A Justiça deve ser simples e suas normas devem ser acessíveis a todos os cidadãos. Isso também deve se aplicar ao campo da tributação. Para que o contribuinte possa pagar corretamente o tributo que deve, as normas que regulam o assunto devem ser claras, objetivas, fáceis de interpretar. Outrossim, o sistema tributário é apenas um meio de se viabilizar o bem comum, a felicidade das pessoas.

Pois apesar disso ser óbvio, o governo federal fez mais uma de suas lambanças com a MP 540 e o Decreto 7.567, de 15 de setembro, tornando confuso um conjunto de normas que deveriam ser simples. Bom para os advogados que já conseguiram obter liminares na Justiça e ruim para o Ministério da Fazenda, que demonstra não possuir em seus quadros um bacharel que possa ser aprovado no exame da OAB. Afinal, o mínimo que a OAB exige é que um bacharel tenha lido a Constituição.

O decreto já mencionado aumenta o IPI dos automóveis e permite redução naqueles onde haja nacionalização do produto em determinado percentual. Não vamos entrar nas minúcias aqui mesmo já debatidas por outros colegas. Mas chega a ser ridículo que se pretenda aumentar qualquer imposto ignorando o disposto na letra “c” do inciso III do artigo 150 da Constituição Federal.

Quanto ao aumento do IPI propriamente dito, ele pode ser aumentado durante o exercício por força da exceção contida no parágrafo 1º do artigo 150, mas o prazo de 90 dias deve ser observado.

As alíquotas do IPI variam conforme a essencialidade dos produtos, com o que não existe nenhum problema para o aumento, até porque o conceito de essencialidade não é claramente definido no direito positivo.

Afastadas essas questões de técnica legislativa, não nos parece que se possa impedir o poder Executivo de fixar a alíquota que lhe pareça adequada em relação a veículos de passeio. Além disso, é razoável que sejam criadas barreiras para determinados produtos cuja produção nacional já esteja atendendo razoavelmente os consumidores. Isso é protecionismo e é praticado por todos os países do mundo.

Não se pode imaginar que a importação de veículos automotores, na atual conjuntura, seja atividade que mereça estímulo ou que não possa se sujeitar a restrições ou encargos.

Uma importadora de veículos que represente determinada marca está obrigada a realizar investimentos de monta para colocar seu produto junto ao consumidor. Haverá de se implantar uma rede de concessionárias, dotadas de lojas, oficinas, etc., implicando em média na contratação de 50 pessoas para cada unidade. Levando-se em conta a necessidade de que a rede de lojas tenha representação em boa parte do território nacional, abrem-se cerca de 100 estabelecimentos, ou seja, no total geral a operação envolve pelo menos 5 mil empregos diretos.

Mesmo que a operação se inviabilize por causa do preço final do produto, não é impossível adaptar essa estrutura comercial para o atendimento de outra marca, fato que já tem precedente no país.

Assim, há boas razões para acreditarmos que os fabricantes de veículos que estão exportando para o Brasil querem apenas obter o maior lucro possível, no menor prazo, sem maiores compromissos. Imaginar que estejam exportando veículos para no futuro instalar uma fábrica, é só isso mesmo: exercício de imaginação.

Por volta de 1995 ou 1996 uma empresa coreana (Asia Motors) anunciou a instalação de uma fábrica no Brasil e nessa condição passou a ser beneficiada com redução de impostos sobre os veículos que então importava. Obteve uma condição bastante favorável de comercialização, com o que vendeu grande quantidade de veículos. No entanto, não deu andamento ao seu projeto de criar uma fábrica no país, com o que deveria recolher os valores dos impostos de que se beneficiara. Até hoje nada pagou e consta que existe um processo para tentar receber a dívida que já ultrapassa um bilhão de reais, incluídos multa e acréscimos legais.

O mercado de veículos é altamente competitivo no mundo todo. A vinda de novas fábricas para o Brasil pode não ser um benefício que justifique a concessão de incentivos fiscais ou quaisquer outros. Primeiro, que não há falta de oferta de veículos no país. Segundo, que a chegada de novos vendedores parece ser uma operação cartelizada, pois os preços continuam elevados. Terceiro, que os padrões de qualidade dos novos produtos não alteram em nada aqueles a que já estamos habituados. Ou seja: mais carros importados não representam benefício para o país.

Há muito o que fazer no Brasil em benefício de toda a sociedade e isso não passa pelas fábricas de automóveis. As obras de infraestrutura, estas sim precisam de incentivos e investimentos. Ferrovias, telecomunicações, aeroportos, hidrovias, navegação de cabotagem, mineração, equipamentos agrícolas, educação, tudo isso precisa de incentivos e investimentos.

O Brasil já está numa nova fase. Há muito o que fazer. Ninguém precisa mais brincar de carrinho.

Raul Haidar é advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

Revista Consultor Jurídico, 26 de setembro de 2011