, UGT, CTB e Nova Central) desistiram de lutar contra o fator previdenciário, dispositivo criado em 1999 que calcula o benefício das aposentadorias do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) conforme alíquota e tempo de contribuição, idade do trabalhador e expectativa de vida do segurado no ato da aposentadoria. O anúncio foi feito ontem na sede paulista da CUT com presença de dirigentes das cinco centrais.
As lideranças sindicais do país sempre consideraram o fator um instrumento que reduz os valores pagos ao trabalhador que se aposenta, mesmo assim decidiram apoiar votação imediata no Congresso de emenda substitutiva do Projeto de Lei 3.299/2008, de autoria do deputado Pepe Vargas (PT-RS). A matéria modifica o cálculo da Previdência Social, mas mantém o fator previdenciário de forma reduzida. O texto enfatiza principalmente a fórmula 85/95: quando a soma do tempo de contribuição e da idade resultarem em 85 anos para mulheres e 95 para homens é garantida a aposentadoria integral, sem incidência do fator.
Representantes de cada uma das centrais se encontram hoje com o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, para entregar uma carta exigindo audiência com a presidente Dilma Rousseff e a colocação imediata em votação no Congresso do substitutivo que trata do assunto. “Estamos sendo pragmáticos, queremos criar condições de o trabalhador perder menos. É uma alternativa ao fator. Somos sindicalistas, estamos acostumados a negociar, achamos que temos condições de garantir perdas menores”, disse Vagner Freitas, presidente da CUT.
Para o deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), a manutenção do fator previdenciário é um risco para o próprio governo, pois estimula uma avalanche de ações judiciais. “O trabalhador perde direitos com o fator, tem sua aposentadoria reduzida. Se os benefícios continuarem sendo pagos com o fator, até o fim do ano que vem serão R$ 71 bilhões de perdas que poderão ser cobradas judicialmente no futuro. É um rombo maior que o FGTS do Plano Collor”, ponderou Paulinho.
Vagner Freitas disse que se houver acordo com o governo, e o substitutivo de Pepe Vargas for votado, orientará os mais de 3,4 mil sindicatos filiados à CUT a não “judicializar” o fator previdenciário. “Cada cidadão tem direito de cobrar direitos perdidos, mas nossa orientação é por não judicializar”.
O governo já vem sinalizando que não tem interesse na votação da proposta. Na semana passada, as centrais publicaram carta de repúdio pelo fato de o substitutivo ter saído da pauta de votação do Congresso. Mesmo após ter aprovado, no começo do ano, uma comissão de parlamentares representantes dos trabalhadores e do setor patronal para estudar a questão, o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), declarou, também na semana passada, que o governo “ainda costura” avaliação sobre mudanças na lei previdenciária.
Fonte: Valor Econômico