Ele elogia a política de desonerações tributárias e não vê nenhum problema na redução do superávit primário dos atuais 3,1% para 2,4% do PIB.
Cristiano Romero e Claudia Safatle
O economista Luiz Fernando Figueiredo, sócio da Mauá Sekular Investimentos, acredita que o governo já pode reduzir o superávit primário das contas públicas, desde que faça isso para diminuir a carga tributária. Ele elogia a política de desonerações tributárias e não vê nenhum problema na redução do superávit primário dos atuais 3,1% para 2,4% do PIB.
“O efeito sobre produtividade é grande. O que não dá é reduzir o superávit primário para aumentar gasto corrente. Seria dar um tiro no pé”, disse Figueiredo nesta entrevista ao Valor. “Fazer um superávit menor, reduzindo a carga tributária, é um avanço enorme.”
Um dos interlocutores do Banco Central (BC) no mercado, Figueiredo acha que, se a inflação de 2013 não ultrapassar 5,5%, o BC não aumentará a taxa Selic no próximo ano. Por outro lado, o Comitê de Política Monetária, em sua opinião, já encerrou o ciclo de alívio monetário. Novos estímulos, acredita, virão por meio de liberação dos depósitos compulsórios.
Para Figueiredo, a economia brasileira já está em forte recuperação neste trimestre e crescerá acima de 4% no ano que vem. Ele defende a flexibilização do tripé de política econômica (câmbio flutuante, metas para inflação e disciplina fiscal) posto em prática pelo governo Dilma. “O que o BC está fazendo não é abandonar o modelo. Ele está operando o mesmo modelo de uma maneira mais flexível porque o mundo está absolutamente complicado.” A seguir, os principais trechos da entrevista.
Valor: Como o senhor analisa as mudanças ocorridas no cenário internacional nos últimos dias?
Luiz Fernando Figueiredo: Na Europa, há neste momento um risco menor de descontinuidade, principalmente no curto prazo. O custo de captação dos países caiu muito, ajudando o próprio Banco Central Europeu (BCE) na condução da política monetária.
Valor: Por quê?
Figueiredo: Porque tornou a política monetária mais eficiente. O alívio financeiro dado pela Europa é temporário porque os países continuam tendo uma relação dívida/PIB que, pelo menos por enquanto, mesmo com as medidas de aperto, segue em expansão. Portanto, ainda tem muita coisa para ser feita lá.
Valor: O quê?
Figueiredo: Apesar desse alívio financeiro, que gera um custo de rolagem de dívida menor, os países estão com uma política muito contracionista. Se a Espanha entrar num acordo com o BCE, com a participação do FMI, é possível que tenha que fazer mais aperto. Não está claro, então, se o país vai conseguir sair desse círculo vicioso. Há um problema político seríssimo porque 83% da população desaprova o governo. A capacidade do primeiro-ministro Mariano Rajoy de implementar novas medidas é limitada.
Valor: Se a Europa ainda está num círculo vicioso, onde há melhora?
Figueiredo: Como se reduziu o risco de acontecer qualquer coisa grave no curto prazo, há uma resposta positiva em termos de confiança, mas a questão bancária ainda está em aberto. A decisão sobre uma capitalização dos bancos espanhóis ainda não foi tomada. Outro aspecto da Europa é que a Alemanha cresceu 3% no ano passado, mas neste ano a projeção de mercado é algo como 0,2%. Não interessa também à Alemanha que esse círculo vicioso continue.
Valor: O George Soros disse há poucos dias que a Alemanha vai entrar em recessão em seis meses.
Figueiredo: É para lá que a Alemanha está indo. O fato de a Angela Merkel [primeira-ministra] ter concordado com a proposta do BCE talvez seja em função disso. É mais indolor o BCE fazer os pacotes do que os alemães.
Valor: Quais são os riscos na Europa daqui em diante?
Figueiredo: A Grécia não consegue entregar o que promete. Não entregou nada no ano passado e neste ano está fazendo isso de forma parcial. Vai precisar de mais dinheiro, mas ninguém está disposto a dar. Por outro lado, ninguém quer que a Grécia quebre. No fim, não vai conseguir, de jeito nenhum, sair desse círculo vicioso, o que pode fazer com que, em algum momento, saia do euro. O que não pode é isso acontecer antes de a Espanha estar blindada.
Valor: O que garante que as recentes medidas do BCE solucionem de forma duradoura a crise?
Figueiredo: Nada. Houve um belo alívio de curto prazo, mas tem tudo ainda para ser feito em termos de criação de condições para a economia voltar a crescer. O BCE colocou quase € 1 trilhão nos bancos, por meio de LTRO [sigla em inglês para operações de refinanciamento de longo prazo]. Depois de oito meses, os bancos já não estão, novamente, numa situação boa. Não adianta ficar colocando dinheiro se não se resolve o problema estrutural.
“Fazer um superávit primário menor, reduzindo a carga tributária, é um avanço enorme”
Valor: Qual é?
Figueiredo: No caso dos bancos europeus, capital. Eles não precisam de dinheiro. Precisam de capital. Se tiverem, o mercado olha para o banco e vê que ele está saudável. Enquanto isso não ocorrer, continuarão os saques.
Valor: No caso dos EUA, como o senhor avalia a nova rodada de afrouxamento monetário?
Figueiredo: O que os EUA têm de diferente é uma postura absolutamente agressiva do Ben Bernanke [presidente do Federal Reserve, o BC americano]. Ele disse que vai fazer o que precisar para a economia crescer de forma sustentada. O segundo aspecto é que o mercado imobiliário americano [pivô da crise de 2007-2008] está com uma cara boa.
Valor: Mas sua participação no PIB hoje não é pequena?
Figueiredo: De fato, mas tem um efeito muito importante porque, à medida que o setor melhora, as pessoas que possuem imóveis se sentem mais confiantes, afinal, seu ativo tem um valor maior. Isso pode incentivar o consumo. Não é por outra razão que o Fed está focando o novo afrouxamento monetário na compra de MBS [títulos lastreados em hipotecas].
Valor: Qual é o maior risco no caso dos EUA?
Figueiredo: É o chamado “fiscal cliff” [abismo fiscal, a combinação de aumento de impostos e corte de gastos programada para entrar em vigor em janeiro, caso o Congresso não chegue a um consenso sobre um plano para reduzir o déficit público].
Valor: A possível reeleição do presidente Barack Obama não elimina esse risco?
Figueiredo: O processo eleitoral não ajuda nem um pouco, pelo contrário. Você pode dizer que o Obama é um governante melhor para os EUA, eu acredito nisso, mas ele não tem maioria no Congresso. Por causa do “fiscal cliff”, o fim de ano pode ser mais complexo para esse risco específico. Dá para ele empurrar esse assunto até março do ano que vem, mas não é algo confortável. Os EUA podem sofrer um rebaixamento de classificação de dívida se a situação ficar muito complicada. Por outro lado, os republicanos não vão dar de bandeja.
Valor: E a China?
Figueiredo: A China está mais fraca, o governo tem adotado algumas medidas, há sinais um pouco melhores.
Valor: Por exemplo?
Figueiredo: Os indicadores de investimento estão com uma cara um pouco melhor, teve o pacote de infraestrutura, mas o comércio internacional e o lucro das empresas, que está muito baixo, têm atrapalhado bastante. O comércio mundial está no chão e isso afeta muito a China. Mas eles ainda têm muita capacidade de agir.
Valor: Há analistas dizendo que o crescimento da China, que foi de 10,4% em 2010 e de 9,2% em 2011, pode cair para 6%.
Figueiredo: Acho pouco provável. Se o governo não fizer nada, é possível, mas há muito espaço para adotar estímulos. É mais provável que cresça algo como 7,5% neste ano. O risco é crescer abaixo disso no ano que vem.
Valor: Diante desse cenário mundial, como fica o Brasil?
Figueiredo: A novidade neste momento é a atividade econômica. Já se pode dizer que estamos começando a virar o jogo.
“Está havendo redução dos estoques de maneira generalizada e isso é bom porque indica produção à frente”
Valor: De que forma?
Figueiredo: Na indústria, estamos assistindo a uma queda dos estoques, não só na automobilística. Está havendo redução dos estoques de maneira generalizada e isso é bom porque indica que a indústria vai produzir mais à frente. A confiança dos industriais, medida pela FGV, em agosto e em setembro veio muito melhor. O PMI [índice de compras dos gerentes], que reflete a intenção de gastos das empresas, também tem vindo melhor.
Valor: Há outras indicações de retomada?
Figueiredo: O tráfego de veículos pesados, que tem muito a ver com a produção industrial, aumentou. A produção de papel ondulado, utilizado em embalagens, cresceu. Alguns indicadores de confiança, do lado de vendas, também estão bem melhores. A bolsa de valores, que tende a ser um “leading indicator” [um dos principais indicadores], está melhor. Não acho que será uma barbaridade de crescimento, mas há a chance de, no terceiro trimestre, já vir um número mais perto de 1,5%. O governo tem feito uma série de desonerações tributárias que, na minha leitura, são coisas bastante positivas. Mas em termos financeiros ainda é um volume pequeno.
Valor: Por quê?
Figueiredo: Porque estamos falando de algo entre R$ 15 bilhões e R$ 16 bilhões, o que dá 0,3% do PIB. Isso ajuda a economia, mas muito pouco ainda. Por outro lado, como é um número relativamente pequeno, mostra que há mais espaço para desonerar.
Valor: O senhor acha que há espaço fiscal para mais desonerações?
Figueiredo: Sim.
Valor: Mas e o superávit primário?
Figueiredo: Se você me perguntar se eles vão fazer um superávit primário de 3,1% do PIB neste e no ano que vem, a resposta é: não tem espaço para isso. Neste ano, deve ficar perto dos 3%, um pouco menos. Em 2013, haverá crescimento de receitas porque a atividade econômica vai estar mais forte e, provavelmente, vamos acabar rodando o ano com superávit de 2,5%, 2,4% do PIB. É um bom espaço para acomodar tudo o que foi feito e, eventualmente, novos estímulos.
Valor: Então, o BC vai ter que incorporar um superávit menor ao seu balanço de riscos?
Figueiredo: Lógico, não tenham dúvida. Se você reduz o primário diminuindo carga tributária, o efeito é muito positivo.
Valor: Por quê?
Figueiredo: Porque, em vez de o governo ficar com o dinheiro, com as desonerações há um aumento de margem das empresas. Com isso, elas podem reduzir preços e investir mais. O efeito de produtividade é grande. O que não dá é reduzir o superávit primário para aumentar gasto corrente. Seria dar um tiro no pé.
Valor: Uma crítica ao governo é que ele está tentando, como fez na crise de 2008, ampliar o consumo a qualquer preço.
Figueiredo: Quando você olha a agenda dos últimos meses, o que se vê é uma agenda muito mais voltada para o aumento da oferta – redução de custo das empresas, principalmente das industriais; concessões na área de infraestrutura; reduções de IPI. A preocupação é com a ampliação da competitividade, a redução do custo de energia, o que é muito saudável.
Valor: Com esse cenário, para aonde vai a taxa de juros?
Figueiredo: Estamos debaixo de uma série de choques – choque de grãos americanos; choque de queda do preço da energia; choque da desoneração da folha. O saldo líquido nos próximos 12 meses é, provavelmente, de menos e não de mais inflação.
Valor: Por quê?
Figueiredo: Porque esse choque de grãos, por mais longo que seja, é temporário. Os outros [os choques positivos] são definitivos. Isso ajuda muito o BC, que vai reagir a uma inflação que, por causa desses choques, está se mostrando menor.
Valor: Quão menor?
Figueiredo: Uns 50 ou 70 pontos-base [0,5-0,7 ponto percentual]. Isso tudo deve nos levar para uma inflação entre 5% e 5,5% em 2013.
Valor: Não é uma inflação alta?
Figueiredo: Ainda é alta, mas uma inflação perto de 5% neste mundo super complicado em que estamos não me parece que seja o caso de o BC reagir. Provavelmente, não reage a isso. Se a inflação for de 5,5% para cima, não tenho a menor dúvida de que o BC reagirá. Como mencionei antes, ainda tem muito espaço para o governo desonerar, o que acaba tendo um impacto positivo na inflação. No fim, a inflação vai ficar mais para perto de 5% do que acima de 5,5%.
Valor: O senhor não teme que, com a retomada da atividade, os preços dos serviços voltem a pressionar a inflação?
Figueiredo: Aparentemente, o setor de serviços está caminhando para crescer num ritmo mais próximo do ritmo do PIB. Pode estar acontecendo o que ocorreu com o crédito. O crédito ao consumo chegou a crescer 40% ao ano, agora está crescendo 15%, 18%, uma taxa muito alta, mas palatável. O comprometimento de renda com dívida é o limite para o aumento do crédito. No setor de serviços, estamos falando dos gastos dentro da mesma renda. Se estou com minha renda comprometida, não posso mais expandir o comprometimento de renda, logo, também não vou consumir mais serviços ou, então, vou moderar o consumo.
Valor: O BC ainda tem espaço para reduzir juros?
Figueiredo: Acho que não. O BC não deve fazer nada na próxima reunião [marcada para 10 de outubro]. Na margem, acho que eles vão flexibilizar um pouco mais os depósitos compulsórios. O que fizeram até agora [R$ 61 bilhões em 2012] foi muito pouco. E os compulsórios ainda são muito elevados.
Valor: Uma outra crítica à política econômica diz respeito ao fato de o câmbio não flutuar mais, de não responder aos termos de troca do país. Isso facilitaria o repasse, para os preços internos, dos choques de oferta ocorridos lá fora.
Figueiredo: Sou contra intervencionismo no câmbio. O problema é que o mundo inteiro tem sido intervencionista. Acabamos de falar do Fed, o banco central japonês também fez expansão monetária na semana passada, o BC inglês vai fazer já, já, o BC suíço botou lá um piso para a moeda…
Valor: O senhor não acha que o governo abandonou o tripé de política econômica, em voga desde 1999?
Figueiredo: Discordo. O câmbio está debaixo de muita intervenção em todo lugar. Se tiver um choque muito negativo lá fora, o BC vai deixar o câmbio ir [para cima], o que nos protege. Agora, de fato, o câmbio artificialmente desvalorizado tem algum efeito na inflação. A vantagem é que, como a economia estava muito fraca, o repasse aos preços internos foi pequeno. Mas reconheço que é uma medida artificial para gerar renda para o exportador e que, no fim, provoca inflação. Se tiver algum efeito positivo, é de curtíssimo prazo porque, havendo inflação, o câmbio real não melhora, por consequência, não adianta nada. O que se pode dizer é que, como a atividade está baixa, o “pass-through” [repasse para os preços internos] no Brasil é pequeno, então, o efeito é menor. É menor, mas existe. Não acho, então, que seja uma política que você deva ficar fazendo, achando que não custa nada. Pelo contrário. Pode custar muito e não trazer nenhum benefício.
Valor: E na área fiscal?
Figueiredo: Não acho que o governo esteja abandonando a disciplina fiscal. Fazer um superávit menor, reduzindo a carga tributária, é um avanço enorme. O Brasil já tem uma relação dívida/PIB relativamente baixa [35%], quando comparada com qualquer país. Não pode deixar subir. Já a carga tributária brasileira é o dobro da de qualquer país do mundo. Não é algo razoável. Portanto, é uma política totalmente acertada a redução do superávit primário atrelada à diminuição da carga tributária porque isso é competitividade na veia. É muito melhor, por exemplo, do que reduzir o superávit para fazer investimento porque, em geral, o investimento público não é dos mais produtivos.
Valor: E a mudança da política monetária?
Figueiredo: O que o BC está fazendo não é abandonar o modelo. Ele está operando o mesmo modelo de uma maneira mais flexível porque o mundo está absolutamente complicado.
Fonte: Valor Econômico